Limites da coisa julgada: maioria no STF vota pela quebra automática de decisões – JOTA

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Tributário
Entendimento é o de não ser necessário que a União ajuize ação revisional ou rescisória
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Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) formaram placar de 6X0 para definir que um contribuinte que obteve uma decisão judicial favorável com trânsito em julgado permitindo o não pagamento de um tributo perde automaticamente o seu direito diante de uma nova decisão do STF que considere a cobrança constitucional.
O entendimento é que a cessação de efeitos é automática diante de uma nova decisão do STF, não sendo necessário que a União ajuize ação revisional ou rescisória. Os magistrados ainda não formaram maioria, no entanto, no que diz respeito à modulação de efeitos dessa decisão.
A controvérsia é objeto dos REs 949297 e 955227 (Temas 881 e 885), cujo julgamento foi retomado nesta sexta-feira (30/9) no plenário virtual.
A maioria se formou no RE 949297, que discute se uma decisão do STF no controle concentrado ou abstrato — por exemplo no julgamento de uma ADI, ADO, ADC ou ADPF — cessa automaticamente os efeitos de decisões anteriores transitadas em julgado. No controle concentrado, o STF decide em tese sobre a constitucionalidade de uma lei. Quando há o trânsito em julgado, não cabem mais recursos contra uma decisão, que se torna definitiva. A decisão é alcançada, então, pelo instituto da coisa julgada.
No RE 955227, no qual ainda não há maioria formada, o debate é se uma decisão no controle difuso (recurso extraordinário, por exemplo) cessa automaticamente os efeitos de decisões anteriores com trânsito em julgado. No controle difuso, a decisão diz respeito ao caso concreto, mas vincula o Poder Judiciário quando há repercussão geral.
Ambos os casos dizem respeito à CSLL, mas o julgamento também impactará outros tributos pagos de modo continuado. A discussão sobre a CSLL envolve, sobretudo, grandes empresas, de diversos setores, que obtiveram na Justiça o direito de não recolher esse tributo. Entre elas, estão companhias como a mineradora Samarco e o Grupo Pão de Açúcar.
Nos anos 1990, essas empresas conseguiram na Justiça o reconhecimento da inconstitucionalidade da CSLL, instituída pela Lei 7689/89. Entre outros motivos, os juízes entenderam que a criação da CSLL não foi precedida de lei complementar nem respeitou o princípio da anterioridade, segundo o qual um tributo não pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que foi instituído.
Em 2007, porém, o STF declarou o tributo constitucional no julgamento da ADI 15. Para a União, essa declaração do STF permite ao fisco lançar e cobrar automaticamente o tributo, sem a necessidade de uma ação revisional ou rescisória — argumento acolhido agora pelos relatores.
O julgamento estava suspenso desde 12 de maio por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Hoje, o magistrado acompanhou os relatores, ou seja, votou a favor da União, pela cessação automática dos efeitos das decisões transitadas em julgado diante de uma nova decisão do STF tanto no controle concentrado quanto no difuso.
Com isso, no mérito, o placar está em 6X0 a favor da União no RE 949297 tanto no caso concreto quanto na fixação da tese. Em voto apresentado neste recurso, em maio deste ano, o relator, ministro Edson Fachin, concluiu que o juízo definitivo no controle concentrado – ou seja, em ADI, ADO, ADC ou ADPF – tem aptidão para fazer cessar os efeitos da decisão anterior favorável ao contribuinte no caso individual. Para o relator, não é necessária uma ação rescisória nem revisional para alterar a decisão anterior.
O caso concreto envolve a TBM – Têxtil Bezerra de Menezes S.A, que obteve o direito de não recolher a CSLL, com decisão transitada em julgado também em 1992. O entendimento foi modificado pelo STF em 2007 na ADI 15.
Fachin votou ainda para que a decisão do recurso agora em julgamento seja modulada “para frente”, produzindo efeitos a partir da publicação da ata de julgamento do acórdão. Na prática, isso significa que a União não poderá cobrar valores dos contribuintes retroativamente.
Além disso, Fachin afirmou que a decisão do STF que restabeleça a cobrança de um tributo equivale à instituição de um novo tributo. Assim, para a sua cobrança, devem ser observadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena, a depender do tributo.
Além de Moraes, acompanharam Fachin os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli. Gilmar Mendes apresentou voto separado. Mendes concorda que a decisão no controle concentrado faz cessar os efeitos da coisa julgada. A seu ver, no entanto, entre outras divergências, a nova decisão do STF deve não apenas produzir efeitos imediatamente, mas também retroagir. Ou seja, não deve haver modulação.
Com isso, o placar está em 6X0 a favor da União no RE 949297 tanto no caso concreto quanto na fixação da tese. Na modulação, o placar está em 5X0 para que a decisão produza efeitos a partir da publicação da ata de julgamento do acórdão. Na modulação, como se trata de um recurso extraordinário, pode haver discussão ainda se são necessários seis votos ou o quórum qualificado de oito votos. Quando se trata de uma ADI, está pacificado que são necessários oito votos para modular a decisão.
Apesar de o mérito ser favorável à União, caso a proposta de modulação seja aprovada, os contribuintes consideram que essa será uma vitória, uma vez que eles não serão obrigados a recolher os valores retroativamente.
Com a retomada do julgamento e a apresentação do voto-vista de Moraes, o STF formou placar de 5X0 no RE 955227 (Tema 885) para definir que uma decisão do STF no controle difuso — ou seja, no julgamento de recursos extraordinários — também faça cessar automaticamente os efeitos de decisões anteriores com trânsito em julgado que consideraram um tributo constitucional ou inconstitucional.
Neste caso, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, no entanto, observou que os julgamentos de recurso extraordinário só terão o condão de fazer cessar os efeitos de decisões anteriores se eles ocorrerem na sistemática da repercussão geral. Rosa Weber, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes acompanharam integralmente o voto de Barroso. Fachin ainda não votou. Mas, no voto apresentado no RE 949297 (Tema 881), do qual é relator, Fachin deu a entender que compreende de modo semelhante a Barroso – ou seja, que a decisão em repercussão geral faz cessar os efeitos de julgamentos anteriores.
Neste caso, há uma divergência parcial do ministro Gilmar Mendes. Para Mendes, mesmo se não houver repercussão geral, uma decisão do Plenário do STF em recurso extraordinário faz cessar os efeitos de decisões anteriores.
Quando há repercussão geral, o recurso, embora diga respeito a um caso concreto, é julgado como representativo da controvérsia, e a decisão vincula todo o Poder Judiciário, que deverá aplicar o entendimento do Supremo em causas semelhantes. Já quando não há repercussão geral, o recurso vincula apenas as partes no processo.
Na prática, como, desde 2007, apenas são admitidos recursos extraordinários no STF com repercussão geral, quando forem esgotados os recursos que entraram no Supremo sem cumprir esse requisito, todas as decisões em recurso extraordinário terão o condão de cessar os efeitos da coisa julgada. Desse modo, na fixação da tese geral, mesmo com a divergência parcial do ministro Gilmar Mendes e com algumas diferenças nas proposições do texto final das teses, o placar é de 5×0 a favor da União pelo menos parcialmente.
No caso concreto, Barroso votou contra a União, entendendo que o contribuinte não precisa recolher a CSLL cobrada no processo. Neste caso, que envolve a Braskem S/A, a decisão favorável ao contribuinte afastou a cobrança da CSLL nos anos de 2001 a 2003. A União argumenta que o STF decidiu, por meio do RE 138284, que a CSLL é constitucional. Barroso observou, porém, que essa decisão não tinha repercussão geral, não podendo ser aplicada para “fins de relativização da sentença transitada em julgada favorável à recorrida”.
Mais uma vez, a única divergência aqui foi de Gilmar Mendes, para quem a decisão em recurso extraordinário, mesmo sem a repercussão geral, fez cessar os efeitos do entendimento anterior favorável ao contribuinte. Assim, no caso concreto, o placar está em 4X1 a favor do contribuinte.
Quanto à modulação, Barroso aplica o mesmo entendimento de Fachin. A decisão deve produzir efeitos “para frente”, a partir da publicação da ata de julgamento do acórdão. Deve-se observar ainda as anterioridades nonagesimal e anual no caso de restabelecimento de tributos, considerando-se a especificidade de cada um. Mais uma vez, o único a divergir é Gilmar Mendes, para quem as novas decisões do STF devem produzir efeitos imediatamente.
O prazo de apresentação de votos no plenário virtual vai até a próxima sexta-feira (7/10). Até lá, algum ministro pode pedir vista ou destaque. Neste último caso, o julgamento será levado ao plenário físico, e a contagem de votos, reiniciada.
Cristiane Bonfanti – Repórter do JOTA em Brasília. Cobre a área de tributos. Passou pelas redações do Correio Braziliense, O Globo e Valor Econômico. Possui graduação em jornalismo pelo UniCeub, especialização em Ciência Política pela UnB e MBA em Planejamento, Orçamento e Gestão Pública pela FGV. Cursa Direito no UniCeub.
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