Presidenciáveis e corrupção: os ratos nas aldeias Tikuna – Patria Latina

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O último debate entre os candidatos a presidente da República, na TV Globo, encerrado na madrugada desta sexta-feira (30) mostrou que o tema corrupção faz parte das “bandeiras” de gregos e baianos. Acusar adversário de corrupto, até que “cola” em setores desinformados, que ignoram o casamento indissolúvel entre a esfera estatal e a privada, responsável por desvios de recursos públicos e pela corrosão da máquina burocrática, desde Thomé de Souza, Duarte da Costa e Mem de Sá, no séc. XVI, até os dias atuais.
Aqueles que durante a campanha eleitoral juram combatê-la, para ganhar votos dos crédulos, uma vez no poder se lambuzam. Collor, o “caçador de marajás”, em 1989 “acusou” Lula pela compra – imagine! – de um aparelho de som. Já Coiso, o “futuro presidiário”, em 2018 dizia com Heleno: “se gritar pega Centrão não fica um, meu irmão”. Deu no que deu: ambos chafurdaram na lama, um na “casa da Dinda”, o outro, em imóveis adquiridos com dinheiro vivo, orçamentos secretos, rachadinhas, pastores e suas barras de ouro.
Como combater, de fato, a aliança entre políticos venais e empresários trapaceiros, que aliciam e subornam burocratas para saquear os cofres públicos e manter o poder? Talvez possamos encontrar respostas nos livros e artigos publicados no Brasil e no exterior, escritos por Marcos Bezerra, antropólogo da Universidade Federal Fluminense (UFF), que pesquisa o assunto desde 1989. Os Tikuna, no Alto Solimões, também ensinam como nos proteger de tal praga e dos falsos moralistas, paladinos dos discursos anticorrupção.
O Rei da Vela
O debate ganharia outro contorno, se algum dos presidenciáveis ou membros de suas equipes tivessem lido os textos de Marcos Bezerra. Entre outras conclusões, ele aponta para o fato de que a corrupção não é fruto somente da conduta desviante de pessoas ou da ação de quadrilhas como sugerem as interpretações moralistas. A corrupção, diz o antropólogo, é filha das instituições e dos mecanismos sociais: o parentesco, o nepotismo, o compadrismo, a troca de favores, o clientelismo e a impunidade.
Trata-se de uma estrutura, de um sistema infiltrado no tecido social, que extrapola o espaço público. Por isso, prender corruptos sem desmantelar os mecanismos do sistema equivale a enxugar gelo, porque os vigaristas proliferam como em “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade, morre o agiota Abelardo I e logo é substituído por Abelardo II. Eduardo Cunha é preso, mas sua filha Danielle continua sua obra. Roberto Jefferson atrás das grades? Cristiane Brasil segue seus passos, abençoada pelo “padre” Kelmon.
– “Há continuidade entre as práticas da vida cotidiana, como subornar um guarda de trânsito para não ser multado e muitas daquelas constitutivas daquilo que se chama corrupção” – diz Marcos Bezerra, que estudou as bases sociais da prática de corrupção, vasculhou a documentação do Congresso Nacional e das CPIs e analisou o caso da Coroa Brastel aberto pelo Judiciário, em 1985, para apurar desvios de recursos públicos, além das denúncias de corrupção no governo Vargas, nas entidades evangélicas e no livro “Em nome das bases” aborda o tema do orçamento e do uso das emendas parlamentares de relator como base para a reprodução de poder político e desvios de recursos. O orçamento secreto permitiu atualizar o livro.
Mas os candidatos, no debate, não propuseram uma reflexão para mudar as condições que favorecem as práticas corruptas. Preferiram jogar sobre os ombros de Lula a culpa histórica por aquilo que ele não conseguiu impedir, apesar de haver criado em seu governo o Portal da Transparência e a Lei do Acesso à informação, que permitia saber até “a cor do papel higiênico usado no Planalto” e alguns outros mecanismos que contribuíram para detectar irregularidades, diferentemente do que aconteceu nos últimos quatro anos.
As ratazanas 
– Corrupção? No Ceará não tem disso não – disse Ciro Gomes, cujo irmão Cid Gomes levou a sogra em viagem de dez dias à Europa, que custou R$ 388.596,00 aos cofres públicos, apenas com o aluguel do jatinho. Ele e Felipe D´Ávila (Novo, vixe, vixe) se referiram à “Nova Hegemonia Moral e intelectual” do país. O “padre” Kelmon (PTB vixe vixe), com seu conto do vigário, é a imagem da dessacralização do divino, é pilantra e idiota. Deus até absolve o idiota, que só diz Coiso com Coiso, mas não perdoa o pilantra.
Já o “futuro presidiário” afogado em rachadinhas, em seu discurso delirante, trata Lula como “ex-presidiário”, merecendo críticas do – esse sim padre de verdade – Júlio Lancellotti:
– “Lula, não tenha vergonha, como eu sei que você não tem, desses indecentes que te chamam de ex-presidiário. Isso é um privilégio para você, que sofreu as injustiças que o povo sofre”. O padre demonstrou confiança de que Lula dará continuidade ao desmantelamento do sistema de corrupção.
Como mudar esse sistema? Os Tikuna acumularam experiência histórica capaz de combater, com eficácia, as ratazanas que roubavam seus alimentos. Quem conta é o médico alemão, Robert Avé-Lallemant, que visitou em julho de 1859 as aldeias do Alto Solimões, infestada por milhares e milhares de ratos, “verdadeiros bandidos, mais finos que os ratos comuns, vorazes, gulosos e insaciáveis”.
– Os Ticunas não tem armários para guardar suas minguadas provisões e penduram seus poucos mantimentos em cordões de tucum, que descem do teto, mas os ratos sobem pelas paredes e telhado e descem pelos cordões”, roubando os alimentos.
O viajante alemão conta que a luta para acabar com a roubalheira passou por três fases: prisão, pena de morte e blindagem. Primeiro armaram dezenas de ratoeiras em cada casa, não deu certo porque a armadilha só capturava ratos pequenos. As ratazanas de até 40 cm escapavam com agilidade, como quem faz delação premiada. Trocaram, então, o veneno pela borduna: focavam a cara do rato com lanterna e plaft – com uma cacetada o matavam. Acontece que para cada rato morto, um suplente assumia seu lugar.
Perceberam, então, que era mais conveniente blindar os alimentos. O médico narra a estratégia da blindagem, que deu certo:
– Os Ticunas recorreram a uma técnica simples, mas engenhosa. Fazem um furo bem no meio dum casco de tartaruga, de maneira que fique horizontal, pendurado na ponta de um cordão. Debaixo desse casco protetor penduram seus escassos víveres. Os ratos sobem até o telhado e descem até o casco de tartaruga, de onde, porém, escorregam assim que se aproximam da borda, caindo no chão, sem ter podido chegar até as provisões. O processo é extraordinariamente prático.
Oscar Niemeyer projetou o Congresso Nacional com dois cascos de tartaruga, basta usá-los corretamente para mudar o sistema.
P.S. – Alguns textos de Marcos Bezerra publicados no Brasil e no exterior:
OBS. – Agradeço à mais nova doutora da Universidade do Estado do Amazonas, Darcimar Souza Rodrigues, cuja tese sobre educação infantil do povo Tikuna, orientada por Lígia Aquino no Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ, foi defendida nessa sexta (30) e, por vias indiretas, me fez lembrar do combate às ratazanas.

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