Na ONU, governo Bolsonaro propõe que líderes políticos não ataquem imprensa – UOL Confere
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.
Colunista do UOL
05/10/2022 15h24
Num gesto que contradiz a atitude do próprio presidente Jair Bolsonaro e de seus mais próximos aliados, o governo brasileiro apresenta na ONU uma resolução propondo que estados se comprometam com a “segurança dos jornalistas” e que políticos não ataquem a imprensa.
O documento foi submetido ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e deve ser votado entre hoje e sexta-feira. O Brasil é um dos autores do projeto, ao lado da Áustria e outros países europeus.
Ao longo dos últimos três anos e meio, Bolsonaro atacou jornalistas, ameaçou a imprensa, fez gestos obscenos e dificultou o acesso à informação. Na semana passada, seu filho Flávio Bolsonaro tentou censurar reportagens do UOL que revelavam o pagamento em dinheiro vivo de 51 imóveis pela família do presidente.
Seus atos levaram as entidades internacionais a denunciar seu comportamento. Durante a campanha eleitoral, ele ainda repetiu alguns de suas principais atitudes de ataques contra mulheres no setor da imprensa.
Segundo a Abraji, o presidente e seus filhos fizeram 801 ataques contra a imprensa desde 2021. De acordo com a entidade Repórteres Sem Fronteira, 2,8 milhões de postagens foram feitas nas redes sociais contra jornalistas apenas no primeiro mês de campanha eleitoral, em 2022.
Mas, longe do cercadinho em Brasília ou das redes sociais, o governo Bolsonaro adotou um tom diferente ao propor uma resolução na ONU.
No rascunho do texto que será submetido à votação, o Brasil e os demais países pedem que se “condene inequivocamente todos os ataques, represálias e violência contra jornalistas e trabalhadores da mídia”.
Ele ainda pede que governos em todo o mundo “condene de forma pública e inequívoca e sistematicamente a violência, intimidação, ameaças e ataques contra jornalistas e trabalhadores da mídia e se abstendo de atacar verbalmente ou desacreditar jornalistas ou incitar ódio contra eles ou desconfiança em relação a jornalistas independentes”.
Num dos trechos, o rascunho da declaração faz uma proposta: pedir aos “líderes políticos, funcionários públicos e autoridades a se absterem de denegrir, intimidar ou ameaçar a mídia, incluindo jornalistas individuais, ou usar linguagem misógina ou qualquer linguagem discriminatória contra jornalistas mulheres, minando assim a confiança na credibilidade dos jornalistas e o respeito pela importância do jornalismo independente”.
O documento ainda condena “inequivocamente os ataques específicos às mulheres jornalistas e trabalhadoras da mídia em relação ao seu trabalho, tais como discriminação baseada em gênero, violência sexual e de gênero, ameaças, intimidação e assédio, online e off-line”. No Brasil, Bolsonaro tem focado parte significativa de seus ataques contra jornalistas como Vera Magalhães ou Patrícia Campos Mello.
O texto também “condena veementemente a impunidade prevalecente para ataques e violência contra jornalistas, e expressa grande preocupação de que a grande maioria desses crimes fique impune, o que por sua vez contribui para a recorrência desses crimes”.
Apesar da máquina de desinformação que passou a tomar conta dos aliados de Bolsonaro, o governo brasileiro sugere no texto sua “preocupação com a disseminação de desinformação e propaganda, inclusive na Internet”. De acordo com o texto, tais atos podem ser concebidos e implementados “de modo a enganar, violar os direitos humanos, inclusive os direitos à privacidade e à liberdade de expressão, e de modo a disseminar o ódio, o racismo, a xenofobia, os estereótipos negativos ou a estigmatização e incitar a violência, a discriminação e a hostilidade, e enfatiza a importante contribuição dos jornalistas no combate a esta tendência”.
Para o grupo de países, é importante “proporcionar um ambiente favorável ao trabalho das organizações da sociedade civil, pois elas desempenham um papel vital no aumento da segurança e proteção dos jornalistas e trabalhadores da mídia”.
Diante desse quadro, o Brasil e os demais países convocam a comunidade internacional a criar mecanismos de prevenção e proteção aos jornalistas diante de ataques. Também é solicitado que as autoridades garantam investigação contra os autores dos ataques.
O rascunho ainda sugere que governos criem unidades especiais de investigação para apurar ameaças aos jornalistas e até a nomeação de um promotor especializado.
O governo também propõe que os estados se abstenham em “interferir no uso de tecnologias como criptografia e ferramentas de anonimato, e de empregar técnicas de vigilância ilegal ou arbitrária, inclusive através de hacking”.
Em 2021, a coluna revelou como filhos de Bolsonaro tentaram adquirir tecnologias de espionagem e de hackeamento de celulares.
Para completar, o texto pede que governos “cooperem” com jornalistas e organizações da sociedade civil para “avaliar os danos que a pandemia da COVID-19 estava e ainda está infligindo no fornecimento de informações vitais ao público e na sustentabilidade dos ambientes de mídia, e considerar, sempre que possível, a criação de mecanismos apropriados para fornecer apoio financeiro à mídia, incluindo jornalismo local e reportagens investigativas, e assegurar que o apoio seja dado sem comprometer a independência editorial”.
No auge da pandemia, o black out de informação por parte do Ministério da Saúde levou a imprensa brasileira a criar sua própria contagem de casos e mortes pela covid-19.
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