Os 5 Grandes Clubes Argentinos – Ludopédio
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A seguir traçarei um panorama muito breve para cada um dos clubes, sendo que o que possuem em comum são muitos craques, muitos títulos (sem se fazer um inventário cansativo de todos) e principalmente muitos torcedores. Sendo destacado o momento mais difícil de cada um deles em que o “aguante” de sua hinchada permitiu superá-lo e manter sua condição de grande. Assim como pelo menos algum elemento extracampo que permite que instituições centenárias sigam movendo multidões por alguma auto-identificação rotineiramente renovada por suas comunidades torcedoras como seu maior patrimônio.
A primeira evidência de grandeza que cada clube reivindica para si é: Racing é o maior campeão nacional durante o amadorismo (anos 10 e 20); Boca é o primeiro com jornadas internacionais vencedoras; Independiente com o primeiro estádio; San Lorenzo com o maior patrimônio institucional quanto a corpo associativo, vitorioso em diversas modalidades (vide atualmente o basquete) e também um estádio de massas que foi a primeira casa da seleção; e por fim o River Plate já no início do profissionalismo (a partir anos 30) ao mostrar poder financeiro para comprar grandes craques. Em suma, credenciais que cimentaram um caminho por cerca de um século depois em que as glórias foram mais a regra do que a exceção (e mesmo as dificuldades não foram fatais a ponto de não se reerguerem mais). Assim como outro fator importante a ser levado em conta, em um mundo a deriva com tanta “pós-verdade” esportiva através de algoritmos midiáticos em estúdios de televisão, que o melhor comprovante de grandeza é possuírem um arquirrival e um reconhecimento como rival dos demais grandes.
Como breve nota de conjuntura nacional dos últimos anos, conforme três parâmetros simples: gestão fora de campo, desempenho e resultado dentro de campo. O River Plate certamente foi o mais vitorioso nos três critérios nos últimos anos, embora nos últimos meses com sinais de esgotamento. Racing e Boca aparecem radicalmente opostos: com a Academia muito regular na gestão e desempenho embora faltando o resultado através de títulos, enquanto o Xeneize tudo pelo contrário. Enquanto por sua vez Independiente e San Lorenzo apresentam a decadência simultânea nos três critérios mais profunda e de mais longo prazo. Há uma discussão atual que a decadência do Boca pode levar o clube a ser amanhã o que hoje é a crise de Independiente e San Lorenzo pela repetição de fatores: apego em interinos no lugar de treinadores experientes, dirigentes com apego à lógica amigo x inimigo dentro do clube e incapacidade até de colocar um patrocínio na camiseta para entrar dinheiro. E por falar em prazo, nos últimos meses e nos próximos todos os clubes devem piorar um pouco em todos os critérios pelas dificuldades impostas pela crise econômica multifacetada no país.
Assim como nota mais breve ainda da conjuntura internacional é o intenso debate midiático em diversos países pelo qual o maior sucesso recente de clubes brasileiros em relação aos argentinos quanto aos resultados na Libertadores e até melhor poder de compra nas transferências de jogadores sustenta a hipótese que a profunda crise financeira da Argentina tem um impacta na competitividade e até (para aqueles mais imediatistas) na grandeza de seus clubes. Embora tal constatação simples não permita uma conclusão simplista como se o futebol brasileiro e sua economia estivessem evoluindo em parâmetros sólidos.
Fundando em 1901, conhecido principalmente como “millonario”, pelo primeiro motivo pela tradição de ser um clube rico fora de campo em patrimônio institucional. Vide sua fundação no bairro popular de La Boca porém logo fixado a décadas no bairro de Nuñez, próximo a outros bairros valorizados da zona centro-norte como Belgrano e Palermo. O que para muitos facilitaria uma hipótese fácil de elitismo, também pode ser contraposta a uma hipótese inusitada de ter sido visionário ao buscar novos torcedores em novas regiões da cidade não tão concentradas em clubes como era a zona sul. E pelo segundo motivo de dentro de campo com craques e futebol de qualidade na maior parte de sua história. O que tem relação direta com sua segunda alcunha de “el más grande”, pelo maior número de títulos nacionais. Ou simplesmente “la banda”, pela tradicional faixa diagonal vermelha na camiseta branca. Já pelos rivais é ironizado como “gallina” por conta da final da Libertadores de 66, contra o Peñarol-URU, quando vencia por 2 a 0 mas cedeu a virada por 4 a 2.
Mesmo sem ter as cores da bandeira, é sem dúvida o clube que mais pode ser identificado simbolicamente com a “argentinidade”. A começar pela data de fundação, 25 de maio, ser a mesma do início do processo de independência do país (em 1810) diante da colonização espanhola. (Obs: Falando em independência, é certamente o clube que mais teve “próceres” na função de jogador ou treinador: “Maestro” Labruna, “Kaiser” Passarella (o único com duas copas do mundo e único a alcançar também a posição de presidente do clube) e “Napoleón” Gallardo) Um sentimento que teve continuidade por ser a hinchada que mais reivindica a reparação histórica à guerra das Malvinas contra os ingleses. Outro grande motivo dessa associação é sobretudo pelo Monumental Antonio Vespucio Liberti ser a “cancha” oficial da seleção “albiceleste”, embora nos últimos anos haja maior rotatividade de onde ela manda suas partidas pelo interior. Além dos vários jogadores convocados à seleção, principalmente nos títulos mundiais de 78 e 86.
Falar de grandes craques é também falar de grandes títulos. Após a hegemonia da famosa “La Máquina” dos anos 40 e 50 de Di Stefano, Pedernera, Labruna e tantos outros, foi o primeiro grande a enfrentar um longo jejum de títulos entre 57 e 75. Um período marcado pelos traumas da freguesia de derrotas decisivas para o Boca em pleno Monumental e sobretudo pela síndrome de “morrer na praia” quase todos os anos com vários vices. Justamente Angel Labruna quem depois retornou em 75 e se tornou um grande treinador com o fim da fila e com isso um dos maiores ídolos do clube. Além dos grandes times campeões da Libertadores de 86 e 96, ambas contra o América de Cali-COL, em épocas que também reinou na maioria dos títulos locais. Ambas também com o ídolo uruguaio Enzo “Principe” Francescoli.
Na atualidade o River Plate segue empilhando as mais diversas copas nacionais e internacionais diante da super-vencedora “era Gallardo”. Mas para contar a história da década de 2010 que tão bem se encerrou é preciso também voltar a seu início quando foi ao inferno e voltou. Ao longo de péssimas campanhas entre 2008 e 2010, o clube esteve fora da disputa dos títulos da liga argentina e com isso piorando o seu “promedio” de pontos (rebaixamento indireto uma média de duas temporadas anteriores). Mesmo assim, a “hinchada millonaria” sempre carregou uma fama dos rivais de ser acomodada aos títulos, e quando veio a pior fase em campo foi dada a devida réplica fora dele com bilheterias sempre esgotadas. Uma superação da hinchada tentando segurar o clube na Primera representada pela música a seguir:
“Muchos años estuvieron, Chamuyando la gilada, Lo queremos ver a river cuando le lleguen las malas.Y no dicen nada, Ya no se escucha nada, Le cerramos el culo a todas las hinchadas. No alcanzan las tribunas, No alcanzan las entradas, Les demostramos lo que es river en las malas !”
Até que em 2011 mais uma campanha irregular o colocou na “promocion” contra o Belgrano de Córdoba. Um mata-mata agônico cheio de elementos picantes: como ameaças de barras a jogadores e à arbitragem para que “arranjassem” algum pênalti e por fim vandalismo dentro e fora do estádio.
De imediato a adaptação para jogar o Ascenso teve o veterano volante Matias “Pelado” Almeyda bancando a responsabilidade e passando de jogador a treinador, passando a se ver não como um dos maiores ídolos do clube, mas apenas mais um “obrero” na dura reconstrução em meio ao Ascenso mais disputado de todos os tempos (Obs: sendo que fora de campo, após 4 anos de apenas partidas sem torcedores visitantes, a ampla demanda dos torcedores do River por lotar estádios pelo país todo abriu essa permissão). Assim como o regresso dos atacantes Fernando “Torito” Cavenaghi e Alejandro “Chori” Dominguez por serem hinchas confessos. Além da inusitada vinda do franco-argentino David Trezeguet. Esse retorno foi como um ritual de passagem dos referentes anteriores ao toparem de cara o desafio que a maioria não toparia. A formação do elenco para a B foi inusitada por colocar mais jovens na defesa e mais veteranos no ataque, porém compensado pela responsabilidade não só por um torneio, mas por reconstruir animicamente o clube. E pelo sacrifício individual para formar um grupo animado pelo próprio treinador dando o exemplo.
O retorno à Primera veio já em 2012 e logo depois em 2014 voltou a ser campeão da liga argentina tendo como treinador um velho conhecido: Ramon Diaz, ídolo do clube como jogador e da fase multi-campeão do final dos anos 90 (na qual tinha Gallardo como jogador e ainda apenas como “muñeco”). De lá para cá o pessimista dirá que esse título de 2014 foi o último da liga argentina abrindo uma época de hegemonia local do arquirrival Boca; porém o otimista dirá que também abriu a “era Gallardo” como treinador (junto do tão elogiado presidente Rodolfo D’Onofrio) se tornando ainda mais multicampeão que Ramon Diaz. De batalha em batalha, com várias copas nacionais e internacionais até que finalmente veio a mais transcendente em Madri que imortalizou “Napoleón” e seus “soldados” como goleiro Franco Armani, o zagueiro Jonathan Maidana (remanescente antes mesmo do rebaixamento) e os meias Leo Ponzio e Enzo Perez. Conforme já tratado em crônica anterior. Em resumo, a reconstrução deve ser narrada não apenas pela “gestão” de fora para dentro, mas primeiro de dentro para fora e claro pelo papel da hinchada e dos referentes históricos. Inclusive o legado de D’Onofrio é não apenas esportivo mas também patrimonial diante da atual reforma e ampliação do Monumental ao inserir setores populares ao estilo de uma “geral” no grande espaço que havia entre a cancha e o tablón.
Fundado em 1903, leva como apelido principal “Academia”, pelo tradicional futebol de qualidade ao ser o maior vencedor do amadorismo, nas primeiras três décadas do século 20, quebrando a hegemonia inicial do já extinto Alumni. E principalmente por levar o mote de “el primer grande” por ser o primeiro argentino a vencer a Copa Intercontinental em 67 após vencer a Libertadores. Foi sem dúvida o seu melhor momento. Tanto por desempenho pela imagem positiva de “futbol criollo” com “el equipo de José (Pizzutti)”. Quanto por resultado, inclusive chegando a uma marca até hoje inalcançada da maior série invicta de todo o profissionalismo no futebol argentino.
Para além do aspecto esportivo, sem perder de vista o aspecto de clube social, está entre os mais identificados com o peronismo, pois coincide no início dos anos 50 quando foi o maior vencedor de títulos argentinos. E principalmente com a inauguração do seu estádio Juan Domingo Perón (popularmente chamado de Coliseu ou Cilindro, como a imprensa brasileira a ele se refere) para a disputa dos Jogos Pan-Americanos de 1951. Época em que o “caudillo” foi considerado “o primeiro hincha argentino”, pois também inaugurou a primeira transmissão de uma partida na televisão. Um estádio muito particular, pois mescla um anel superior com visão muito panorâmica, mas também anel inferior muito próximo ao gol. E mais particular ainda por dois detalhes: pelo discreto e apertado fosso de água nos setores atrás do gol e ainda pelos minicampos nas laterais onde sempre se vê crianças chutando uma bola durante uma partida profissional!
Como se fosse uma forma simbólica de trazer o “potrero” junto à “cancha” para nunca se perder o “futebol criollo”. Assim como sua barra leva o nome de “Guardia Imperial” (aliada da Geral do Grêmio) em referência ao auge peronista. Por falar em fora de campo, conforme já tratado em crônica anterior sobre a força da hinchada para, em um lapso de poucos anos, impedir a falência (quando era ironizado pelos rivais como “RA SIN CLUB”) e levar ao título mais agônico da história, conforme já tratado em crônica anterior. Atualmente o caminho de boa gestão de Blanco no Racing procura repetir D’Onofrio no River, embora dentro de campo a confiança em um futebol bem jogado em desempenho e a confiança em processos longos (procura repetir Gallardo no River) ainda custa a entregar resultados diante de boas campanhas em pontos corridos que não se concluem em títulos e sobretudo de várias eliminações vexatórias em copas para equipes muito inferiores.
Fundado em 1905, também conhecido como “xeneize” (pela origem genovesa) ou “bostero” (pela provocação dos rivais como signo de desprezo). O último apelido muito tem a ver com a localização da mítica La Bombonera (de nome oficial Alberto José Armando) dentro do bairro de La Boca às margens do Riachuelo. Região que foi no início do século XX o principal porto da cidade onde chegavam os imigrantes pobres europeus e por onde se irradiou o tradicional tango (assim como o vizinho bairro de San Telmo). Nas últimas décadas, esse e outros bairros da zona centro-sul continuaram sendo o principal local de instalação de imigrantes pobres paraguaios, bolivianos, peruanos, colombianos e venezuelanos. Evidente que a maioria deles desenvolveu ou uma simpatia pelo clube ou as próximas gerações se tornaram hinchas. Por isso o Boca usa como mote institucional o “la mitad más uno” por remeter a uma ‘Argentina profunda’: em parte adaptada ao turismo de massas e em parte ainda mergulhada na pobreza mas também na cultura popular vibrante. A massificação da barra é um fato, vide vários ídolos musicais do rock e da cumbia serem torcedores do Boca, e sobretudo o principal jogador (Maradona) e o principal presidente (Perón) de todos os tempos. Vide o principal episódio de envolvimento político de sua hinchada foi na tragédia de 68 no Monumental ao supostamente cantarem a “Marcha Peronista” e com isso desatar a revolta da polícia que provocou um esmagamento com dezenas de mortes. De lá para cá algo de vantagem o “xeneizismo” pode reivindicar diante do peronismo uma narrativa que enquanto movimentos de massas o primeiro ainda encontra fôlego diante de um maior enfraquecimento do segundo.
Sua barra, “La 12” desde os anos 80 em algum momento quase todos os presidentes buscaram vínculos mais explícitos ou implícitos com ela. Por essas e outras os rivais sempre desprezam sua barra ao chama-la de “vigilante” por ter fortes vínculos com o “oficialismo”, ou seja, com os cargos de poder de turno, fossem presidentes, juízes, dirigentes, árbitros, chefes de polícia e jornalistas.Assim como o desprezo clubista também possui uma esfera intrínseca ao “aguante” diante de evidências de ser uma barra que “usa parlantes” para potencializar artificialmente seus gritos pela televisão.
Tratar do “club de la Ribera” é tratar de turbulências. Vide se na virada dos anos 70 a 80 conheceu a glória eterna de tocar a Copa Libertadores e depois Maradona sair campeão nacional, foi ao longo da década seguinte um dos clubes mais devastados pela crise econômica do país e tendo sua própria década perdida entre 81 e 92. Pior, para além dos desastres esportivos eles vinham com requintes de humilhação: como ausência de uniforme adequado, Bombonera interditada e chegando até a peregrinar de cancha em cancha em busca de amistosos “caça-níqueis”. Porém o aspecto popular da hinchada contrasta com um processo acelerado nas últimas duas décadas em que, apesar de seu ciclo copero com Bianchi, sua identidade de “velho pobre” (vide os primeiros imigrantes como citado) veio passando por uma fissura ao querer ser o “novo rico”. Por conta da presidência do mega-empresário Mauricio Macri de 95 a 2007. Nesse período, principalmente entre 2000 e 2007, foi quando liderado pela habilidade de Riquelme mais somou copas internacionais, disputando copa a copa com o Independiente quem liderasse o retrospecto geral. Permitindo a Macri aproveitar o prestígio dentro de campo para ser transferido fora de campo ao alavancar uma carreira política acelerada do âmbito municipal ao provincial e por fim ao nacional (entre 2016 e 2019, por ironia justamente na meia década que o River foi o “rey de copas”).
Ora, comparado com o rival Racing na sessão anterior, é possível especular uma narrativa tão discreta quanto incômoda que o clube xeneize também “vendeu sua alma” a um projeto empresarial, a diferença que o fez mais gradualmente e com um componente político protagonista. Evidências sobram para caracterizar essa síndrome de “novo rico” desde então, principalmente do clube para fora com os esforços pessoais frustrados de Macri primeiro como presidente do clube (em 98) e depois do país (em 2018) para aprovar uma legislação de clube-empresa. Mas também do clube para dentro com um marketing esportivo bastante rebuscado com camisas de cores fluorescentes, pré-temporada na Europa e a mudança do treinamento do plantel de La Boca para a isolada Ezeiza (se tornando “vizinho” do River e da AFA) e com isso se isolando de sócios e hinchas no dia-a-dia.
Além desses traços de um persistente “macrismo cultural”, ainda surgiram rumores de abandonar a Bombonera para construir uma arena em outro local. Mas a cancha e o bairro estão entranhados na identidade “xeneize”. Assim como ter o privilégio de ser o único a nunca ser rebaixado e o privilégio maior ainda de ser a hinchada que mais venera a Maradona (e a que mais é reciprocamente correspondida). Vide com frequência jogadores sul-americanos e até europeus consagrados declaram o desejo de conhecer a mítica Bombonera (embora isso também seja visto pelo outro lado da moeda para além do reconhecimento: sendo usado pelos péssimos gestores e dirigentes atuais para insuflarem ilusões de contratações bombásticas e com isso fazer uma “cortina de fumaça” aos erros cotidianos). O momento atual foi tratado em crônica recente com suas profundas contradições que de fora para dentro de campo rendem fartas polêmicas. Mais contraditório ainda que é impossível separar a politica do clube com a política do país se os anos eleitorais em ambos casos coincidem (e até mesmo a o clima de corrida eleitoral vem sendo cada vez mais antecipado). Como breve retrospectiva, se entre 2015 e 2019 o macrismo-angelicismo foi um desastre e teve que sair pela porta dos fundos, entre 2019 e 2023 o anti-macrismo (através de Ameal e Riquelme na Casa Amarilla de um lado e Alberto e Cristina na Casa Rosada de outro) vem fracassando em sua tentativa de superação e parece ser apenas um “gestor” do desastre para que o macrismo retorne em breve em ambos os ambientes ainda mais forte…
Fundado em 1905, também chamado de “rojo” ou “diablo” (pela cor vermelha) e principalmente leva como mote o orgulhoso “rey de copas”. Alcunha alcançada desde quando conquistou sua sétima Libertadores, em 84, e desde então nunca foi alcançado. Por isso o clube é entre os grandes o que tem estádio mais moderno chamado “Libertadores de América” após a demolição do histórico “Doble Visera” (o primeiro estádio dentre os grandes) na cidade de Avellaneda na Grande Buenos Aires. (Obs: o clube também detém um recorde pessoal com o maior artilheiro de todos os tempos na Argentina: o paraguaio Arsenio Erico, nos anos 30 e 40, com 295 gols).
Na competição alcançou ainda outras marcas como ser o primeiro clube argentino a vencê-la (em 64, justamente superando o bicampeão vigente Santos em pleno Maracanã) e o grande feito até hoje inigualável com quatro título seguidos (de 72 a 75). E principalmente o feito ainda maior até hoje inigualável de chegar a 7 conquistas, sendo que no ano de 84 teve sabores especiais: derrotar o vigente campeão Grêmio, campeão intercontinental contra o Liverpool e até mesmo ver o arquirrival na segunda divisão. Depois nessas cerca de 4 décadas para cá vieram várias outras copas internacionais bem menos cobiçadas: Supercopa de 94 e 95, Recopa de 95 e sobretudo Copa Sul-Americana de 2010 e 2017, contra Goiás e Flamengo respectivamente. O que também lhe dá mais um privilégio copero: ser o único clube argentino a dar volta olímpica no Maracanã, em 94 e 2017. Curioso que os treinadores que conduziram esses recentes milagres coperos tiveram passagem recente frustrada por clubes brasileiros: Antonio “Turco” Mohamed pelo Atlético-MG e Ariel Holan pelo Santos.
Os rivais provocam através de diversas músicas que vivem da glória passada em contraste a um presente irrelevante de recorrentes fracassos em copas internacionais e ausência de títulos nacionais. Vide desde 2002 sem títulos nacionais, quando foi liderado pelo treinador Americo “Tolo” Gallego, o artilheiro Andrés “Cuqui” Silvera e os meias Federico “Pocho” Insua e Daniel “Rolfi” Montenegro construindo uma equipe que foi de lanterna no torneio anterior a campeão com o maior recorde de gols nesse século. O que nessas condições se apresenta o contraste de ter tido os primeiros sinais de grandeza ao longo do século passado (como primeiro estádio e primeira Libertadores), porém no momento o de crise mais duradoura e mais profunda.
Ao contrário dos outros grandes, não há apelido unânime que receba dos rivais, mas dois são vinculados: “amargos” e “tira-tiros”. E principalmente por ser uma barra com tão pouco “aguante”, sob a alegação que é uma das que mais apela a armas de fogo nos confrontos (ou à polícia para proteger-se) e mais recentemente a que mais apela ao “oficialismo” de políticos e autoridades. Apesar de rachada em vários grupos dissidentes, “Los Diablos Rojos” (aliada da Guarda Popular do Inter) foi a principal ao estar na última década em vários momentos com destaque midiático (inclusive na Copa do Mundo no Brasil em 2014) com seu ‘capo’ Pablo “Bebote” Alvarez. Em suma, se para o caso anterior do Boca as disputas esportivas e institucionais são atravessadas pelas disputas políticas, já no Independiente a violência parece estar mais latente e onipresente com vários casos de dirigentes mais próximos dos barras e até mesmo mais diretamente ameaçados (por serem dois meios em que a confiança dura muito pouco).
Um pouco desse cenário de contrastes já foi esboçado em 2010 com o título da Sul-Americana com o treinador coincidindo com ser lanterna do torneio nacional. Porém logo no ano seguinte termina a “lua de mel” e retornam as sucessivas trocas de treinadores e sobretudo os “aprietes” (intimidações) da barra nos estádios e principalmente nos treinos e até em assembleias do clube. Uma escalada de crise sem fim que em 2013 levou ao inédito rebaixamento. Em 2014, apesar do acesso conquistado sem sustos, com a morte de ‘don’ Julio Grondona (‘capo’ poderoso durante décadas na AFA), muitos ironizaram que agora o Independiente afundaria dali por diante na seca, pois não teria mais a proteção de sempre na arbitragem. Através desses elementos se esboça a radiografia da atual crise (na qual novamente as metáforas de inferno parecem cada vez mais reais) e que vai muito além das sucessivas derrotas para o rival Racing. Através do surgimento do novo ‘capo’ na presidência, Hugo Moyano, quem pelos vínculos com o sindicato de caminhoneiros possui seus barras de confiança com uniformes verdes em meio ao vermelho dos hinchas comuns. Assim como atualmente há uma violenta “interna” entre 3 facções de barras cujas ações expandiram o terror para outros espaços mais neutros como o entorno do estádio e até mesmo para dias sem partidas, colocando em risco um número maior de inocentes. A crônica a seguir descreve esse personagem e os momentos mais agudos dessa crise em meados de 2022 quando sócios literalmente sitiaram uma assembléia do clube e obrigaram Moyano a uma fuga cinematográfica com custódia policial por conta da recusa até aquele momento de convocar novas eleições enquanto se apoderava do cargo. O ápice dessa crise foi o decreto imediato de portões fechados pelas autoridades de segurança para a partida do dia seguinte sob risco de não se repetir nova aglomeração em Avellaneda.
Fundado em 1908, leva esse nome por conta do padre Lorenzo Massa querer proporcionar um lazer saudável aos meninos e tirar-lhes das ruas. Tem como apelidos “Ciclón” (pelas cores azul e vermelho) e “Cuervos” (pelas aves que habitavam a residência do padre). Já para os rivais os apelidos que leva são “San Silencio” e “Sin Libertadores”, pois durante muito tempo foi o único clube grande sem conquistar a gloria eterna continental. Dentre os grandes possui uma situação muito particular quanto a rivalidades por reivindicar simultaneamente uma disputa nacional com o Boca (alegando ter sua “paternidade” no futebol e também por ter um bairro que se reivindica bem “tanguero”) com uma disputa pelo bairro com o vizinho Huracán de Parque Patricios.
Falando em bairro, rapidamente o clube se mudou do bairro de Almagro de fundação para Boedo onde criou profundas raízes, sobretudo ao erguer o estádio Gasometro, por um bom tempo considerado o “Wembley argentino” por sua grandeza. Mesmo que Perón não torcesse para o San Lorenzo, contar a história esportiva e institucional do clube passa por destrinchar as coincidências com o movimento político. Duas histórias cruzados de sacrifícios, mas também de esperanças e redenções. Primeiro que logo que o “caudillo” assumiu o poder, em 1946, foi justamente o San Lorenzo o campeão com o artilheiro Pontoni e a linha de ataque conhecida como “Terceto de Oro”. E depois por outra incrível coincidência o clube também foi campeão de 72 e 74, com o artilheiro Scotta, no contexto do breve e segundo governo peronista e logo a seguir sua morte. Sendo que já vinha com um anterior título histórico em 68 por ser o primeiro campeão invicto com uma linha atacante conhecida como “Los Matadores”.
Se a sua hinchada está entre as mais peronistas, com certeza ela foi a mais prejudicada pelo anti-peronismo (também chamado “gorilismo”) das ditaduras militares de 66 e principalmente de 76. Pois foi quando o terreno do estádio Gasometro foi confiscado para a instalação do primeiro supermercado da rede francesa Carrefour (por ironia também com as cores azul e vermelho). Foi então que o clube teve que atravessar os duros anos 80 com dívidas e principalmente como um itinerante alugando canchas de outros clubes. Logo no início da década a situação era tão complicada que bateu às portas do inferno ao ser rebaixado em 81, se tornando o primeiro dos grandes nessa condição. Em 82, o que era para ser o desastre total ao se somar o primeiro grande rebaixado com a perda do estádio e a crise econômica. Com isso, desafiando o mito popular que clube sem estádio não poderia subir para a primeira divisão, a reação imediata e espontânea da hinchada foi “copar” quantas canchas fosse preciso: primeiro a próprio de Boedo em demolição para chorar o descenso mas logo as demais canchas do Ascenso. Inclusive exigindo transferências de mandos de estádios pequenos a médios para acomodar tantas invasões de visitantes.
Falar da história do clube nos anos 80 e 90 envolve um personagem central logo à beira do campo: o treinador Hector “Bambino” Veira. Quem foi ídolo no clube como jogador nos anos 60 (e por ironia suprema era hincha do rival Huracán!) Foi quem assumiu como treinador logo na primeira e difícil temporada de retorno à primeira divisão. Depois, sentiu um rápido gosto do estrelato com o “millonario” River Plate sendo campeão nacional, continental e até intercontinental. Mas logo voltou ao “chão de fábrica” do futebol argentino assumindo novamente o clube “azulgrana” entre 87 e 88 quando armou uma equipe tão aguerrida e voluntarista na forma de jogar que ficou conhecida como “Los Camboyanos”. Tanto é que o único jogador que depois realmente ficou conhecido foi o goleiro Chilavert recém chegado do Paraguai (e antes de “estourar” no Velez na década seguinte). Uma equipe que na época reacendeu a chama da esperança ao estar perto de sair da fila no torneio nacional ou até mesmo ganhar a primeira Libertadores. Mas em ambos casos esbarrou justamente na nova sensação do futebol argentino: o Newell’s Old Boys de Rosário do treinador Marcelo Bielsa.
“Bambino” voltaria ao clube no início dos anos 90 quando ele passava por uma injeção de ânimo ao finalmente construir seu novo estádio: o “Nuevo Gasometro” (oficialmente Pedro Bidegain) e em seu entorno sua própria “Ciudad Deportiva” no bairro periférico de Bajo Flores. O sofrido fim da fila de duas décadas veio em 95, quando houve uma caravana épica para Rosário com 20 mil hinchas “cuervos” em partida contra o Central (obs: coincidentemente quem por ser o clube de maior identificação ao peronismo fora de Buenos Aires cedeu esse elevado número de ingressos). Um magro 1 a 0 que foi o fim da agonia.
Após o fim da fila o clube de tanta mística descobriu seu número cabalístico: passar a ser campeão nacional de 6 em 6 anos. Foi assim depois em 2001, 2007 e 2013. Sendo que em 2001 não somente foi campeão argentino no primeiro semestre como virando no ano ganhou um ensaio copero continental em dose dupla em 2002: a última Copa Mercosul e primeira Copa Sul-Americana.
Já para falar sobre o último ano da cabala citada é preciso também retomar o contexto mais amplo no ano anterior e no ano posterior. Em 2012 houve uma situação de paradoxos com o desespero de dentro de campo por quase ter caído e a euforia fora de campo pela volta oficial a Boedo (embora ainda pendente da volta de fato). Uma campanha em duas frentes, tanto pela via institucional elaborando um projeto de lei de reparação de patrimônio histórico quanto pela hinchada novamente “copando” com grandes marchas as principais avenidas para respaldarem essa iniciativa. Poucos anos depois o projeto foi aprovado no Congresso e evidente que a hinchada celebrou muito a volta à sua “terra prometida”. Uma esperança já há muito tempo presente em suas músicas de arquibancada. A maior mobilização “callejera” de hinchadas no século 21 só poderia ser de uma das mais peronistas. Por falar em hinchada, sua barra é a “Gloriosa Butteler” (aliada da Máfia Azul do Cruzeiro) e nos últimos anos foi uma das mais dinâmicas do mundo a lançar paródias de músicas pop como “Você partiu meu coração” de Nego do Borel e “Despacito” de Enrique Iglesias.
Voltando a dentro de campo, em uma época que o San Lorenzo vinha ficando conhecido pelo mundo por ter como torcedor famoso o Papa Francisco, foram equipe e hinchada quem realmente operaram milagres dentro de campo ano a ano: escapar de nova rebaixamento em 2012, título nacional em 2013 e finalmente a tão sonhada glória eterna da Libertadores em 2014. Deixando pelo caminho Cruzeiro e Grêmio e depois na final contra o Nacional-PAR. (Obs: evidente que assim o estoque de milagres e redenções se esgotou, pois não voltou mais a ser campeão e, pelo contrário, persiste atualmente mergulhado em profunda crise esportiva, financeira e até institucional).
Substantivo Masculino
01. Futebol
02. Jogo que se joga com os pés
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