Alfabetização política do Nordeste vira bastião da resistência democrática – UOL Confere

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM. No UOL, Reinaldo trata principalmente de política; envereda, quando necessário – e frequentemente é necessário -, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.
Colunista do UOL
08/10/2022 06h54
Bolsonaro e sua turma fingem estar furiosos com os números do Datafolha divulgados nesta sexta porque a reação é parte de uma estratégia. Eles precisam manter a sua tropa mobilizada contra o inimigo da hora: os institutos de pesquisa. E sabem que essa mobilização tem poder de irradiação: contamina também quem nem tem ideia do que seja um levantamento dessa natureza. O importante é vender a tese da conspiração. Ninguém pode negar que a tática tem sido eficiente, certo? Primeiro, a urna eletrônica; agora, os institutos. Assim, um cara que já deveria ter sido impichado e preso pode conquistar o segundo mandato, a impunidade e fabricar o caos, que já anuncia.
Há, pois, esse ataque alucinado, mas eles sabem que os números são compatíveis com o resultado do primeiro turno e que, de fato, não são ruins. Lula não se elegeu no domingo por apenas 1,57 ponto percentual mais um voto. Neste dia 8, todos sabemos, o resultado do dia 30 é incerto, embora o petista siga favorito. Era o risco que corria a democracia se houvesse um segundo turno — coisa que Ciro Gomes dizia ser parte dos delírios hegemonistas do PT. Como se nota, não é.

No Datafolha, o ex-presidente aparece com 49% dos votos totais, contra 44% de Bolsonaro. Indecisos são 2%; brancos e nulos, 6%. Nos válidos, pois, 53% a 47%. Foram entrevistadas 2.884 pessoas entre quarta e sexta (5 a 7). O Ipec divulgou o seu levantamento na quarta, ouvindo 2 mil pessoas entre os dias 3 e 5. Nesse caso, a diferença foi de 8 pontos: 51% a 43% para o petista. Brancos e nulos são 4%, e 2% não sabem. Nos válidos, 55% a 45%. Na quarta, foi a vez da Quaest. Ouviram-se 2.000 eleitores também entre 3 e 5, mesmo intervalo do Ipec: 48% a 41% para Lula, com 7% de indecisos e 4% de brancos e nulos. Nos válidos, 54% a 46%.
Como a margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, os três institutos tiveram o mesmo achado. E todos eles confirmam uma eleição bem mais apertada do que sugeriam levantamentos no primeiro turno. Obviamente houve uma onda pró-Bolsonaro na reta finalíssima da eleição. O que ganhou parece consolidado. A questão é saber se a onda parou ou não. A consolidação dá esperanças a Bolsonaro, que já se antevia na cadeia. Pode continuar a sonhar, e não será um sonho irrealista com ao menos mais quatro anos de impunidade. Caso vença, já está claro (e tratarei do assunto em outro texto), o traçado para a ditadura está definido: será pela “via democrática”, como quer Hamilton Mourão, o vice que se elegeu senador. Se vão conseguir, é outra conversa.
NÚMEROS GERAIS
Se formos considerar o número de votantes do primeiro turno e caso a abstenção se mantenha a mesma, cada ponto percentual corresponde a 1.236.823 votos. Por aí, vocês conseguem fazer algumas contas de multiplicação. A diferença entre os dois, nos válidos, é de 6 pontos em favor de Lula no Datafolha. Nos extremos da margem de erro, no entanto, ela pode ser de 2 ou de 10 pontos. No caso do Ipec, a distância é de 10 pró-Lula — nos extremos, de 6 ou de 14. Oito pontos os separam na Quaest — nos extremos, 4 ou 12. E há, ainda outros números possíveis no caso de um candidato estar num extremo da margem, e o outro, no centro da variação possível.

É claro que isso pira a cabeça dos pterodáctilos que resolveram sobrevoar com suas fezes de burrice os institutos — menos aqueles que lhes fazem as mesuras de olho em acordos presentes e futuros. O deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, está disposto até a pôr fim à liberdade de imprensa. Uma de suas propostas consiste em obrigar os veículos a publicar os números de todos os institutos que registram pesquisas no TSE, mesmo daqueles montados no fim de semana pelo tio do churrasco.
É menos frequente que um candidato esteja na margem negativa, e outro, na positiva, mas é possível, e isso não caracteriza erro. E também é certo que os levantamentos não têm como adivinhar movimentos de última hora do eleitorado, especialmente em tempos de redes sociais, que contribuem para elevar a volatilidade de opiniões na era das “fake news”. É uma campanha suja como nunca se viu.
Não só isso: há três meses já, o governo foi convertido numa máquina criminosa, atuando contra a Constituição, contra a Lei Eleitoral e contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. Bolsonaro conta com um Fundo Eleitoral sem fundo: o Orçamento.
OUTROS NÚMEROS
Voltemos ao ponto. O resultado não é ruim para Bolsonaro.

No Datafolha, Lula e Bolsonaro estão empatados no Sudeste, com o atual presidente numericamente à frente nos votos totais: 44% a 47%. Fala-se aqui de 43% do eleitorado. O ex-presidente liderou as intenções de voto na parte mais populosa do Brasil durante um bom tempo. Mas perdeu a vantagem. A onda em favor de Bolsonaro na reta final, especialmente em São Paulo e Rio, aproximou os dois candidatos no primeiro turno. O Nordeste (27% do total) faz a grande diferença em favor de Lula. Sua vantagem é esmagadora: 66% a 28% — o que levou o presidente, num dos rasgos habituais de ignorância e truculência, a associar seu mau desempenho ao analfabetismo na região. A Quaest encontrou 62% a 29% para o petista no Nordeste e empate em 44% no Sudeste.
Há outra aproximação relevante: na rejeição. No Datafolha, 51% dizem não votar em Bolsonaro; em Lula, 46%. No Ipec e Quaest, a distância é bem maior contra o atual presidente: 50% a 40% e 50% a 41%, respectivamente. Nesse caso, o número divergente está com o Datafolha e diz respeito à rejeição a Lula.
No segundo turno, a vantagem do petista sobre o atual mandatário não é mais esmagadora, como chegou a ser, na faixa dos que ganham até dois mínimos. Na pesquisa divulgada ontem, Bolsonaro perde por 54% a 37%. Na Quaest, por 56% a 34%. No Ipec, na faixa até um salário, Lula tem 64% contra 29%; na superior a um até dois, 55% a 41%.
AVALIAÇÃO DO GOVERNO
Costuma haver uma relação diretamente proporcional entre a avaliação que se faz do governo, a rejeição e a intenção de voto. Uma coisa induz a outra, não necessariamente nessa sequência.

Consideram o governo ruim ou péssimo no Datafolha 40% dos entrevistados, contra 37% que o veem como ótimo ou bom. No mesmo instituto, há uma semana, tinha-se 44% a 31%. Na Quaest, 38% a 35% (41% a 31% na semana passada). No Ipec, 42% a 35%. Dadas as margens de erro, todos encontraram a mesma coisa. E os três apontam uma melhora na avaliação. Em regra, deveria ser a qualidade do governo a induzir o voto. A onda pró-Bolsonaro do fim de semana pode ter feito o contrário. Esses dados certamente ajudam a compreender o encurtamento da distância eleitoral.
NÚMEROS BONS, MAS…
Ainda que continue distante, Bolsonaro nunca esteve tão perto de Lula no eleitorado mais pobre e entre as mulheres, o que demonstra que recebeu uma enxurrada de votos úteis. Agora que a escolha está entre A e B, também as rejeições se afunilam. Houve uma mudança significativa na avaliação do governo. Atenção agora para este dado.

Dizem aos Datafolha estar totalmente decididos 93% dos entrevistados; ao Ipec, 92%; à Quaest, 92% dos eleitores de Lula e 94% dos de Bolsonaro. Fosse assim mesmo e estando absolutamente certo qualquer um dos três institutos, Lula já poderia passar ao cerimonial suas medidas para ajustar a faixa.
Ocorre que eleitor “absolutamente decidido” pode “desdecidir”. Ainda há debates pela frente e mais 20 dias de horário eleitoral, além dos sortilégios das redes sociais. Poderosas máquinas estaduais entrarão em ação em favor de Bolsonaro justamente nos três maiores colégios do país: São Paulo, Minas e Rio. Aquele 1,57 ponto percentual (mais um voto) que faltou a Lula para vencer a eleição no primeiro turno pode render a reeleição de Bolsonaro e o início de uma profunda e duradoura crise institucional. Com o cargo sob ameaça, ele faz o que faz. Imaginem se conseguir o endosso das urnas, a despeito e por causa de atos governamentais criminosos…
ENCERRO
Que os eleitores de Lula e os militantes petistas tenham clareza: os números são, sim, bons para o ex-presidente, mas não são ruins para Bolsonaro, que conta com a máquina federal, com poderosas máquinas estaduais e com o caixa sem fundo do governo e seu ímpeto para crimes eleitorais.

Por enquanto ao menos, a alfabetização política dos nordestinos faz a diferença no esforço para preservar a democracia.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
Reinaldo Azevedo
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