ConJur – Thiago Gonçalves: Um ativista no STF para chamar de seu – Consultor Jurídico

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Por Thiago André Silva Gonçalves
O ativismo judicial sempre foi pauta de debate entre os estudiosos do Direito e da ciência política. No entanto, no Brasil, a questão vem assumindo novos contornos [1].
Assim sendo, em terra brasilis, é preciso situar o assunto, não se limitando a estudar o tema exclusivamente no âmbito doutrinário ou na prática judicial, mas, sim, dentro de um contexto político completamente polarizado.
Dito isso, importante ressaltar que obedecer a norma, democraticamente arquitetada, não autoriza o intérprete escolher o sentido que julga ser o mais apropriado. Todavia, esta configuração adjudica ao debate nacional assuntos peculiares, submergindo motes hermenêuticos específicos.
E mais: questões políticas específicas.
No dia de 7 de outubro, o vice-presidente e recém-eleito senador pelo Rio Grande do Sul, Hamilton Mourão (Republicanos), defendeu proposta de emenda à Constituição (PEC) para a ampliação do número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)[2].
Em entrevista à revista Veja, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, levantou novamente a hipótese [3]. Posteriormente, depois de repercussão negativa, o candidato à reeleição disse que pode descartar a hipótese, se o "STF baixar a temperatura" [4]. Já no dia 10 de outubro, Mourão alegou que não advogou em favor da ideia do aumento de ministros, mas em favor da tese de "mandato" [5].
O líder do governo na Câmara dos Deputados, o deputado federal Ricardo Barros (PP), disse à GloboNews que a proposta seria uma "necessidade de enquadramento de um ativismo do Judiciário".
No ano de 2021, deputados aliados do presidente da República reviveram a Proposta de Emenda Constitucional nº 275/2013 — deputada Luiza Erundina (Psol) —, que prevê aumentar de 11 para 15 o número de ministros do STF. A principal justificativa, por parte do governo, para o aumento da quantidade de ministros é "combater o ativismo judicial".
A despeito de importantes juristas entenderem pela inconstitucionalidade de qualquer proposta neste sentido [6], do ponto de vista da normatividade da Constituição, entendemos que eventual PEC para o aumento do número de ministros, per si, não é inconstitucional.
Isso porque não há cláusula pétrea para que o Supremo Tribunal Federal seja composto (eternamente) com o número de onze ministros (artigo 103 da CF). O artigo 60, inciso IV, assegura que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir "a separação dos Poderes".
Desse modo, para avaliar se o aumento do número de ministros poderá desnaturar a separação de poderes, é fundamental aferir a configuração (prognose) da proposta legislativa [7], isto é, o aumento, por si só, pode configurar uma espécie de ofensa ao sistema freio de e contrapesos?
Entendemos que não, uma vez que no plano da normatividade, eventual emenda à Constituição nesta matéria, a priori, não pode ser compreendida como inconstitucional.
Do mesmo modo que relacionar, de forma automática, o aumento da quantidade de ministros as ideologias autoritárias, pode ser um tiro no escuro.
Notem que, atualmente, deputados aliados ao governo federal ressuscitaram a PEC de autoria de Erundina, esta, por sua vez, ligada ao pensamento progressista. Em contrapartida, a ex-prefeita de São Paulo afirmou que "como é uma proposta minha, parlamentar da oposição, antibolsonarista, certamente vão desvirtuá-la e usá-la para algum propósito antidemocrático como se eu a estivesse corroborando" [8].
De seu turno, vários articulistas relacionaram as falas de Hamilton Mourão aos fatos que ocorreram na Venezuela. Não é preciso, todavia, caminhar até lá, basta abrir os olhos para nossa própria história.
Primeiramente, cabe pontuar, que nas eleições de 2018, Bolsonaro já mencionava aumentar o número de ministro para vinte e um, com a justificativa de "botar dez isentos lá dentro. Porque da forma como eles têm decidido as questões nacionais, nós realmente não podemos sequer sonhar em mudar o destino do Brasil (…)" [9].
A medida, em certo ponto, rememora as estratégias políticas utilizadas por líderes autoritários, como ocorreu, por exemplo, durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).
Isso porque, o Ato Institucional nº 2, de 1965, acrescentou de onze para dezesseis o número de ministros da Suprema Corte, como estratégia de diluir o poder que outros ministros, indicados em períodos advindos, tinham dentro da corte.
Celso de Mello (2022), ministro aposentado e ex-presidente do STF, em publicação sobre o tema, recordou também o episódio após a Revolução de 1930 [10].
Na ocasião, durante o período de exceção conduzido pelo Decreto nº 19.398, de 11/11/1930 (Constituição Provisória), Getúlio Vargas, investido de poderes absolutos, alterou o número de ministros do STF (eram 15 sob a Constituição Federal de 1891), reduzindo-o a 11 (Decreto nº 19.656, de 03/02/1931).
Ao final, o presidente Vargas determinou a aposentadoria de outros ministros (MELLO. 2022). Contudo, o fenômeno também já aconteceu em democracias consolidadas, a exemplo dos Estados Unidos.
O presidente Franklin Delano Roosevelt, no ano de 1937, por meio de "The Judicial Procedures Reform Bill of 1937" tentou aumentar os números de ministros da Suprema Corta americana. O Senado não aprovou a medida. A razão para o aumento foi justamente o fato de a Corte Suprema estar julgando inúmeros atos do presidente Roosevelt inconstitucionais (MELLO. 2022)
Embora esta postura seja recorrente em estados autoritários, associar, de modo instintivo, aos regimes totalitários, pode suscitar equívocos. Não obstante, também não se pode igualmente transplantar fatos ocorridos em democracias consolidadas ao período político tortuoso vivenciado atualmente no Brasil.
Em nosso sentir, a proposta — caso retome a pauta e ocorra a reeleição do presidente da República — precisa ser avaliada, dentro da conjuntura atual, já que a Constituição necessita ser entendida e estudada no contexto da política (BERCOVICI. 2004, p. 24) [11].

Desta forma, não é possível avaliar a proposição legislativa sem levar em conta os ideários do atual presidente da República e os seus embates com o STF. É dizer, a PEC para aumentar o número de ministros deve necessariamente transpassar o ambiente político que a ampare.

Durante o atual mandato presidencial ocorreram inúmeros conflitos, chegando ao ponto de o presidente da República, na avenida Paulista, afirmar que não cumpriria mais nenhuma decisão do ministro Alexandre de Moares, com os seguintes dizeres: "Deixe de oprimir o povo brasileiro. Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Dizer a vocês que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá" [12].

Sem adentrar especificamente nas disparidades do termo "ativismo judicial" e seu alcance dogmático [13], em verdade, com base no contexto político envolvendo o presidente da República, não há uma tentativa de amezinhar os efeitos prejudiciais causados pela prática ativista à democracia brasileira.

De nossa parte, julgamos que o presidente da República quer um "ativista judicial para chamar de seu", tendo como base uma espécie de constitucionalismo abusivo [14]. Ou como cantou a banda Los Hermanos na canção Sentimental: "(..) eu só aceito a condição de ter você só pra mim".

À vista disso, o "ativismo judicial" passa a ser utilizado como discurso político para combater quaisquer decisões, em especial da Suprema Corte, em relação às pautas que contraíram os interesses ideológicos do governo.

Sendo assim, indaga-se: se os julgamentos do STF fossem favoráveis aos interesses ideológicos do governo federal, ainda que diametralmente contrário ao que determina a Constituição da República, buscar-se-ia o aumento do número de ministros?

Com a pretensa intenção de criticar certas decisões judiciais, determinados grupos se utilizam do termo "ativismo judicial" de forma altamente retórica.

Por conseguinte, o assunto ostenta um viés extremamente ideológico e de difícil controle, já que o "ativismo judicial" acabou se popularizando no debate público.

Sendo uma obviedade afirmar que, no caso brasileiro, definitivamente, não se combate o ativismo aumentando o número de ministros no Supremo.

Por oportuno, as proposições legislativas deveriam se debruçar sobre outras temáticas, como por exemplo, os excessos cometidos por ministros em decisões liminares monocráticas, o controle (político) do que é ou não pautado na Suprema Corte, a chamada "fulanização" de alguns julgamentos, configurações procedimentais no controle concentrado de constitucionalidade, entre outros assuntos [15].

Se, com o escopo de criticar o Supremo, o indivíduo — em especial, o agente público — utiliza-se do álibi de ser contra o "ativismo judicial", mas acaba por abraçar o autoritarismo, apoiando ou conclamando discursos de fechamento da Suprema Corte, a questão se deprava, revelando apenas o caráter embusteiro do discurso.

Consequentemente, a pauta, parafraseando Carl Schmitt [16], parte para a ocasião em que o governo "suspende" a Suprema Corte, para apenas fazer jus à sua autoconservação, seja ela política ou ideológica.

Ante o exposto, é preciso se afastar de discursos hiperbólicos que invocam o termo "ditadura do judiciário", notadamente quando tais discursos vêm andam de mãos dadas com o autoritarismo.

Por outro lado, não se deve romantizar certas posturas do STF, que em muitos casos, sob o manto da proteção de direitos fundamentas ou de guardião da Constituição, avança no controle de constitucionalidade, em afronta as escolhas legislativas e opções políticas do Congresso.

Aristóteles (1987, p. 50) assegurou: "A virtude irá consistir no 'meio termo' (ou na 'justa medida') entre dois extremos" [17].

Em situações de normalidade, a citação de Aristóteles se adequaria perfeitamente. Entretanto, o Brasil imprime o desafio da virtude, em um cenário de ferocidade política e social, ou como disse Mefistófeles (Goethe. 2006, p. 375): "A gente como nós ama a virtude; mas, uma vez por outra, lá se alembra, de cobiçar o alheio, e andar à tuna" [18].
[1] Georges Abboud, em seu mais recente livro (Ativismo Judicial: os perigos de se transformar o STF em inimigo ficcional. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2022), aborda a questão do perigo de se retirar o STF como último "arbitro das questões políticas" (2022, p. 235), sob o pretexto de combater o ativismo judicial.
[2] Neste sentido: https://www.conjur.com.br/2022-out-07/mourao-bolsonaro-defendem-aumento-ministros-supremo.
[3] Neste sentido: https://veja.abril.com.br/politica/em-video-a-entrevista-exclusiva-de-jair-bolsonaro-a-veja/.
[4] Neste sentido: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2022/10/10/mourao-ministros-mandato-stf.ghtml.
[5] Neste sentido: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2022/10/10/mourao-ministros-mandato-stf.ghtml
[6] Neste sentido: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/plano-cogitado-por-bolsonaro-para-mudar-stf-pode-esbarrar-em-clausula-petrea-da-constituicao.shtml e https://www.poder360.com.br/opiniao/aumento-do-numero-de-ministros-do-stf-e-golpe/.
[7] A PEC nº 257 apresentou a seguinte justificativa: "A fim de corrigir esses graves defeitos no funcionamento do Supremo Tribunal Federal, a presente proposta determina a sua transformação em uma autêntica Corte Constitucional, com ampliação do número de seus membros e redução de sua competência. A nova Corte seria, assim, composta de 15 (quinze) Ministros, nomeados pelo Presidente do Congresso Nacional, após aprovação de seus nomes pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a partir de listas tríplices de candidatos oriundos da magistratura, do Ministério Público e da advocacia. Tais listas seriam elaboradas, respectivamente, pelo Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Transitoriamente, os atuais Ministros do Supremo Tribunal Federal passariam a compor a Corte Constitucional, com o acréscimo de mais quatro novos membros, nomeados como acima indicado. O novo sistema de nomeação tornaria muito difícil, senão impossível, exercer com êxito alguma pressão em favor de determinada candidatura; além de estabelecer, já de início, uma seleção de candidatos segundo um presumível saber jurídico. A competência da Corte Constitucional seria limitada às causas que dissessem respeito diretamente à interpretação e aplicação da Lei Maior, transferindo-se todas as demais à competência do Superior Tribunal de Justiça. Foram introduzidas duas alterações no processo das demandas de competência da Corte Constitucional, em relação ao direito atualmente em vigor. Assim é que, nas ações de inconstitucionalidade impetradas perante a Corte Constitucional, o Advogado-Geral da União deixa de ser ouvido obrigatoriamente, pois as questões aí examinadas não são, necessariamente, de interesse da União Federal de modo específico. Por outro lado, o recurso extraordinário passaria a ser admissível tão-só após decisão tomada por um tribunal superior. De acordo com a proposta, o Superior Tribunal de Justiça teria uma composição semelhante à da Corte Constitucional, mas contaria doravante com um mínimo de 60 Ministros; ou seja, quase o dobro do fixado atualmente na Constituição. Os atuais Ministros do Superior Tribunal de Justiça seriam mantidos, providenciando-se a nomeação dos futuros Ministros na forma do disposto no art. 104 da Constituição Federal, com a nova redação constante desta proposta" (PEC N. 257. BRASIL. 2013, p. 06). Sem grifos no original.
[8] Neste sentido: https://veja.abril.com.br/politica/deputados-bolsonaristas-desarquivam-pl-que-amplia-no-de-ministros-do-stf/.
[9]Neste sentido: ConJur – Bolsonaro quer 21 ministros no STF e excludente de ilicitude para policial.
[10] Neste sentido: https://www.conjur.com.br/2022-out-10/celso-mello-aumentar-numero-ministros-stf-ideia-mentes-autoritarias
[11] BERCOVICI. Gilberto. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova, São Paulo, nº 61, p. 5-24, 2004.
[12] Bolsonaro nega intenção de atacar STF e diz que falou 'no calor do momento' no 7 de setembro. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58509792.
[13] Para analisar perspectivas distintas sobre o mesmo tema verificar: TORRANO. Bruno. DEMOCRACIA E RESPEITO À LEI ENTRE POSITIVISMO JURÍDICO, PÓS-POSITIVISMO E PRAGMATISMO. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum. 2018, pgs. 282 e seguintes e TASSINARI. Clarissa. Judicialização e Ativismo Judicial: limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2013.
[14] BARBOZA. Estefânia Maria Queiroz. FILHO. Ilton Norberto Robl. CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO: FUNDAMENTOS TEÓRICOS E ANÁLISE DA SUA UTILIZAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO. Direitos Fundamentais & Justiça | Belo Horizonte, ano 12, nº 39, p. 79-97, jul./dez. 2018.
[15] LUNARDI. Fabrício Castagna. O STF na política e a política no STF. São Paulo: Saraiva. 2020.
[16] SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey. 2006.
[17] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de L. Vallandro e G. Bornhein da versão inglesa de W. D. Ross. São Paulo, Abril, 1987. (Coleção Os Pensadores)
[18] GOETHE. Johann Wolfgang Von. Fausto. São Paulo: Martin Claret. 2006.
 é mestrando em Direitos Humanos na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e analista jurídico do Ministério Público de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2022, 19h14
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