Quase 90% dos títulos de terras concedidos por Bolsonaro são apenas provisórios – CartaCapital

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Números do próprio governo federal desmentem a campanha do ex-capitão; caso foi batizado de ‘titulação fake’ pelo MST
Ao longo da campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem propagandeado a entrega de 420 mil títulos de terras como uma das políticas de maior sucesso de seu governo. O número, entretanto, está superdimensionado – e, quando é alardeado pelo ex-capitão, não vem acompanhado de uma informação relevante: a maior parte dos títulos entregues não são definitivos e se tratam apenas de renovação de documentações provisórias.
Os dados que mostram o superdimensionamento dos números usados na campanha de Bolsonaro são do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra), contabilizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ligado ao governo federal. Segundo o órgão, ao contrário do que diz Bolsonaro, em toda sua gestão não foram entregues 420 mil títulos como parte do programa ‘Titula Brasil’, mas sim 37 mil –ou 50 mil a menos do que alardeia o ex-capitão.
Questionado por CartaCapital sobre a discrepância nos dados, o Ministério da Agricultura direcionou o contato ao Incra, que não respondeu até o fechamento desta reportagem.
É importante ressaltar ainda que a maior parte destes 370 mil documentos entregues por Bolsonaro, de acordo com os dados do instituto, são concessões provisórias de terras. Tratam-se dos chamados Contrato de Concessão de Uso (CCU), que são obrigatoriamente expedidos de 5 em 5 anos em uma atualização das famílias que já estão registradas como beneficiárias da Reforma Agrária em governos anteriores.
Na maior parte, portanto, os títulos entregues por Bolsonaro se tratam apenas de renovações de documentos já expedidos em outras gestões, no cumprimento de uma lei de 1993. Ao todo, no governo Bolsonaro, são 326.745 concessões deste modelo. Destas, apenas 9 mil famílias teriam alcançado o benefício com o atual governo.
Um texto em destaque no site do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) explica que o CCU não dá a posse dos terrenos ao assentado em caráter definitivo. Segundo a explicação, ele seria uma espécie de RG de assentado, com valor administrativo, mas sem valor cartorial. O item comprova apenas um vínculo daquela família com a política de reforma agrária com o Incra. É um dos primeiros passos para que, no futuro, aquela terra seja repassada definitivamente às famílias.
O que Bolsonaro estaria fazendo, segundo o movimento, é uma ‘clara distorção dos fatos’. “Na realidade, Bolsonaro não está nem conseguindo fazer entrega de título de domínio. Por quê? Ele faz fake news em cima disso. Dos títulos entregues de reforma agrária em todo o país, só 12% são títulos definitivos. O resto é contrato de concessão de uso, obrigação básica do Incra”, denuncia Kelli Mafort, coordenadora nacional do MST no documento que tornou os dados públicos.
As titulações provisórias, alertam ainda, estão sendo feitas driblando a Constituição, sem fazer desapropriações de terras para a Reforma Agrária e sem a criação de novos assentamentos. O que Bolsonaro tem feito, na prática, é apenas usar os assentamentos já criados nos governos petistas, destaca o MST.
Há casos em que o assentado não está sendo informado corretamente sobre o documento que recebe e descobre que não tem a posse definitiva do seu terreno apenas quando chega em cartório. CartaCapital também questionou, pelos mesmos canais, o governo federal sobre a falta da informação adequada nas entregas dos CCUs, mas, novamente, não obteve resposta.
As 43.258 titulações definitivas expedidas na atual gestão também são questionadas pelo movimento. Isso porque a maioria esmagadora não é expedida de forma gratuita – o que, segundo o MT, abre espaços para que ruralistas atuem em uma espécie de contra-reforma agrária. O modelo pode acabar, paradoxalmente, por ampliar a concentração de terras.
Ao todo, cerca de 41 mil títulos entregues pelo governo Bolsonaro são do modelo TD – Títulos de Domínio. Isso significa que o assentado deve pagar por aquele lote e, seis meses após a quitação, está autorizado a vender este terreno.
Diante do baixíssimo investimento em assentamentos e agricultura familiar, o modelo faz com que muitas das famílias se vejam obrigadas a se desfazer da terra assim que possível. O principal motivo é o endividamento, que força o pequeno agricultor a vender seu terreno ou tomar empréstimos com os quais não poderá arcar e que contam com o lote como garantia. O segundo é a especulação dos ruralistas, que compram os lotes não apenas para concentrar mais terras, mas também para fortalecer um discurso político-ideológico contra o MST.
“Com este modelo, ruralistas e liberais sustentam a ideia de que ‘não adianta entregar terra aos pobres, porque logo depois eles vendem e vão para a cidade’”, destaca a coordenação do movimento.
Na atual gestão, apenas 2,5 mil títulos foram feitos pelo modelo CDRU – Contrato de Direito Real de Uso, gratuito e que não permite a venda das terras, que ficam na posse daquela família sendo repassada como herança através de gerações. O modelo evita que as terras divididas entre os assentados voltem a ser concentradas na mão de uma única pessoa, já que não há dívidas a serem quitadas.
Na prática, um assentado pode escolher qual modelo prefere ao receber a posse definitiva das suas terras. Na atual gestão, porém, as denúncias dão conta de que os assentados não estariam sendo informados sobre essa possibilidade ou recebem incentivos para que o TD seja a opção assinalada.
O próprio Bolsonaro dá indícios de que essa pressão ocorre ao propagandear sua política. Ele costuma dizer que privilegia a entrega dos documentos na mão das mulheres para impedir que os homens negociem as terras. Da afirmação, subentende-se que o modelo privilegiado é, de fato, o que o lote pode ser passado adiante. Consultado pela reportagem sobre este incentivo ao TD, o governo federal não comentou.
Getulio Xavier
Repórter do site de CartaCapital
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