Proposta de ampliar membros do STF imita países autocráticos, como Venezuela e Hungria – JOTA

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Eleições 2022
Ideia daria a Bolsonaro o poder de ‘agir com impunidade’, como descrito na obra Como as Democracias Morrem
Uma das ideias que circulam entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), caso seja reeleito, é a de expandir o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), órgão com o qual coleciona confrontos desde que assumiu o posto, em 2019. O próprio mandatário admitiu a possibilidade em recente entrevista à revista Veja.
A tática não é inédita no mundo. Há exemplos semelhantes tanto em países que Bolsonaro critica, como a Venezuela, quanto em países dos quais tenta se aproximar, como a Polônia e a Hungria. Em comum, estes governos minaram o Poder Judiciário independente com o objetivo de deixar o caminho livre para governantes, como o venezuelano Nicolás Maduro e o húngaro Viktor Orbán, que centralizarem poder sem qualquer tipo de constrangimento legal.
“Eu acho que o Supremo exerce um ativismo judicial que é ruim para o Brasil todo. Nós temos aqui uma pessoa dentro do Supremo que tem todos os sintomas de um ditador”, afirmou Bolsonaro durante a entrevista para a revista Veja. Ele se referia ao ministro Alexandre de Moraes. Bolsonaro disse que vai avaliar a proposta depois das eleições, mas que tudo depende de “o Supremo baixar um pouco a temperatura”.
O STF é composto por 11 ministros, sendo que dois deles foram indicados por Bolsonaro. Caso ele governe por mais quatro anos, terá a prerrogativa de indicar pelo menos outros dois nos próximos 4 anos, em razão da aposentadoria, em 2023, de Ricardo Lewandowski e de Rosa Weber.
Assim, se Bolsonaro for eleito e a proposta de aumentar para 15 o número de magistrados se concretizar, o atual presidente terá o direito de indicar, além destes dois, outros quatro para completar o número. Ele somaria então oito indicados no Supremo, maioria do colegiado.
“O número em si não é o relevante, mas a proposta é feita em tom de ameaça. Essas atitudes do presidente precisam ser interpretadas como um ataque às instituições democráticas brasileiras”, analisa a advogada Elaini Silva, doutora em Direito Internacional e pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
Embora tenha voltado atrás na proposta durante o debate presidencial da Band, o assunto segue no radar – afinal, não é de hoje que o presidente e seus aliados avançam contra o Judiciário, na tentativa de intervir sobre a atuação do Supremo. Também no início de outubro, o vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS) endossou a proposta dizendo que o Judiciário estaria “rasgando aquilo que é o processo legal”.
Em 2018, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o filho do presidente, afirmou que, para fechar o STF, bastaria mandar apenas “um soldado e um cabo”. No ano passado, o mandatário afirmou durante o ato de 7 de Setembro disse publicamente que não obedeceria nenhuma decisão do Supremo.
Aliados de Bolsonaro também passaram a discutir uma PEC no Congresso para diminuir de 75 para 70 anos a idade de aposentadoria compulsória de ministros do Supremo. Isso representaria a revogação da PEC da Bengala. Aprovada em 2015 por iniciativa do Congresso, a medida aumentou de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria como forma de impedir que a então presidente Dilma Rousseff (PT) indicasse mais nomes para a Corte.
A advogada e pesquisadora afirma que, num primeiro momento, quem tem mais a perder com uma eventual intervenção sobre a composição do Supremo são grupos políticos alvo do presidente e seus aliados, como as minorias e as populações mais pobres. “Contudo, a qualidade da democracia brasileira como um todo será questionada pela comunidade internacional e por parceiros estrangeiros, o que gera aumento da insegurança e imprevisibilidade e pode ter efeitos negativos em investimento estrangeiro”, prevê.
A tática de aumentar o número de magistrados do Supremo está associada a “autoritários potenciais”, afirmam os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Zillatt, autores do livro “Como as Democracias Morrem” (ed. Zahar, 2018). Enquanto são independentes, as Supremas Cortes “têm a capacidade de denunciar e punir abusos governamentais”. Mas, “se controladas por sectários, essas instituições podem servir aos objetivos do aspirante a ditador, protegendo o governo de investigações e processos criminais que possam levar ao seu afastamento do poder”, demonstra a dupla de autores.
Assim, um “presidente pode infringir a lei, ameaçar direitos civis e até violar a Constituição sem ter que se preocupar com a possibilidade de tais abusos serem investigados ou censurados; podem agir com impunidade”.
No Brasil, limites da democracia estão sendo testados à exemplo de medidas que já foram adotadas em outros países, afirma Silva, que cita a Venezuela do presidente Hugo Chávez. Em 2004, tendo uma maioria chavista no Parlamento, ele conseguiu aumentar de 20 para 32 o número de membros da Suprema Corte do país. Com isso, garantiu maioria de votos em caso suas medidas fossem julgadas. “Esta medida foi duramente criticada como um ataque ao regime democrático venezuelano e se mostrou um instrumento político importante para a manutenção do regime”.
Entenda abaixo o que aconteceu em países que tentaram “domesticar” o Supremo — inclusive o Brasil, durante a Ditadura Militar:
Durante a Ditadura Militar (1964-1985), os generais aumentaram o número de cadeiras do Supremo ao publicar o Ato Institucional 2, em 1965 — o mesmo decreto que extinguiu os partidos e permitiu apenas duas legendas: Arena e MDB. A medida fez crescer a Corte de 11 para 16 ministros, garantindo que a maioria deles fossem ligados às forças armadas.
Essa formação durou até 1969, período em que três ministros do STF considerados de esquerda pelos militares foram aposentados forçadamente: Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva.
A história deste período é contada no livro “Tanques e Togas – O STF e a Ditadura Militar” (Companhia das Letras), de Felipe Recondo, diretor de conteúdo do JOTAUm texto de 2010 publicado no site do Supremo afirma o seguinte sobre o período: “O Supremo permaneceu aberto, mas sob a extrema ingerência dos militares”. A maior delas foi a proibição de julgar habeas corpus pedido por autores de crimes políticos ou contrários à segurança nacional. “Com isso, podia-se encobrir todas as violências do regime, institucionais ou mesmo físicas”.
Durante 130 anos, o Poder Judiciário da Argentina foi composto por 5 membros, mas esse número quase dobrou em 1990, por decisão do governo de Carlos Menem. A intenção era garantir decisões favoráveis aos polêmicos processos de privatização que ele liderou enquanto foi presidente do país (de 1989 a 1999).
Enquanto a Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina funcionou com nove membros, foi dominada pela chamada “maioria automática” aliada a Menem e criticada por sempre decidir a favor dos interesses do governo.
Essa formação seguiu apenas até 2006, quando uma decisão do então presidente Néstor Kirchner destituiu, por meio de um julgamento político, os ministros que formavam a maioria automática e fez com que a Corte voltasse a operar com apenas 5 membros.
Na virada dos anos 1990 para os anos 2000, o então presidente Hugo Chávez fez diversas tentativas de aparelhar a Suprema Corte para torná-la mais amigável ao governo, que foi ficando cada vez autoritário: dissolveu o Judiciário, que foi substituído por um novo Tribunal Supremo de Justiça, e mais tarde explodiu de 20 para 32 o número de ministros, colocando nestes novos postos os chamados revolucionários, aliados às ideias de Chávez
“Isso produziu o efeito desejado. Ao longo dos nove anos seguintes, nem sequer uma única decisão do Tribunal Supremo foi contra o governo”, contam os autores de “Como as Democracias Morrem”.
Na Hungria, em 2011, o primeiro-ministro Viktor Orbán fez exatamente a mesma alteração no Supremo estudada por Bolsonaro no Brasil: aumentou de 11 para 15 o número de magistrados, ao empossar aliados partidários apenas um ano depois de voltar ao poder, em 2010.
Outra semelhança entre o cenário brasileiro e húngaro é que, naquele período, outra intervenção do Executivo sobre o Judiciário foi a redução da idade da aposentadoria compulsória dos ministros, de 70 para 62.
Quando voltou ao poder na Polônia, em 2015, o ultranacionalista Partido da Lei e da Justiça –que já tinha sido impedido de tomar decisões autocráticas pelo Tribunal Constitucional alguns anos antes, durante seu primeiro governo– decidiu intervir no Poder Judiciário para garantir que juízes não apresentassem mais obstáculos neste segundo mandato.
Naquele ano, o Supremo polonês, que deveria ter 15 membros, estava com duas vagas alertas e tinha magistrados já indicados pelo Parlamento, mas que ainda não haviam prestado juramento. O governo, no entanto, recusou o juramento dos magistrados e impôs a posse de cinco novos juízes no colegiado.
Na sequência, aprovou uma lei exigindo que todas as decisões obrigatórias do Tribunal Constitucional tivessem maioria de dois terços — isso garantiu ao governo um poder de veto no tribunal, impedindo que o Judiciário exercesse o papel de intervir em decisões inconstitucionais do Executivo.
O exemplo mais recente de desmonte do Judiciário é El Salvador: no ano passado, ao conquistar maioria no Legislativo, o partido do presidente Nayib Bukele destituiu por lei os cinco ministros que compunham a Sala Constitucional — nome da Suprema Corte do país — sob a justificativa de que eles interferiram nas decisões do governo.
Os parlamentares governistas também conseguiram votar pela substituição do procurador-geral da República, responsável por investigar ações do presidente.
Tanto os ministros quanto o procurador foram substituídos por nomes amigáveis ao presidente.
Mariana Gonzalez – Repórter freelancer
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