Corrupção, prevenção e desigualdade – Diário do Poder

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PARTE I – O SENTIDO COLOQUIAL DE CORRUPÇÃO
Nesta série de textos abordarei, de forma sucinta, vários temas relacionados com um dos mais relevantes problemas da realidade brasileira: a corrupção sistêmica. Não é o maior dos nossos problemas (a extrema desigualdade socioeconômica ocupa esse posto). Também não é momentâneo ou transitório (está presente em todos os governos, sem exceção, desde que Cabral chegou por aqui). Não está circunscrito a um partido ou grupamento político (manifesta-se de forma ampla no espectro político-partidário). Não está presente somente no espaço público (a corrupção na seara privada é igualmente significativa). Não será extinta ou reduzida a níveis mínimos com cruzadas morais ou foco exclusivo na repressão (será preciso uma ação planejada, organizada e institucional em torno de uma série de medidas preventivas). Não obstante esses traços característicos, tenho uma forte convicção. A construção de uma sociedade democrática, justa, solidária e sustentável, centrada na dignidade da pessoa humana em suas múltiplas facetas e manifestações, exige um combate firme, consistente e eficiente a essa relevantíssima mazela do perverso cenário tupiniquim.
O uso coloquial, sem rigor técnico, do vocábulo corrupção estende o conceito de forma tão ampla que abarca praticamente todos os tipos de malversações com a coisa pública, incluindo a corrupção propriamente dita, a improbidade administrativa e toda e qualquer conduta em que alguém obtém alguma vantagem, pecuniária ou não, de forma ilícita ou indevida. São figuras com nomenclaturas jurídicas diversas e tratamentos legais específicos.

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O termo corrupção possui um sentido técnico-jurídico bem delineado. Segundo o art. 317 do Código Penal caracteriza-se como corrupção passiva: “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
O crime de corrupção passiva é realizado só, e somente só, pelo funcionário público. Essa expressão é tomada em sentido amplo. Nos termos do art. 327 do mesmo Código Penal, “considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.
Eis um exemplo hipotético para ilustrar as previsões legais genéricas e abstratas (como deve mesmo ser formulada a lei). O servidor público X pede, ao dirigente de uma certa empresa, uma determinada quantia em dinheiro (“propina”) para atestar a regularidade da prestação de um serviço contratado quando ele efetivamente não foi realizado.

Por outro lado, a corrupção ativa, conforme o art. 333 do Código Penal, figura entre os crimes praticados por particular contra a Administração Pública quando alguém “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.
O art. 316 do Código Penal prevê um crime similar ao de corrupção passiva. Trata-se da concussão. A corrupção passiva comporta as ações de solicitar, receber ou aceitar uma vantagem indevida. Já a concussão importa em “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”.
Uma das infrações administrativo-disciplinares previstas na Lei n. 8.112, de 1990, é o chamado “valimento do cargo público”. Segundo o art. 117, inciso IX, do diploma legal que trata do regime jurídico dos servidores públicos federais, é proibido “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”. A violação desse dever enseja a aplicação da punição de demissão. É possível afirmar, em certo sentido, que o ilícito de “valimento do cargo” corresponde ao “tipo” penal da corrupção na órbita de responsabilização disciplinar. Entretanto, é importante destacar que essa infração é bem mais ampla que a corrupção.   Afinal, no valimento, não existe a necessidade de solicitar ou exigir de alguém algum proveito indevido. A caracterização da ilicitude pode se dar somente com a prática de atos administrativo que geram prejuízos para a Administração Pública e vantagens para o servidor.

Além dos crimes e das infrações disciplinares, merecem destaque os ilícitos identificados como improbidades administrativas. Previstos no art. 37, parágrafo quarto, da Constituição, estão elencados majoritariamente nos arts. 9o, 10 e 11 da Lei n. 8.429, de 1992, com a redação dada pela Lei n. 14.230, de 2021. Reclamando a presença de dolo específico (art. 1o, parágrafos primeiro a terceiro), um entre os inúmeros retrocessos efetivados pelas modificações de 2021, podem ser arrolados os seguintes exemplos de atos ímprobos: a) adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, decorrentes dos atos descritos no caput deste artigo, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, assegurada a demonstração pelo agente da licitude da origem dessa evolução; b) facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades públicas e c) deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades.

Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e procurador da Fazenda Nacional.

Poder, política e bastidores, sem perder o bom humor. Desde 1998.

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