Lula sepultará alianças de Bolsonaro e reposicionará Brasil no mundo – UOL Confere

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Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.
Colunista do UOL
07/11/2022 04h00
Sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil desenhará uma nova geografia de alianças internacionais. Em temas como clima, direitos humanos e integração, os responsáveis pela nova política externa já preparam para uma transformação radical da inserção internacional do Brasil, sepultando algumas das principais iniciativas da extrema direita.
Um dos anúncios mais esperados deve ser a criação de um bloco com Indonésia e República Democrática do Congo, para fortalecer a defesa das florestas. Juntos, os três países contam com 52% das florestas tropicais primárias do mundo. A meta será a de mostrar compromisso com a luta contra o desmatamento, mas também pressionar para que haja uma contrapartida dos países ricos. Não se exclui a possibilidade de que outros governos se unam à iniciativa, o que na prática distanciaria o Brasil de um bloco de países reticentes a lidar com temas ambientais.

Ao mostrar uma nova aliança, o que o governo Lula faz ainda é se credenciar para o debate internacional e buscar retomar o protagonismo do Brasil em outras áreas. A avaliação entre os formuladores da política externa, porém, é que será com a questão da floresta que o país pode recuperar espaço de credibilidade. A aliança com os demais emergentes, portanto, seria um instrumento nesta direção.
Outra iniciativa deve ser ainda a costura de uma nova relação com a América Latina, inclusive em temas de preservação do meio ambiente. Gustavo Petro, presidente da Colômbia, chegou a acenar para a possibilidade de que um encontro com Lula ocorra nos próximos dias, durante a escala que ambos fariam em Cabo Verde até chegar na Cúpula do Clima, no Egito.
Na prática, o Brasil retoma da ideia da Unasul e enterra de vez iniciativas estabelecidas por governos de direita na reunião e que eram vistas como plataformas para fazer avançar projetos de Donald Trump.
Também fica enterrado qualquer sinal de uma eventual retomada do Grupo de Lima, aliança que se estabeleceu na região como forma de pressionar o regime de Nicolas Maduro, na Venezuela. O bloco já havia entrado em colapso com a vitória de outros governos progressistas na região. Mas o fim da gestão Bolsonaro representa, segundo diplomatas, seu último prego no caixão.
O Brasil ainda deve sair da aliança ultraconservadora que, nos últimos anos, tentou modificar a agendar internacional de direitos humanos e propor restrições em questões de direitos reprodutivos e sexuais.

A iniciativa seguirá o mesmo caminho adotado pelo governo de Gustavo Petro que, ao assumir a presidência da Colômbia, abandonou o grupo. Joe Biden, em seu primeiro dia de governo, também anunciou a saída imediata dos EUA da aliança.

A aliança foi costurada pelos governos de Donald Trump e de Jair Bolsonaro, com a então ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, e o então chanceler Ernesto Araújo no comando. A meta do grupo – que ganhou o nome de Consenso de Genebra – era o de impedir e até verter qualquer referência em organismos internacionais a temas sobre direitos reprodutivos e acesso à saúde sexual para meninas e mulheres.

Oficialmente, o objetivo era o de lutar contra uma suposta agenda dos organismos internacionais de promover o aborto. Em entidades como a OMS e outras agências da ONU, a insistência não é pelo aborto, mas por uma defesa da vida das mulheres, a descriminalização dos atos e o respeito pelas constituições nacionais.

A aliança, porém, reuniu governos com péssimos resultados em termos de defesa das mulheres, incluindo Arábia Saudita e Bahrein. O bloco ainda conta com governos de extrema direita da Hungria e da Polônia.
Derrotados nas urnas, membros do governo de Donald Trump mantiveram o ativismo para preservar a existência do grupo. Valerie Huber, subsecretaria para Assuntos de Família, passou a ser uma figura constante em debates entre partidos e movimentos de extrema direita pelo mundo.
Antes de deixar o cargo, porém, ela enviou um e-mail a apoiadores em todo o mundo para pedir que a agenda não fosse abandonada e recomendou que todos entrassem em contato com a embaixada do Brasil em Washington, que serviria como ponto focal da aliança.
Não por acaso, a notícia sobre uma possível saída do Brasil deixou membros da aliança preocupados com a capacidade de o grupo manter sua relevância. Para diplomatas do pacto, colocar o profissionalismo do Itamaraty para promover pautas ultraconservadoras teve um impacto real.
Além disso, o bloco contava com a diplomacia paralela de bolsonaristas que percorriam o mundo promovendo a agenda. Ângela Gandra, secretaria da Família na pasta liderada por Damares Alves, também atuou como ponte entre grupos ultraconservadores de diversos países e o governo Bolsonaro.
Na ONU, a vitória de Lula foi comemorada como um sinal de que a agenda que tentava minar direitos básicos seria enfraquecida.
Camilla Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, também defende um reposicionamento do Brasil. “Com a mudança de governo, um dos pontos fundamentais é o Brasil reconquistar uma posição de respeito e coerência no âmbito internacional”, disse.
Lembrando que tanto a Constituição como a campanha eleitoral de Lula têm os direitos humanos como foco, ela defende que o novo governo faça uma “revisão apurada dos atos de política externa que levaram o Brasil a ficar em uma posição tão isolada e sem prestígio”.
Uma delas, segundo Camila Asano, é o Consenso de Genebra. “Ela representa uma aliança de governos de extrema direita e outros governos de cunho democrático que vieram a substituir esses líderes extremistas já se retiraram”, disse ela, numa referência aos presidentes dos EUA e Colômbia.
“Seria mais que natural esperar que houvesse uma revisão imediata desse governo que assume em janeiro com relação à participação em alianças que foram construídas como forma de articulação da pela extrema direita, para retomar o prestígio e respeito internacional, que é um ponto marcante da história do Brasil e que nos últimos anos foi prejudicada”, completou.

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