Enem diminui em inscritos e acesso ao ensino superior sob Bolsonaro – UOL
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Principal porta de entrada do ensino superior, o Enem viveu um processo de desidratação sob o governo Jair Bolsonaro (PL). O exame de 2022, que ocorre dias 13 e 20 de novembro, recebeu 3,40 milhões de inscritos, o menor volume em 17 anos.
O número é menor até mesmo do que antes de a prova ganhar o formato atual. A partir de 2009, o exame passou a valer como processo seletivo para praticamente todas as instituições federais de ensino superior.
No ano passado, foram 3,44 milhões de inscritos, dos quais apenas 2,2 milhões de fato fizeram a prova —contra 3,8 milhões em 2018, último ano da gestão Michel Temer (MDB). Os efeitos da pandemia nesses números não podem ser desconsiderados, mas a prova também ficou menos inclusiva.
A edição do ano passado teve a menor proporção de inscritos pretos, pardos e indígenas dos últimos dez anos. Isso rompeu tendência de aumento na participação desses públicos. O resultado é uma menor possibilidade de inclusão de jovens pobres no ensino superior.
A própria oferta de vagas em universidades oferecidas para quem faz o Enem também caiu. Em 2018, o Sisu (Sistema de Seleção Unificada) reuniu 239 mil vagas, quase 20 mil a mais do que em 2022 (foram disponibilizadas 221 mil vagas no 1º semestre deste ano).
O Sisu é um sistema online em que as instituições cadastram suas vagas para que haja a inscrição e seleção de candidatos. Neste ano, 125 instituições participaram do Sisu, contra 130 em 2018.
Questionados, MEC (Ministério da Educação) e Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) não responderam sobre a diminuição do exame. O Inep é responsável pela realização da prova.
Instituições como a UnB (Universidade de Brasília), por exemplo, abandonaram o Sisu por problemas de calendário. Com queda de participantes, havia dificuldade de preenchimento das vagas, o que influenciou a decisão da instituição.
Uma das mais prestigiadas universidades do país, a USP também avalia não disponibilizar mais parte de suas vagas pelo Sisu. A saída já foi aprovada pelo Conselho de Graduação e deve ser referendada pelo Conselho Universitário, instância máxima de decisão da instituição, na quinta-feira (10).
O Conselho de Graduação argumentou que a participação no Sisu atrapalha o calendário, uma vez que as chamadas pelo sistema federal ocorrem mais tarde do que as da Fuvest. Assim, quem ingressa pelo Sisu perde parte das aulas.
A USP deve continuar aceitando a nota do Enem como forma de selecionar estudantes, compatibilizando a nota do exame com a escala da Fuvest.
Ao invés de buscar valorizar o exame, o Enem esteve no centro de disputas ideológicas e também houve problemas de organização no atual governo. O MEC tentou interferir no conteúdo da prova com a criação de uma espécie de tribunal ideológico para censurar determinados temas.
Uma série de questões chegou a ser apartada por motivos ideológicos no início da gestão Bolsonaro. O governo recuou, entretanto, da ideia de ter uma comissão permanente sobre o assunto após reportagem da Folha revelar o plano.
Questões sobre ditadura militar (1964-1985), por exemplo, não caem na prova desde 2019 —o que nunca tinha ocorrido até então. No ano passado, o presidente chegou a pedir ao então ministro da Educação Milton Ribeiro que o exame não falasse em golpe de 1964, mas em revolução, visão rechaçada por historiadores.
No Enem 2019, o primeiro organizado no governo Bolsonaro, milhares de notas foram divulgadas com erros por causa de uma falha na gráfica contratada.
O governo precisou reciclar itens para que o Enem deste ano não tivesse itens repetidos —isso porque não houve investimentos para produção de novas questões.
Para Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a queda histórica no número de inscritos no Enem é resultado de uma combinação de fatores de desvalorização do ensino brasileiro em suas várias etapas.
Segundo ela, durante os dois anos de fechamento das escolas pela pandemia, os estudantes ficaram em situação de exclusão escolar por falta de políticas acessíveis e inclusivas ao ensino —o MEC foi ausente no apoio às redes. Agora, eles vivem com a falta de perspectiva para acessar o ensino superior tanto pela defasagem de aprendizado como pelo receio de não conseguirem se manter na universidade, caso consigam garantir uma vaga.
“Foram quatro anos de ação ativa de lideranças políticas verbalizando e reforçando políticas segregatórias e racistas. O recado que governo deu aos jovens de escolas públicas de periferias, áreas rurais e locais remotos nesses últimos anos foi o de que não haveria investimento algum para que pudessem acessar uma educação básica e superior de qualidade”, diz Pellanda.
Desde o início do governo Bolsonaro, os valores para o Pnaes (Programa Nacional de Assistência Estudantil) vem caindo a cada ano. É desse programa que saem recursos para bolsas estudantis, auxílio para transporte, alimentação, entre outras ações de permanência.
Para o próximo ano, o presidente propôs um orçamento de R$ 713 milhões para o programa. O valor é 35,2% menor que o de 2019, quando assumiu o governo. A queda vem combinada com enxugamento dos recursos das universidades federais.
Além da dificuldade de acesso às universidades públicas, o acesso ao ensino superior privado também ficou mais distante com a redução de programas como o Fies (Financiamento Estudantil), que usa a nota do Enem como critério de seleção.
“Os estudantes, infelizmente, entenderam que não estão incluídos nesse projeto e se ausentam da educação. Não evadiram, foram excluídos sistematicamente. O Enem é só um sintoma”, diz Pellanda.
A proporção de matrículas na rede privada com algum tipo de financiamento no ensino superior atingiu o menor patamar desde 2013.
Caberá à nova gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) renovar o Enem para adequa-lo à reforma do ensino médio. O novo formato da etapa prevê uma diversificação do currículo em que os alunos escolhem qual área seguir.
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