Militares não são interlocutores normais da política. Por Luis Felipe Miguel – Diário do Centro do Mundo
Por Luis Felipe Miguel
Ao ex-comandante do Exército, general Villas Bôas, se atribui a formulação da “doutrina” que diz que os militares devem ser considerados interlocutores “normais” do debate político. A democracia aceita isso?
A resposta curta é “não”.
Militares não são interlocutores normais da política, pelo simples fato de que estão armados. Suas intervenções sempre têm um tom de ameaça. Se eles se envolvem na política, o risco de que cerceiem ou tutelem o poder civil está presente.
A democracia exige Forças Armadas que simplesmente obedeçam aos governantes civis, não se metam nos processos eleitores ou legislativos e não façam pressões.
Suas demandam corporativas podem ser encaminhadas pelos canais presentes no próprio aparelho estatal – por meio do Ministério da Defesa.
O histórico do Brasil corrobora o “não”.
Os militares brasileiros podem inventar as doutrinas que quiserem, mas o fato é que eles mesmos não se consideram um interlocutor político como os outros.
Suas intervenções sempre exalam a catinga do mito do “poder moderador” – a ideia fantasiosa de que cabe às Forças Armadas a palavra final nos desentendimentos entre os poderes da República.
Também gostam de se arrogar detentoras de um patriotismo especial, inacessível aos civis. No entanto, agem – como se vê agora – não em defesa de qualquer ideia, mesmo equivocada, de Pátria, mas para proteger vantagens mesquinhas.
E do novo governo se espera um “não” com força.
O comprometimento militar com o bolsonarismo torna ainda mais urgente a tarefa de disciplinar as Forças Armadas e torná-las compatíveis com a democracia.
É necessário que o poder civil vete a “doutrina Villas Bôas” e estabeleça o silêncio político dos militares como princípio inarredável – tal qual em todos os regimes democráticos. Golpismo e saudosismo da ditadura também não podem ser tolerados.
Uma revisão do artigo 142 da Constituição, a fim de retirar as ambiguidades que os militares impuseram aos constituintes, também seria bem vinda.
Texto originalmente publicado no Facebook do autor