Eleições nos EUA podem ser explicadas por padrões da política americana – UOL

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Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial
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Não sou muito a favor de narrativas pós-eleitorais. Elas são como aquele paletó vistoso que parece perfeito quando você experimenta na loja, mas se mostra inadequado quando o veste no dia a dia.
Depois de perder em 2012, os republicanos sabiam que precisavam de uma abordagem mais gentil e delicada com um país mais diversificado. Então Donald Trump ofereceu exatamente o oposto e ganhou. Depois da derrota em 2004, os democratas acreditavam que precisavam de um bom velhinho com sotaque caipira que pudesse reconectá-los com “a pátria”. Então Barack Hussein Obama concorreu à Presidência e dobrou o arco da história americana.
As histórias que contamos, tanto na política quanto na vida, nos deixam presos ao passado, mesmo quando somos forçados, impiedosamente, a entrar no futuro. O que mais me interessa são os padrões que explicam mais de uma eleição, em mais de um lugar. Três deles estão em minha mente agora: calcificação, paridade e reação cultural.
Em setembro, John Sides, Chris Tausanovitch e Lynn Vavreck lançaram “The Bitter End: The 2020 Presidential Campaign and the Challenge to American Democracy” (o amargo fim: a campanha presidencial e o desafio à democracia americana). Os autores, cientistas políticos, passaram dois anos reunindo, cruzando, comparando e analisando os dados das eleições de 2020. O que eles encontraram esclarece não apenas 2020, mas 2016 e 2022: como a política é tão calcificada, praticamente nada importa, mas, como as eleições estão tão apertadas, virtualmente tudo importa.
Considere tudo o que aconteceu entre novembro de 2016 e novembro de 2020: Trump tornou-se presidente e dirigiu uma das Casas Brancas mais caóticas e inusitadas da história americana.
Ele não conseguiu revogar o Obamacare, mas reduziu impostos. O desemprego caiu para 3,5%. A pandemia matou mais de 1 milhão de americanos. O assassinato de George Floyd provocou protestos, depois tumultos, depois um acerto de contas nacional. Trump foi alvo de impeachment por abusar do poder e enganar o Congresso. Eu poderia continuar.
Foram anos em que pareceu que décadas inteiras aconteceram. No entanto, a eleição de 2020 se encaixa quase exatamente nos trilhos da de 2016. Em média, houve apenas uma diferença de dois pontos na forma como os estados votaram nesses anos —uma mudança menor do que entre 2008 e 2012 ou entre 2012 e 2016. Alguns estados decisivos ficaram mais próximos em 2020 do que em 2016.
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Sides, Tausanovitch e Vavreck publicaram os números da Covid, da economia, do impeachment, dos protestos por Floyd. As convulsões que remodelaram o país —que encheram necrotérios e incendiaram prédios— foram pouco visíveis na votação. Os condados com taxas mais altas de mortes por Covid não se voltaram contra Trump; aqueles onde os atos do Black Lives Matter se tornaram violentos foram, no mínimo, ligeiramente a favor de Joe Biden.
Tanta coisa aconteceu e tão poucas mentes mudaram. Eles chamam isso de calcificação, escrevendo: “Assim como no corpo, a calcificação produz endurecimento e rigidez; as pessoas ficam mais firmes no lugar e mais difíceis de se afastar de suas predisposições”.
A causa não é nenhum mistério. À medida que os partidos divergem, os eleitores param de alternar entre eles. O fato de Republicano e Democrata terem mantido os nomes por tanto tempo obscurece o quanto eles mudaram. Acho essa estatística chocante, e talvez você também ache: em 1952, apenas 50% dos eleitores disseram ver uma grande diferença entre os dois partidos. Em 1984, eram 62%; em 2004, 76%; em 2020, 90%.
As vastas diferenças tornaram os eleitores indecisos não só um tipo em extinção, mas também uma espécie bizarra. Quão confusas devem ser suas crenças sobre política para alternar regularmente entre um Partido Republicano e um Democrata que concordam em tão pouco?

Você pode ver isso nestas midterms. Herschel Walker é péssimo candidato: tem histórico de infidelidade, abuso e aborto —um problema, você pensaria, para um candidato que concorre como conservador em questões sociais. Um de seus conselheiros disse que ele mente “com a mesma facilidade com que respira”.
Os eleitores não são estúpidos: sabem que Walker é um homem com defeitos. Mas há uma razão pela qual ele conseguiu apoio suficiente para forçar um segundo turno com Raphael Warnock.
O voto mais consequente que Walker faria, se eleito, seria em Mitch McConnell para líder da maioria no Senado. O mesmo vale para Warnock, ao contrário: apesar de toda sua profundidade teológica e autoridade moral, o voto mais importante que ele deu no Senado dos EUA foi aquele que fez de Chuck Schumer o líder da maioria. Na votação que mais importa, Walker não é Walker; ele é um republicano. E Warnock não é Warnock; ele é um democrata.
Veja de outra forma: não sou o médico de John Fetterman e não sei a extensão do dano que seu derrame causou. Ainda assim, as deficiências que deixou são visíveis e, em outra época, poderiam ter paralisado sua carreira política. Mas se você o estava apoiando antes, mudar seu voto para o Dr. Mehmet Oz porque o rival teve um derrame é uma espécie de loucura.
Fetterman, em qualquer nível de deficiência, fará parte de uma coalizão que protege a autonomia reprodutiva das mulheres, tenta descarbonizar a economia e luta para expandir a assistência médica. Oz teria feito parte de uma coalizão que busca fazer o oposto em todos os temas.
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A calcificação, por si só, produziria uma política verdadeiramente congelada. Em alguns estados isso acontece, com o efetivo governo de partido único levando a uma política desprovida de verdadeira responsabilidade ou concorrência. Mas nacionalmente o controle político oscila, eleição após eleição, no fio da navalha. Essa é outra dinâmica estranha de nossa era: a paridade persistente entre os partidos.
A política americana normalmente teve partidos “sol” e “lua”. Após a Guerra Civil, os republicanos dominaram por décadas. Após o New Deal, os democratas. Entre 1931 e 1995, os democratas só não controlaram a Câmara por cerca de quatro anos. Desde 1995, a maioria na Casa mudou quatro vezes —e se os republicanos ganharem agora, serão cinco.
Vivemos em uma era de competitividade política incomum. As eleições presidenciais são decididas por alguns pontos, em alguns estados. A Câmara e o Senado estão em disputa em quase todas as eleições. Em 2016 e 2020, menos de 100 mil votos poderiam ter virado o pleito presidencial.
Assim, mesmo que a calcificação signifique que menos gente mude de ideia em qualquer eleição, a paridade significa que essas pequenas mudanças marginais podem alterar completamente a política americana.
Veja 2016. Se 40 mil pessoas em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia tivessem votado em Hillary Clinton em vez de Trump, a política americana seguiria um caminho radicalmente diferente. Os democratas provavelmente escolheriam o substituto de Antonin Scalia na Suprema Corte. O Partido Republicano provavelmente culparia Trump e seus acólitos por estragar uma eleição vencível e se voltaria fortemente contra eles e tudo o que representam. Tanta coisa em 2016 resultou em tão pouco.
Da mesma forma, a tendência dominante em 2022 foi a estabilidade. O mais surpreendente é como poucos assentos mudaram de mãos, apesar da alta inflação e dos baixos índices de aprovação de Biden. Mas isso pode significar que acordaremos em janeiro para descobrir que muita coisa está diferente.
Calcificação e paridade descrevem a estrutura da política americana. Mas outra ideia, a reação cultural, descreve a substância não apenas da política americana, como também a de muitos outros países.
A teoria da reação cultural vem dos cientistas políticos Pippa Norris e Ron Inglehart. Inglehart, que morreu no ano passado, é famoso por acompanhar a virada pós-materialista na política global. A partir da década de 1970, gerações criadas em relativa riqueza começaram a se importar menos com questões econômicas tradicionais e mais com questões de autonomia pessoal e valores sociais. Lutas centrais da política se desviaram da distribuição de dinheiro para a preservação do ambiente e a autonomia corporal das mulheres e a igualdade no casamento.
Essas mudanças foram geracionais e se moveram constantemente das margens para o centro. Isso levou a uma reação entre aqueles que se opõem a —ou simplesmente estão desorientados pela— velocidade com que os costumes sociais estão mudando e a ascensão de uma direita pós-materialista. Isso levou a uma série de partidos de direita que se preocupam mais com cultura e identidade do que com cortes de impostos e desregulamentação.

Compare os republicanos de 2010 com o de 2022. Naquele ano, seguiram uma teoria econômica que eu achava errada, mas pelo menos era clara. Obama estava gastando demais. O aumento da dívida assustava empresas e sobrecarregava as famílias. Washington precisava de adultos que apertassem o cinto e trouxessem de volta a disciplina fiscal.
Os republicanos fizeram de sua obsessão em revogar o Obamacare a luta central na política americana durante uma década inteira. Em 2010, eleitores indignados com a economia podiam votar em um partido que também estava irritado com a economia e que parecia ter um plano sobre o que fazer a respeito.
Avanço rápido para 2022. Suspeito que uma razão pela qual os republicanos não conseguiram usar melhor a inflação como arma é que a direita pós-materialista está muito confusa em seu pensamento sobre política econômica para convergir em uma mensagem clara.
Os republicanos são o partido de gastar mais ou de gastar menos? Sim, eles são. Os republicanos acreditam que os preços que os americanos estão pagando são muito altos ou, como sugerem suas promessas de revogar a negociação de medicamentos do Medicare e os subsídios do Obamacare, muito baixos? Sim. A economia está esquentando demais porque o governo injetou muito dinheiro ou precisa de ainda mais apoio na forma de prorrogação total dos cortes de impostos de Trump? Absolutamente.
Os eleitores são muito bons em sentir com o que os partidos e os políticos realmente se importam. A inflação pode ser um problema, mas os republicanos nunca se apresentaram com credibilidade como uma solução. O partido de hoje está obcecado com a teoria crítica da raça e se o Dr. Seuss está sendo cancelado. Não está obcecado pelo crescimento econômico nem pela política de saúde.
Se você estivesse procurando um resumo em três frases da política americana nos últimos anos, acho que poderia fazer pior que isto:
Os partidos são tão diferentes que mesmo eventos sísmicos não mudam a mente de muitos americanos. Os partidos estão tão próximos que mesmo pequenas mudanças nos ventos eleitorais podem levar o país a um rumo totalmente diferente. E mesmo em uma época de profundo deslocamento econômico a política americana tornou-se menos sobre qual partido é bom para a sua carteira e mais sobre se as mudanças culturais dos últimos 50 anos o encantam ou decepcionam.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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