Lei em Campo – Fifa precisa decidir se tem ou não uma política de direitos humanos – UOL Esporte

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Andrei Kampff
22/11/2022 04h00
Tudo aquilo que se pensava sobre as irritações que a Copa no Qatar traria para a FIFA acabou se confirmando. O mundial já está marcado por polêmicas anunciadas e coloca em xeque a política de direitos humanos da entidade. Afinal, ela é para ser efetiva ou é só um instrumento institucional?
A Fifa proíbe braçadeira nas cores do arco-íris, recebe em troca manifesto coletivo de atletas combatendo o preconceito; proíbe camisa de seleção com destaque a palavra “love”, e vê uma arquibancada tomada por torcedores pedindo respeito às mulheres no Irã.

É importante entender que o esporte não se afasta do direito e o direito tem como base a proteção de direitos humanos. A Declaração Universal de Direitos Humanos, tratados internacionais e os próprios regramentos internos da Fifa reforçam esse compromisso inegociável.
Basta dar uma olhada no estatuto da entidade, a “constituição” do movimento privado do futebol.
No art 4. 2, a entidade se declara neutra em matéria política e religiosa (tentando proteger a utopia da neutralidade esportiva). Mas complementa escrevendo que exceções se darão em casos que dizerem respeito aos objetivos estatutários da Fifa.
Um pouquinho antes, o artigo 3 do estatuto diz que a Fifa protege direitos humanos.
A entidade traz ainda a Política de Direitos Humanos apresentada em 2017 e um novo Código Disciplinar que se tornou mais rigoroso no combate ao preconceito.
A verdade é que a Fifa precisa decidir se abraça ou não sua política de direitos humanos. A autorregulação não pode ser só propaganda institucional, precisa ser guia concreto de conduta.
Política de Direitos Humanos da Fifa
Depois do tsunami que afastou a cúpula da entidade, o Fifagate de 2015, prendendo alguns dos principais dirigentes da entidade por corrupção, e com a imagem afetada pelas escolhas das sedes do Mundial de 2018 e 2022. a FIFA decidiu adotar uma política de defesa dos direitos humanos.
A entidade-mor do futebol mundial incluiu em seu Estatuto, no art. 3, a previsão de que a “FIFA está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção desses direitos”.
A entidade foi além. Ela encomendou ao professor John Ruggie, uma autoridade mundial no assunto, a elaboração de um relatório com recomendações para implementação o de uma política de direitos humanos, implementada em maio de 2017.
O relatório de Ruggie trouxe 25 recomendações e deu origem à Política de Direitos Humanos da FIFA, trata de:
– direitos trabalhistas;
– direitos de habitação;
– combate à discriminação;
– segurança nos grandes eventos;
– direitos dos atletas.
A FIFA estabeleceu expressamente compromisso de se articular construtivamente com os Estados para sustentar a sua política de direitos humanos, e a observância desses direitos passaria a ser critério para a escolha das sedes dos eventos da entidade.
A partir dessa nova política, a organização mandava um recado de que exigiria que as revisões de direitos humanos fizessem parte do processo de licitação de seus eventos.
Inclusiva, ela conduziu análises de Marrocos e da América do Norte antes de determinar em 2018 que a Copa do Mundo de 2026 será nos Estados Unidos, Canadá e México, e mesmo assim criticou os Estados Unidos e o Canadá por falta de compromissos específicos com os direitos humanos.
Mas a associação com países que violam direitos humanos segue forte e a entidade ainda não conseguiu convencer a opinião pública de que realmente está comprometida com sua política.
A Copa no Qatar
A verdade é que a FIFA decidiu em 2010 levar os jogos para o Qatar, sem realizar a necessária diligência de direitos humanos.
Ela esqueceu de entender a relação trabalhista dos operários migrantes que construiriam a estrutura para o mundial. Ela também não avaliou as denúncias sobre a discriminação sistêmica que mulheres e comunidades LGBTQIA + sofrem no país árabe.
Ela simplesmente decidiu fazer a Copa sem levar a sério a própria política interna – e recente – da entidade.
Coletivos de direitos humanos cobram na justiça uma indenização milionária para trabalhadores que levantaram a infra estrutura para a Copa em condições similares à escravidão.
Relatório do ano passado da Human Rights Watch documentou que as leis, regulamentos e práticas do Qatar impõem regras discriminatórias de tutela masculina, que negam às mulheres o direito de tomar decisões importantes sobre suas vidas.
Como é sabido, o código penal do Qatar pune relações sexuais consensuais entre homens maiores de 16 anos com até 7 anos de prisão (artigo 285). O código prevê também penas de um a três anos (artigo 296) para qualquer homem que “instigue” ou “estimule” outro homem a “cometer um ato de sodomia ou imoralidade”. A pena de até 10 anos (artigo 288) é imposta a quem se envolver em relações sexuais consensuais, o que pode ser aplicado a relações homossexuais consensuais entre mulheres, homens ou parceiros heterossexuais.
Além disso, no país há uma limitação evidente a Liberdade de Expressão e a Liberdade de Imprensa. Ou seja, o Qatar e a política da Fifa não conversam.
E agora?
Não se trata aqui de querer mudar as leis do Qatar. Muito menos de não respeitar a soberania do país. O que se discute ao levar a Copa para o Qatar é a política de direitos humanos da FIFA. Ela é para valer ou não?
Se as leis estatais no Qatar – e é preciso entender realidade local – dificilmente mudarão, o esporte precisa aprender com essas irritações e avançar na proteção de compromissos inseparáveis.
As medidas tomadas para escolhas das sedes de grandes eventos esportivos decorrem também de recomendações constantes em suas novas políticas e regramentos internos.
Isso mostra uma resposta efetiva do movimento esportivo às críticas que sofreu relacionadas a questões como sustentabilidade, transparência, gestão e respeito aos direitos humanos.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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