ConJur – Ana Vogado: Fifagate e a corrupção privada no Brasil – Consultor Jurídico

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Por Ana Vogado
A Copa do Mundo chegou e, com ela, os holofotes do planeta se voltaram novamente ao futebol. No Brasil, à sonhada chance de conquistar o hexacampeonato. Mas, agora, também relembramos que não foi somente em Copas do Mundo que os olhares e esforços globais estiveram direcionados aos gramados.
Em maio de 2015, foi deflagrado o — talvez — maior escândalo de corrupção privada do mundo: o Fifagate. Investigações em vários países levaram à prisão de sete dirigentes da Fifa na Suíça após serem acusados de suspeitas de corrupção envolvendo, dentre outros, o processo de escolha dos países-sede das Copas de 2018 e 2022 (Rússia e Catar).
Nesse escândalo, após o decorrer das investigações, a justiça americana acusou 42 pessoas e empresas de 92 crimes e de aceitação de mais de US$ 200 milhões em subornos. Três brasileiros estiveram envolvidos: o O ex-presidente da CBF (Confederação Brasiliera de Futebol) José Maria Marín por condutas relacionadas aos direitos de transmissão da Copa América para os anos de 2015, 2019 e 2023, além da edição especial, chamada Centenário, de 2016; José Hawilla (1943-2018), réu confesso, dono da Traffic Group, maior agência de marketing esportivo da América Latina, dona de direitos de transmissão, patrocínio e promoção de eventos esportivos como a Taça Libertadores, passes de jogadores, considerado pela imprensa nacional como "dono do futebol brasileiro"; e José Margulies, proprietário de empresas de transmissão de eventos esportivos.
Mas acontece que, a despeito da participação dos brasileiros no esquema, esses jamais seriam condenados no Brasil. Isso porque o Código Penal brasileiro apenas tipifica como crime a corrupção pública, ou seja, a que envolva diretamente a Administração e o dinheiro público — não se estendendo aos casos de corrupção privada.
A entidade máxima do futebo, a Fifa — assim como a CBF —, apesar da importância e do poder de influência no mundo contemporâneo, é uma organização privada, não-governamental, fundada inicialmente por poucos países. Sua estrutura não está ligada à administração pública nacional ou internacional. Desse modo, condutas corruptivas praticadas em seu âmbito, por não levarem o elemento público ou envolverem agentes públicos praticando atos contra a administração no geral, serão consideradas atípicas — não passíveis de responsabilização penal no país.
E a punição da corrupção privada inexiste também no seio administrativo sancionador, porquanto normativos anticorrupção como a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) e a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846) são igualmente omissos quanto aos atos corruptivos praticados nesse âmbito, apenando apenas aquelas condutas realizadas contra a Administração.
Diferentemente do Brasil, países como os integrantes da União Europeia já criminalizam a corrupção privada desde o início do século 21. Com a deflagração dos escândalos em 2015, intensificou-se o alerta para que também o Brasil possuísse a conduta categorizada no Diploma Penal.
Mas, mesmo após sete anos dos acontecimentos e após a corrida por diligências para que o país passasse a penalizar esse tipo de conduta, não foi publicado normativo para tanto.
Alterações legislativas propostas existem. O Projeto de Lei nº 236 de 2012, do Senado, trata de um novo Código Penal e há previsão de tipificação da corrupção entre particulares. Também está em trâmite o Projeto de Lei nº 455 de 2016, oriundo da CPI do Futebol, que investigou contratos da CBF.
Além disso, foram apresentados por deputados e senadores pacote com nove projetos de lei contra a corrupção, inspirados nas 70 medidas contra a corrupção da Transparência Internacional em 2018. Entre os projetos está o de criação do crime de corrupção privada (PL 4.628/2020).
Todavia, a efetiva publicação de norma com esse alcance ainda não foi alçada como prioritária.
O assunto, portanto, apesar de antigo, ainda não teve o andamento necessário para se tornar obsoleto, devendo ser cada vez mais relembrado e presente, sobretudo para cumprimento da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, ratificada em 2005 pelo Brasil, que orienta os Estados a adotarem medidas preventivas contra a corrupção privada, sujeita a sanções cíveis, administrativas e criminais.
 é diretora executiva e Sócia do Escritório Malta Advogados, mestranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), assistente de docência em Direito Administrativo Sancionador na Universidade de Brasília (UnB), pós-graduada na Escola Superior de Direito e ex-membro do Grupo de Estudo em Constituição Empresa e Mercado da UnB.
Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2022, 12h19
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