Os desafios para uma mudança de paradigma na política migratória brasileira do novo governo Lula – Rede Brasil Atual
Brasil pode se tornar modelo para o mundo ao construir uma política de migração pautada na solidariedade, participação social, cidadania e firme defesa dos direitos humanos
Publicado 24/11/2022 – 09h40
Com o terceiro mandato do presidente Lula, a partir de janeiro de 2023 o Brasil terá a oportunidade de retomar a política migratória desenvolvida durante os governos do PT e que foi abandonada na gestão do presidente Bolsonaro – e avançar ainda mais. Podemos nos tornar um modelo para o mundo ao mostrar que é possível mudar paradigmas e construir uma política de migração pautada na solidariedade, na participação social, na cidadania e na firme defesa dos direitos humanos.
As políticas migratórias nos governos do PT deixaram um importante legado para o campo da migração: estreitaram nossa relação na América do Sul com uma série de acordos bilaterais e dentro do bloco do Mercosul (Acordo Bilateral com o Estado Plurinacional da Bolívia, em 2005; a Lei de Anistia Migratória e o Acordo de Livre Trânsito e Residência dos Países Membros do Mercosul e Associados, em 2009).
O Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e a Secretaria Nacional de Justiça assumiram um papel ativo nesses governos e foram criadas instâncias de participação social, como por exemplo, foi realizada a 1ª Conferência Nacional sobre Migração e Refúgio (Comigrar) em 2014, considerada um marco histórico para a participação das pessoas migrantes no país. O diálogo internacional foi estimulado com a realização de conferências brasileiras no exterior e houve a concessão de vistos humanitários, criados no âmbito do CNIg, a cidadãos haitianos e apátridas, em 2012, e a cidadãos sírios, em 2013 – uma medida inédita no país e um exemplo no cenário internacional.
A política migratória foi sendo deixada sob a responsabilidade dos militares desde o governo do presidente Temer. Em fevereiro de 2018, foi decretada a MP 820/2018, destinando recursos para assistência emergencial e acolhimento humanitário de imigrantes venezuelanos e em seguida iniciou-se a Operação Acolhida, na qual as Forças Armadas assumiram protagonismo na gestão dos fluxos migratórios e na política nacional de acolhida e integração das pessoas migrantes ao lado das agências internacionais[1].
O governo do Bolsonaro aprofundou ainda mais essa política da Operação Acolhida, reforçando a ideia do imigrante como questão de segurança nacional. Seu mandato destinou cada vez mais recursos ao exército e esvaziou a participação da sociedade civil. O Ministério do Trabalho foi extinto e o CNIg foi levado para o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Também não houve mais nenhuma conferência nacional de migração nos últimos quatro anos. Durante a fase crítica da pandemia, mais de 30 normativas foram publicadas pelo governo federal restringindo a entrada de pessoas em território nacional. No plano internacional, o Brasil abandonou em janeiro de 2019 o Pacto Global das Migrações, que havia sido assinado na gestão anterior.
Diante desse cenário de desmonte e desarticulação da política migratória no Brasil, é urgente retomar as bandeiras históricas do movimento social brasileiro. O novo governo Lula representa o momento oportuno para a criação de uma Coordenação Nacional de Políticas para Migrantes dentro do Ministério de Direitos Humanos, cujo papel seria desenvolver uma Política Nacional para Migrantes e de um Fórum de Cidades Acolhedoras a serem construídos com a participação direta de lideranças migrantes, da sociedade civil, dos estados e municípios, de forma transversal e interseccional, dialogando com todos os setores do poder público. A criação desta coordenadoria estaria amparada no artigo 120 da Lei de Migração que trata justamente da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia que ainda espera regulamentação desde o governo Temer.
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Uma Coordenação Nacional de Políticas para Migrantes teria como papel principal atuar na defesa dos direitos das pessoas migrantes (tanto estrangeiros no Brasil, como brasileiros no exterior). Ela não ocuparia o lugar do Departamento do Estrangeiro ou do CNIg, uma vez que suas atribuições seriam outras: atuar como ponte entre o Congresso Nacional e a sociedade civil, para defender as pautas trazidas pelos migrantes (tais como o direito ao voto); coordenar a realização das conferências municipais, estaduais e nacionais sobre políticas migratórias; promover uma rede de cidades acolhedoras e solidárias; monitorar o cumprimento pelo Brasil dos acordos migratórios; produzir e publicar dados sobre a população migrante no Brasil e brasileiros no exterior a fim de subsidiar políticas públicas, promover a luta contra o racismo e a xenofobia vivenciado por imigrantes e refugiados no país, entre outras funções a serem discutidas, em conjunto com um novo governo que com certeza será mais responsivo às demandas dos movimentos sociais e da sociedade.
*Filósofo, ativista, representante externo da Organização para Uma Cidadania Universal, ex-coordenador de políticas para migrantes da cidade de São Paulo no governo do PT