Lula encarna Tancredo Neves em papel de unir país com governo de centro, diz cientista político – BBC News Brasil
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Lula no dia de votação do segundo turno
Em seu terceiro mandato à frente da Presidência do Brasil, a nova "encarnação" de Luiz Inácio Lula da Silva será como Tancredo Neves no papel de líder de uma ampla aliança para estabilizar e unir o país após um período de grande tensionamento, diz o cientista político Christian Lynch.
Em um processo de idas e vindas durante o fim da ditadura militar, Tancredo (1910-1985) foi o candidato escolhido para representar uma reunião de diferentes partidos e figuras políticas — a Aliança Democrática — e venceu a eleição presidencial indireta. Às vésperas da posse, sofreu complicações devido a um tumor revelado só anos depois e o país foi assumido por José Sarney.
"Lula teve várias encarnações. Como ele mesmo já disse, é uma metamorfose ambulante. No seu segundo mandato, ele foi Getúlio Vargas. Teve o petróleo, teve o pré-sal. A atual encarnação é Tancredo, que falava em nome da Aliança Democrática, uma porção de personagens que eram divergentes e se juntaram para enfrentar um inimigo comum, a ameaça da continuidade da ditadura", afirma Lynch, professor da Uerj e coautor com Paulo Henrique Cassimiro do livro O Populismo Reacionário: Ascensão e Legado do Bolsonarismo (editora Contracorrente, 2022).
Em seu discurso após a confirmação da vitória no segundo turno, Lula disse que o momento é de "restabelecer a paz entre os divergentes" e que é "hora de baixar as armas, que jamais deveriam ter sido empunhadas".
O petista fez menções às contribuições na campanha do segundo turno da senadora Simone Tebet (MDB), que foi sua rival no primeiro turno, além de ter ao seu lado o ex-tucano Geraldo Alckmin como vice na chapa — um esforço para colocar sua candidatura mais próxima do centro.
"O próximo governo Lula será um governo de centro. Ele só vai conseguir tocar uma política de esquerda, com a criação dos ministérios da Mulher e dos Povos Originários, no âmbito do Poder Executivo. Ele não vai propor nada do ponto de vista de Legislação, que passe pelo Congresso, em matéria de costumes. E ele também vai nomear alguém para fazer uma política que satisfaça a centro-direita", afirma Lynch.
"Não vai ser um governo do PT, vai ser um governo amplo. Tanto que a primeira pessoa que ele mencionou no discurso foi a senadora Tebet. É bom por um lado para que não haja o risco de colapso do governo."
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A senadora Simone Tebet (MDB), Lula e seu vice Geraldo Alckmin durante a campanha do segundo turno
João Fellet tenta entender como brasileiros chegaram ao grau atual de divisão.
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Outro sinal dado no discurso de Lula foi a referência à religião. O eleitorado evangélico se reuniu em torno da candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro e seu peso no voto teve ampla atenção durante o processo eleitoral.
"A fala de Lula começou com Deus e terminou com Deus. Eu até imagino que a gente tenha que ver o Lula pelo menos duas vezes por mês em alguma igreja ou templo evangélico. Eu acho que será necessário para começar a desmontar a guerra cultural do bolsonarismo."
Na economia, segundo Lynch, Lula precisará balancear as expectativas do mercado e uma política que atenda a população mais pobre. O presidente eleito terá pela frente problemas na parte fiscal e uma conjuntura internacional com muitas incertezas devido a conflitos como a Guerra na Ucrânia.
"Ele vai ter que fazer um equilíbrio muito grande entre deixar a economia de mercado funcionar no limite, que se perceba funcionando de forma autônoma, e ao mesmo tempo fazer uma política para os mais necessitados. E ele passou a campanha inteira falando de picanha, de reviver os bons tempos, então ele vai ter que atender essa demanda da economia", diz.
"Lula vai ter botar comida na mesa. No discurso do domingo ele voltou a isso, como há 20 anos, que é preciso combater a fome. Mas acho que na cabeça dele isso não é complicado. No Lula 1 [o primeiro mandato] ele resolveu isso."
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63451410
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