Do Flamengo no fundo do poço ao tri da América: veja os bastidores da revolução que completa 10 anos e mudou clube de patamar – ESPN.com.br
Você está na Edição Brasil. Para acessar edições de outras regiões, clique aqui.
VEJA o melhor do futebol pela ESPN no Star+ (1:12)
Com um faturamento de mais de R$ 1 bilhão e duas Conmebol Libertadores em quatro edições, além de títulos do Brasileirão e da Copa do Brasil no mesmo período, o Flamengo de fato vive o ‘outro patamar’ que o atacante Bruno Henrique imortalizou durante 2019. Talvez nem o mais otimista rubro-negro pensasse estar vivendo isso em tão pouco tempo. Mas há quem sempre acreditou na retomada do clube.
O ano era 2012. Na ocasião, o Flamengo vinha de um triênio lutando contra o rebaixamento duas vezes, além de um 2011 marcado pela falta de pagamento de salários, com o de Ronaldinho Gaúcho, astro daquela época. O Rubro-Negro estava afundado em dívidas e via uma nova eleição no fim daquela temporada para tentar dar a volta por cima. A esperança tinha o nome de Chapa Azul.
Além de todo o conteúdo ESPN, com o Combo+ você tem acesso ao melhor do entretenimento de Star+ e às franquias mais amadas de Disney+. Assine já!
A Chapa Azul era encabeçada por Wallim Vasconcellos e tinha nomes importantes como Luiz Eduardo Baptista, o BAP, e Rodolfo Landim, atual presidente do Flamengo. Wallim teve sua candidatura impugnada, com o grupo elegendo Eduardo Bandeira de Mello como o candidato à presidência. O resultado veio e desde então, entre altos e baixos, erros e acertos e muita disciplina financeira, o Flamengo conseguiu superar uma crise ecônomica para virar potência.
Logo após assumir o clube, a nova diretoria fez uma auditoria para saber o tamanho do rombo que estava assumindo. E o resultado foi assustador. A dívida de R$ 750 milhões, sendo R$ 400 milhões em encargos fiscais, deram um choque. Os próprios cartolas admitiam que ‘se fosse uma empresa, o Flamengo deveria fechar’.
“A situação era pré-falimentar. Se fosse uma empresa, já estava quebrada. A situação era a pior possível. Você faturava R$ 200 milhões e devia R$ 750 milhões. Eu costumo dizer que a gente só devia a duas pessoas: a Deus e ao mundo. Esse era o cenário horroroso que a gente encontrou”, disse Wallim.
“O balanço do Flamengo de 2012, a primeira nota da auditoria dizia que não era para confiar naqueles números. Primeira coisa que fizemos foi contratar uma empresa de auditoria top. Era uma situação que a gente tinha que reverter colocando em prática nossos princípios e valores. No próprio discurso de posse, eu dizia que tínhamos um passivo financeiro enorme, mas, mais do que isso, nós tínhamos um passivo ético e moral que precisava ser resgatado“, explicou Bandeira, completando.
“O tempo todo (achei que era impossível). Os primeiros dias eram aquela coisa: ‘o que eu vim fazer aqui?’ As receitas todas penhoradas, os credores na porta, devendo 3, 4 meses dos atletas. Todo mundo lembra daquelas dívidas com Ronaldinho, Romário, Pet, Joel Santana. Mais de 600 ações trabalhistas que o Flamengo figurava como réu. Vontade de desistir era aquela que dá e passa, eu estava lá para fazer o melhor. Se a gente saísse, certamente, o pior iria voltar”.
Quem também esteve presente e viu a dificuldade foi Luiz Eduardo Baptista, o BAP. E o cartola admitiu que quem apostou no clube era chamado de ‘louco’.
“Lá atrás, advogávamos um resgate de um Flamengo grande e que brigasse por tudo. A maior dificuldade era o descrédito. Torcedores diziam que nós éramos loucos de nos envolvermos com isso“.
Primeiro de tudo, o Flamengo precisou cortar na carne. Estrela do clube em 2012, Vagner Love não ficou para 2013. Sem condições de pagar o CSKA pela compra do atacante, a diretoria fez um acordo para devolver o atacante. Na época, uma chuva de críticas.
Outros nomes como Ibson e Renato Abreu, que eram ídolos da torcida e recebiam altos salários, também foram saindo. O recado era claro: o clube precisa pagar suas dívidas. E economizar nos gastos era a receita.
Para montar o elenco, nomes desconhecidos como Val, Bruninho e Silva chegavam, enquanto os rivais do Rio ostentavam estrelas em seus elenco: Seedorf no Botafogo, Fred e Deco no Fluminense e Juninho Pernambucano no Vasco. Mas o projeto rubro-negro era cortar na carne. E a diretoria não roeu a corda.
“A gente sempre trabalhou com responsabilidade financeira e esportiva. A gente sabia que o risco de queda existia, mas não era uma coisa palpável. Flamengo correu riscos, andou na lanterna do campeonato, mas a gente sabia que um trabalho bom estava sendo feito na área técnica e ia acabar escapando, como escapamos”.
Ex-presidente falou com exclusividade com o ESPN.com.br
Mesmo com um time modesto, reforços desconhecidos e quase nenhum investimento em campo, o Flamengo foi campeão. A Copa do Brasil de 2013 foi um alívio para a diretoria, que voltou a ter um choque de realidade no fim do mesmo ano: um quase rebaixamento.
O Flamengo fez 45 pontos e terminou a competição na 16ª colocação. Depois de perder pontos pela escalação de André Santos, o Rubro-Negro não caiu porque a Portuguesa também escalou Heverton de forma irregular e caiu.
No ano seguinte, o Flamengo voltou a flertar com o rebaixamento. Depois de um início de Brasileirão muito ruim em 2014, chegando a ser lanterna, o clube se salvou graças a uma arrancada após a chegada de Vanderlei Luxemburgo. Os próprios cartolas admitem que ali foi o pior momento. ‘Recaída’ para gastar e tentar solucionar a crise? Nada disso. O propósito de austeridade foi firme.
“Lembro de um treinador que chegou para nós e disse: ‘não tem jeito, tem que investir, melhorar esse time, ou a gente vai correr risco’. E a gente disse: ‘o nosso orçamento é esse, não tem como contratar ninguém, o time vai ser esse’. Ele até respondeu: ‘mas a gente vai lá, contrata e depois vê como paga’. A gente não faz isso, se a gente contratar, a gente tem que saber exatamente como paga. Ele ainda disse: ‘mas futebol é assim mesmo’”, conta Bandeira.
“Deve ser por isso que dizem que a gente não entende de futebol. Porque, para nós, nem futebol e nem um negócio funciona assim. E, felizmente, a gente conseguiu se manter com essa postura, demorou, mas deu tudo certo”, completou.
“Em 2014, o time estava muito mal no Brasileiro, zona de rebaixamento. Algumas pessoas do grupo queriam parar de pagar imposto, contratar jogador na Ucrânia, na Rússia. Mas o grupo original bancou, disse para continuar, manter o projeto. Se a gente tivesse vacilado ali, certamente, a coisa não teria acontecido. Foi bastante importante que o grupo original mantivesse o projeto, bater na mesa e dizer que vai dar certo e mais na frente vamos colher todos os frutos”, afirmou Wallim.
Depois de cortar na carne em 2013 e 2014, o Flamengo deu uma respirada em 2015. Depois de a torcida ‘comprar o barulho’ nos anos anteriores, o Rubro-Negro vivia o terceiro ano com salários em dia e dívidas diminuindo. Foi aqui que veio a primeira estrela: Paolo Guerrero. O Flamengo tirava o principal nome do Corinthians, livre de contrato.
No entanto, a falta de investimento deixou o atacante praticamente como um verdadeiro oásis. A diretoria sabia que não adiantava trazer a cereja do bolo sem uma base pronta. Foi nessa que o planejamento era começar a ter um elenco capaz de brigar por coisas melhores após um 2015 tímido e sem conquistas.
O Flamengo foi ao mercado pela primeira vez e gastou. Comprou os gringos Donatti, Cuéllar e Mancuello, trouxe nomes como Willian Arão e Rodinei, campeões da Libertadores, e voltou a contratar uma estrela. O nome da vez era Diego Ribas, reforço que parou o aeroporto e criou o AeroFla, famoso nos últimos anos.
Equipe é atual campeã da Libertadores e da Copa do Brasil
A partir dali, o Flamengo começou a buscar novos caminhos. Honrar os compromissos já estava ‘no sangue’. E se tornou trunfo para que os atletas fossem contratados. O famoso ‘finge que paga, que finjo que jogo’ de Vampeta no início do século foi substituído por um Flamengo que pagava em dia.
Depois de Diego, chegaram Éverton Ribeiro, Diego Alves em 2017, Vitinho em 2018, e o batalhão que entrou para a história em 2019: Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí, Filipe Luís; Gerson, Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabigol. E, enfim, o trabalho que começou lá em 2013 rendeu frutos de conquistas de fato: o Flamengo, já ‘em outro patamar’ era campeão do Brasileirão e da Libertadores.
Pouco tempo depois, nomes como Arturo Vidal, estrela por onde passou na Europa, se tornou comum no Flamengo. O chileno, reserva no time campeão da Libertadores 2022, fez o torcedor acreditar que não existe mais o impossível.
Foram três finais em quatro Libertadores, com dois títulos. Um legado que o presidente Rodolfo Landim sempre sonhou. E colheu: “A gente está no trabalho desde 2018. Três finais de Libertadores quatro anos e algo inédito na história do Flamengo. A gente sempre acreditou no trabalho”, disse Landim, que ganhou coro de BAP.
“O maior orgulho de ver o Flamengo sendo exemplo dentro e fora de campo. Espero que não tenha legado. Que seja o início de uma fase que dure muito anos. Legado é quando começou e acabou. Espero que esses momentos não acabem jamais”, completou BAP.