DIÁRIO DE MOCHILA – Mais andanças pelo sertão nordestino – A FOLHA TORRES

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Por Felipe ‘Pipe’ Araujo Santos
Oásis do Sertão
 
Após minha não muito boa experiência nas imediações da cidade de Floresta, no sertão pernambucano, resolvi ir para algum lugar mais “light”. Nos meses que eu estava no nordeste, algumas pessoas já haviam me falado de uma pequena e simpática cidade, também no interior do Pernambuco, chamada Triunfo. Como eu já estava por perto, decidi ir até lá. E já no caminho para esse município, comecei a me deslumbrar com os cenários. Estradas que subiam e desciam serras lindas e grandiosas recheadas de vegetação. E isso é algo absolutamente raro nessa região que é conhecida como a do polígono da seca no Brasil. Talvez a região mais seca do país. É extremamente raro se ver qualquer tipo de rio ou córrego por lá. Isso, aliado a uma grande inconstância de chuvas, com grandes períodos de estiagem, fazem o sertão ter a fama que tem. Num passado não muito distante, pessoas passavam sede por lá. Sede. Não  só fome. E pra mim, não pode ter nada mais indigno para um ser humano do que não ter água para beber. Uma pessoa passar fome num país que é o celeiro do mundo e onde as frutas caem e apodrecem no chão, já é um grande absurdo. Mas sede? Lastimável. Felizmente, essa já é uma realidade rara, graças a obras do governo de recolhimento da água das chuvas em cisternas, caminhões pipa e a tão importante transposição do Rio São Francisco, que leva água para regiões com escassez total dela. E Triunfo, é uma realidade paralela em meio a isso. Fartura de água, cachoeiras e um clima que eu nunca imaginei pegar no sertão nordestino. Em algumas noites passei frio nos quase 10 graus que faziam. Não é à toa que essa cidade é conhecida como o “Oásis do Sertão”. Até o humor das pessoas é outro. Moradores sorridentes, com energia leve. Muito diferente do sertanejo de baixo da serra. O sofrimento acumulado de nossas vidas as vezes muda nosso jeito de ser e até mesmo uma cultura inteira de uma região.
Em Triunfo resolvi fazer algo que eu nunca havia feito de fato em minha viagem. Trocar trabalho por estadia. Vi nessa cidade um local interessante para desbravar e passar um tempo a mais. E, dentro das ideias de novas descobertas interiores que eu buscava, optei por fazer esse teste. Conversando na rua e pedindo indicações, cheguei em um hostel (albergue) onde o proprietário me acolheu muito bem e me deixou ficar lá por uns dias. A ideia seria eu ajudar na operação como um todo quando necessário. As vezes ficava na recepção, as vezes limpando um banheiro. Foi uma experiência muito interessante que me fez pensar muito a respeito. Ter uma certa estabilidade, estar em contato com outros turistas (que se hospedavam por lá), ocupar mais meu tempo e me sentir mais útil para o mundo. Um primeiro e muito tímido indício de que ficar mais tempo nos lugares poderia ser algo interessante para mim. Deixei isso arquivado.
 
Eu e as andorinhas
 
Conheci muito dessa histórica cidade e suas belas paisagens. Mas dou total destaque para os finais de tarde na lagoa que se encontra bem em seu centro. Em todos os dias que estive por lá, após o sol se pôr, milhares (literalmente) de andorinhas davam um espetáculo à parte sobrevoando a lagoa e se direcionando para suas casas (árvores) para dormir após um dia de trabalho. Em todos os dias que fui, me surpreendi da mesma forma. E em meu último dia, avistei na água uma delas se debatendo. Acredito que bateu em algum fio e perdeu seu controle. Ela estava morrendo e eu não conseguia ver aquilo. Gritei para um casal que passava de pedalinho, que conseguiram alcançá-la e então me entregá-la. O coração do pobre bichinho parecia que ia explodir, tamanho o susto que passava. Fiquei alguns bons minutos apenas a acalmando. Segurando com delicadeza em minha mão, de uma forma que ela não tentasse voar, passando levemente meu dedo eu sua cabeça como uma forma de carinho e conversando com ela. Pedindo que ele tivesse calma que tudo ficaria bem. Maluco? Não sei, mas sinto que os animais nos sentem. Após algumas tentativas frustradas de voo, quando ela caía no chão ao tentar ganhar os ares, decidi a colocar em cima de um galho da árvore onde todas suas outras amigas andorinhas estavam. Por lá ela conseguiu ficar paradinha. Não tentou voar. Acho que ela sentiu que estava segura em sua casa. Fiquei de longe, sentado a observado. Escureceu. Fui para mais perto. Ela continuava por lá. Não tinha coragem de ir embora sem ver ela alçar voo e subir para a copa da árvore, onde seu bando já estava dormindo. Eis que, depois de algumas horas já passadas, ela conseguiu. Meu alívio foi enorme. Além de ter me sentido muito bem por ter salvado aquele serzinho, tirei uma lição para mim mesmo naquela noite. As vezes nossa vida parece estar desmoronando, mas se confiarmos no universo e termos paciência para superar o processo, tudo se ajeita no final.
 
Culturas do sertão
 
Apos os 7 dias que fiquei por Triunfo, rumei mais adentro do sertão pernambucano. Passei por pequenas cidades onde pude ver a cultura do coronelismo ainda muito viva. Literalmente, ainda se acha alguns por lá. Normalmente, família ricas da região e com forte poder político que ainda ditam um pouco das regras do lugar. Ajudam financeira e politicamente  quem precisa, mas parece que acabam tendo a população em suas mãos. De uma certa forma, todos “devem” algo a eles. Numa dessas cidades, chamada Bodocó, fui apreciar de perto uma vaquejada durante um final de semana. Eu já havia ido em um Pega de Boi, que também é uma espécie de vaquejada, mas a tradicional, onde os músicos mais recentes falam muito em suas letras, ainda não. É algo muito parecido com um rodeio, para quem é do sul e do sudeste. Um único gado é solto em uma muito comprida pista de terra e dois vaqueiros tem o objetivo de derruba-lo em um pré determinado espaço entre duas linhas. Um deles pega o rabo do animal e passa para o parceiro que, num rápido movimento, joga a rês no chão. Coisa muito rápida, de cerca de 15 segundos. Uma dupla de vaqueiros entra na sequência da outra durante horas e horas até sair um campeão. Junto com isso, a noite, diversos shows de cantores da região. Achei meio cruel o que é feito com o pobre gado. Mas enfim, é uma cultura muito viva e forte no sertão nordestino.
 
 
Uma boa batida policial
 
Após essas várias semanas no interior do Pernambuco, resolvi conhecer a famosa região do Cariri Cearense. Terra do Padre Cícero, um verdadeiro fenômeno religioso que surgiu nessa região do sertão no início do século passado e que, até hoje, move romeiros de diversos lugares do país. Para os católicos mais fervorosos, uma terra santa. Por lá fiquei na cidade de Crato. Foi meu primeiro contato com terras cearenses. E engraçada foi a forma como cheguei no local onde fui acolhido por lá. Ainda quando eu estava em Exu, município pernambucano, uma viatura foi “conferir” quem eu era, ao me ver com minha barraca nos fundos de uma posto de gasolina que estava fechado. Uma espécie de “batida policial”, mas do bem. Conversaram comigo tranquilamente e acabamos entrando em assuntos mais complexos sobre a vida. Ficamos mais de hora filosofando. No meio dessa conversa, mencionei que em alguns dias iria para o Crato mas ainda não tinha a casa de alguém para ficar. Crato é uma cidade não tão pequena e, normalmente, em cidades um poucos maiores prefiro dormir com mais segurança e estabilidade, e não na rua como usualmente eu faço em cidades e povoados menores. Então um deles, que era nativo dessa região do Cariri, me falou para procurar o Bar Caverna. Segundo ele, o dono, que ele não sabia o nome, parecia ser um cara legal e que deixaria eu colocar minha barraca lá por uns dias. Anotei tudo em meu bloco de notas (tenho muito costume de fazer isso nesse tipo de indicações) e, no dia que cheguei no Crato, fui até esse bar. Não só fiquei por lá os 15 dias que fiquei, como ganhei um grande amigo e tive grandes descobertas sobre mim e sobre o que eu estava buscando. Na semana que vem conto mais no detalhe essa história, assim como quando, após o Ceará, parti em direção ao sertão piauiense. Até lá!
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