Lula vai receber Brasil melhor ou pior do que no 1º mandato 20 anos atrás? – UOL Economia
Do UOL, em São Paulo
06/12/2022 04h00Atualizada em 06/12/2022 09h04
Bagunça no Orçamento, crescimento menor, inflação persistente: o Brasil que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai assumir em 2023 estará “pior” do que aquele que recebeu em 2003, no primeiro mandato, segundo economistas ouvidos pelo UOL. A questão social continua sendo o principal foco — com a diferença de que hoje o problema é encontrar meios para manter o Auxílio Brasil em R$ 600.
Gastos públicos são problema: A saúde das contas públicas, muito afetadas pela pandemia de covid-19, será o maior problema a ser resolvido pelo novo governo em 2023, de acordo com os especialistas.
Há 20 anos, Lula herdava um Brasil que havia acabado de adotar uma nova política fiscal: a meta de superávit primário. A regra determinava que a diferença entre receitas e despesas de um ano, excluído o pagamento dos juros da dívida, deveria ser positiva.
Hoje a regra fiscal adotada é a do teto de gastos, que prevê um limite para o crescimento das despesas públicas, mas já foi “furado” diversas vezes ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL). Cálculos feitos para a BBC News Brasil pelo economista Bráulio Borges, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), indicam que os gastos acima do teto somam R$ 794,9 bilhões de 2019 a 2022.
Segundo o economista César Bergo, professor da UnB (Universidade de Brasília), as políticas adotadas pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso deram um “encaminhamento bastante positivo” para seu sucessor.
“De 1999 a 2002, no segundo mandato de FHC, o crescimento médio [da economia] foi de 2,3% ao ano. Com o Lula, essa média aumentou para 3,5% no primeiro mandato e 4,6% no segundo mandato.”
Verdadeira “herança maldita”: Carla Beni Menezes de Aguiar, economista e professora dos MBAs da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas), concorda que a situação do Orçamento agora é pior do que a que Lula herdou em 2003.
“Sob a ótica das contas públicas, a situação agora é muito pior. O Lula vai realmente saber o que é herança maldita. Quando ele foi eleito pela primeira vez, dizia que tinha recebido uma ‘herança maldita’ de Fernando Henrique Cardoso.”
Como pagar o Auxílio Brasil? Principal tema da campanha eleitoral, o Auxílio Brasil será um dos grandes desafios para as contas públicas. O novo governo precisará encontrar meios de manter o benefício em R$ 600 por mês, como prometeu ao longo da campanha, sem estourar o teto de gastos.
Enviada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), a proposta de Orçamento para 2023 prevê auxílio de apenas R$ 405. O valor de R$ 600, de autoria do atual governo, foi aprovado pelo Congresso em julho e tem validade até dezembro. Ao longo da campanha, nem Bolsonaro nem Lula deram pistas de como fariam para manter o valor.
“Estamos carentes de informações em relação a políticas econômicas de Lula. O que ele vai fazer para melhorar a eficiência dos recursos públicos?”, questiona o professor da UnB.
Aliado de Lula, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) apresentou no último dia 28 a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, que retira o Auxílio Brasil do teto de gastos por quatro anos. Um primeiro rascunho do projeto não delimitava prazo para a vigência dessa mudança, o que havia sido mal recebido pelo mercado financeiro. A avaliação é de que agora o texto propõe um período a mais para ser negociado algum corte.
Para que as regras sejam válidas a partir de janeiro, a PEC precisa ser aprovada no Senado e na Câmara dos Deputados antes de 16 de dezembro. Sem definição, investidores seguem receosos de que o novo governo deixe de lado a responsabilidade fiscal para cumprir as promessas feitas na eleição, segundo Carla Beni, da FGV.
Nós estamos meio como em um navio à deriva com relação às perspectivas. Ficamos quatro anos sem planejamento. As últimas grandes decisões saíram no governo [Michel] Temer, como a reforma trabalhista e a reforma da Previdência. Precisa ter um plano de voo, e não temos ainda. O mundo todo está carente de oportunidades de investimentos.
César Bergo, da UnB
PIB quase estagnado: Em 2002, último ano de FHC na Presidência, o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil cresceu 3,1% em relação a 2001, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O país manteve essa trajetória de crescimento ao longo dos dois mandatos de Lula, chegando a registrar alta de 7,5% em 2010. Apenas em 2009 o PIB registrou leve queda, de 0,2%.
Em 2021, esse aumento foi de 4,6%, impulsionado principalmente pela retomada das atividades depois do pior momento da pandemia de covid-19. Mas agora a projeção do último Boletim Focus, que traz expectativas de mercado para a economia brasileira, indica que o país deve crescer menos em 2022 (3,05%) e ficar praticamente estagnado em 2023 (0,75%).
Além disso, a leve recuperação do PIB não tem refletido em melhora significativa nas condições de vida da população, que também é afetada pela alta dos preços e pelos juros altos.
“Nos dois últimos anos de FHC, você tinha um país um pouco arrumado. Hoje temos uma inflação em declínio, o que é importante, mas uma taxa de juros real muito elevada. O que eu vejo é que o Lula pega um país pior do que ele pegou em 2003”, opina Bergo.
Inflação acima da meta: De fato, a inflação acumulada em 2022 deve ser menor do que a registrada em 2021. No ano passado, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) fechou em 10,06%, enquanto o acumulado nos 12 meses terminados em outubro está em 6,47%, segundo o IBGE.
A projeção do último Focus é de que a inflação suba 5,92% em 2022. Em 2002, a título de comparação, a alta dos preços foi de 12,53%.
O problema é que, apesar da desaceleração da inflação, ela ainda está acima da meta definida pelo governo, de 3,5%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo (isto é, podendo variar entre 2% e 5%).
Há 20 anos, foi diferente: já no primeiro ano de mandato de Lula, a inflação desacelerou a 9,3%, chegando a 3,14% em 2006. Ao final do segundo mandato (2010), o IPCA acumulado foi de 5,91%.
Sob a ótica inflacionária, numericamente, o país está melhor hoje. Por outro lado, está pior [na economia], principalmente devido à pandemia. Estamos com uma desigualdade maior, uma população mais vulnerável, um emprego mais precarizado. Tivemos aí o retorno do Brasil ao mapa da fome.
Carla Beni Menezes de Aguiar, da FGV
Juros continuam altos: Somado ao crescimento minguado e à inflação persistente, Lula ainda enfrentará o mesmo problema que herdou em 2003: os juros altos. Ao longo do governo Bolsonaro, a taxa Selic foi de 6,5% ao ano em janeiro de 2019 para 13,75% agora, depois de passar pouco mais de sete meses — de agosto de 2020 a março de 2021 — em seu patamar mínimo histórico, de 2%.
Numericamente, os juros estão menores agora do que em dezembro de 2002, quando estavam em 25% ao ano. Mas, assim como há 20 anos, o Brasil segue tendo o maior juro real do mundo (calculado pela diferença entre a Selic e a inflação), à frente de países como México, Rússia e Argentina, que vive uma forte crise econômica há anos.
“Isso dificulta os investimentos, dificulta o empreendedorismo”, explica a professora da FGV.
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