Com a “PEC do teto”, Lula não chega ao Planalto: tenta conquistar o poder – Poder360

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Futuro governo Lula começa o jogo com todo o time no ataque, escreve Mario Rosa
Ganhar uma eleição presidencial é o maior triunfo de qualquer trajetória política. Mas não significa necessariamente a tomada do poder. Fernando Henrique Cardoso foi eleito e só com a reeleição que inventou e o “presidencialismo de coalizão” que tirou da cartola é que se tornou realmente o mais poderoso entre os mais poderosos. O PT ficou 14 anos no poder e está mostrando que aprendeu com seus erros e acertos. Ao menos na questão do poder. Bolsonaro abriu várias frentes ao mesmo tempo e exauriu suas energias políticas em múltiplos campos de batalha. O presidente eleito Lula, em sua 3ª e inédita presidência, arrisca uma cartada sem precedentes: assumir o cargo reivindicando uma concentração de poder como nunca antes na história deste país.
“PEC da transição”, da gastança, PEC disso, PEC daquilo é apenas o apelido de uma manobra política ambiciosa e que se der certo em sua totalidade é um knockout e, mesmo parcialmente, é um lance sem comparação. Ter dinheiro garantido para gastar de forma elástica já na 1ª hora do 1º dia de governo significa tinta da caneta cheia e jorrando já após subir a rampa. É o tanque do carro abastecido até a tampa para começar a corrida com o pé no acelerador, podendo manter esse ritmo sem se preocupar se vai faltar gasolina desde o início até o meio da corrida. E a lógica do poder é cruel: “follow the money” –onde estiver a verba estará o apoio. Significa ter poder para irrigar os vulneráveis, a mídia, para garantir programas de todos os tipos que sairão do forno da transição e já terão energia estocada para queimar, oriunda da PEC.
Nenhum governo desde a redemocratização terá começado do ponto zero, nem os de Lula ou os de Dilma, com essa margem de vantagem, se ela se concretizar no final das contas. Se forem 2 anos de PEC então, com os números que estão por aí, é correr para o abraço. Significa que o governo vai, por exemplo, começar em maio do ano que vem a discutir a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sabendo já de antemão que tem um paiol cheio de pólvora já estocado no Orçamento de 2024. Qual governo já contou com esse horizonte? Na prática, a PEC significa contratar 2 anos de soberania política do presidente eleito. E quando esse biênio terminar, a não ser que ocorra algo muito inesperado, escândalos teratológicos, o governo estará numa situação teoricamente muito mais forte, depois de ter tido todas as condições de dar uma arrancada de gala para governar bem.
Sem contar que daqui a 2 anos chegam as eleições municipais. Quem vai querer ficar contra um presidente que pode estar forte? E daqui até lá, quem aguenta ficar contra cofres cheios no pragmatismo da política? Por todas essas razões, o 1º lance político do governo Lula é ao mesmo tempo desconcertante, audacioso e de consequências práticas definidoras na política. A rigor, como os políticos que saem do Congresso, alguns que foram eleitos para outras funções e tantos que irão disputar cargos em 2024 poderão justificar um voto contra “programas sociais”? Sabe-se que a PEC é uma plataforma de poder, uma catapulta. Mas ficar contra é desafiador. Ficarão? Xeque mate?
Claro, virão os racionais e pés no chão remoer os cânticos de que riqueza não vem do erário, que não se fabrica dinheiro sem produzir inflação, que bolhas fiscais acabam produzindo tempestades de juros e rebotes da pior espécie na economia. Pode ser? O tempo dirá. Há sim algo de aposta nisso tudo, um desbravamento do terreno sólido e aparentemente nítido da ortodoxia econômica para uma abordagem alternativa. O governo Lula coloca todas suas fichas nessa casa da roleta. Ou quebra o cassino ou perde tudo, levando o país a um pandemônio econômico. Lula pagou pra ver. Como jogada de poder, seus ganhos são claros e vão além do que a vista alcança. Como escolha econômica, terá sido uma espécie de “Plano Lula”. Se der certo, esculpirá seu nome na história definitivamente em seu mandato, que promete ser derradeiro. Se der errado, terá sido seu 1º erro e fundamental. Olhando de fora, Lula chega veterano ao poder com uma ousadia fora da mesmice. Não é toda hora que se vê algo assim. Ele colocou o time no ataque, sem retrancas. O contra-ataque é se a chuva de expansão fiscal não der certo: sua defesa estará aberta. Jogo de final de campeonato e o governo ainda nem assumiu.
P.S.: Na política, incluindo gatos e sapatos em seu ministério elástico como se espera, o presidente eleito cumpre outro ritual certeiro. Declara-se “não candidato”. Ou seja, muitos partidos de sua base, a começar pelo PT (Fernando Haddad, mencionado ministro da Fazenda do “milagre” lulista?) poderão disputar sua sucessão como “continuadores” de seu legado. Se as PECs passarem como estão ou próximas do que estão, Lula ganhou o mandato no voto. Mas o poder terá sido na política, o que é ainda mais difícil. O gol pode não sair. O drible, porém, é uma caneta que deixa a oposição na situação dos zagueiros a quem só resta olhar o fim da jogada.
P.S. 2: Como revelou este jornal digital, a inclusão do “novo regime fiscal” até próximo semestre nada mais é que uma revogação, na prática, do teto de gastos. Isso porque o simples envio, conforme o texto original, extingue o modelo de teto, sem obrigar o governo ou o Congresso a adotar um novo modelo; apenas enviar. Há também outros penduricalhos bilionários, não alardeados pela imprensa, mas publicamos aqui. É que contam para efeitos fiscais. Jabuti não sobe em árvore: se está lá, ou foi chuva ou alguém colocou. Se todas essas obras de arte da política, por mais que ofendam os puristas da economia permanecerem, é o governo congressual mais forte que já se viu começar. Pode ruir? Tudo pode. Mas é uma proeza rara essa aposta em si dessa coalizão de forças. Lula 3 começa com as brancas dominando o tabuleiro.
Comentário final: tudo isso já está no horizonte. Precisa acontecer, todavia, para se tornar realidade. Há forças, claro, que sabem bem o efeito dessa arrancada de Lula. Se forem incapazes de impedir qualquer reação, terá sido a prova de uma vitória avassaladora. Mas a vitória só é vitória quando o jogo termina. Começou com goleada. Segue o jogo.
Mario Rosa, 58 anos, é jornalista, escritor, autor de 5 livros e consultor de comunicação, especializado em gerenciamento de crises. Escreve para o Poder360 quinzenalmente, sempre às quintas-feiras.

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