Eleições e corrupção: é preciso falar sobre a gestão pública – Unacon Sindical

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Unacom – Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle
Este artigo foi publicado originalmente no portal república.org
 
O Brasil viverá em 2022 uma das eleições presidenciais mais conturbadas de sua história.
No centro do debate político, embora em menor intensidade em relação a 2018, estará a corrupção e suas consequências. E não poderia ser diferente. Há evidências científicas consistentes de que a corrupção, entre outros efeitos devastadores, piora a qualidade dos serviços públicos, amplia a vulnerabilidade social e inibe o desenvolvimento econômico.
Mas, talvez, o mais grave de seus danos seja justamente ampliar a desconfiança da sociedade nas instituições democráticas e nos agentes do Estado. 
Um ambiente com alta percepção à corrupção, como é o caso do Brasil, tem como um de seus resultados uma permanente falta de confiança naqueles que desempenham funções públicas, invertendo-se, por muitas vezes, a lógica do princípio constitucional da presunção de inocência.
Esse cenário tem reflexos na própria atuação dos órgãos de controle da administração pública. Muitas vezes, acaba por se criar uma espécie de assimetria de forças entre controladores e gestores, em que os primeiros fundamentam sua atuação nessa desconfiança – resultante da alta percepção à corrupção -, enquanto aos últimos resta tentar provar, quando for o caso, sua boa-fé no exercício da função pública.
Não se pode obviamente menosprezar os efeitos da corrupção. Muito pelo contrário. Em uma nação com níveis alarmantes de desigualdade como o Brasil, ela ainda é mais cruel, impossibilitando aos mais pobres terem acesso a serviços públicos de qualidade. 
Justamente por isso também é necessário fortalecer as regras do jogo político e as instituições de controle, aprimorando sua atuação e diminuindo as oportunidades para que gestores mal-intencionados possam se beneficiar indevidamente do dinheiro público. 
Também é preciso fortalecer a transparência e garantir o acesso a informações públicas, de modo a permitir que a sociedade se consolide como um ator relevante, monitorando a atuação dos gestores e a forma pela qual o recurso proveniente dos impostos é utilizado.
O aprimoramento do controle, todavia, deve necessariamente levar em conta se o nível de desconfiança prévia em toda e qualquer situação que marca a atuação de algumas agências que desempenham esse papel, e que pode até parecer natural diante dos inúmeros casos de corrupção que vivenciamos, é realmente positivo ou traz outras consequências danosas ao resultado das políticas públicas. 
Quando o controle, seja ele interno ou externo, atua de forma exagerada e desproporcional sobre o gestor público de boa-fé, traz como resultado direto, no mínimo, três fatores prejudiciais à eficiência administrativa.
Em primeiro lugar, tem crescido nos órgãos públicos o fenômeno conhecido como o “apagão das canetas”. Ninguém quer decidir ou inovar com medo de ter sua decisão contestada no futuro e vir a sofrer as consequências disso.
Outro ponto importante é o afastamento de bons quadros e de gente honesta dos cargos de chefia e de confiança, devido ao medo de eventuais responsabilizações por atos praticados, abrindo espaço para que oportunistas de plantão ocupem esses espaços, esses sim destemidos, justamente pelo fato de não terem nada a perder.
Por fim, a terceira e não menos danosa consequência, é uma tendência de gestores passarem a decidir não conforme o que consideram a melhor decisão para atender ao interesse público, mas sim pelo que acham que o controle julgará ser o mais adequado. É o gestor decidindo não em acordo com a boa técnica ou com informações qualificadas, mas sim com a cabeça do controlador. 
De certo modo, as alterações ocorridas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e, mais recentemente na Lei de Improbidade Administrativa (nesse caso específico, aprovadas de forma açodada[1] e sem o devido debate público), assim como mecanismos administrativos, como é o caso dos termos de ajustamento de gestão, refletiram o desconforto ora existente, na medida em que estabeleceram a existência, por exemplo, do dolo e do erro grosseiro como elementos subjetivos necessários à responsabilização pessoal do agente público.
Ou seja, parece bem claro que essa preocupação, além do Poder Legislativo, também chegou a muitos dos órgãos de controle, o que pode ser sim um bom sinal.
Mas ainda é pouco.
É preciso restabelecer o protagonismo que cabe à gestão pública e delimitar o papel do controle. Cada um dentro do papel institucional que lhe cabe.
É preciso também trabalhar para um aprimoramento permanente dos gestores públicos, sejam eles agentes eleitos ou não, de modo a reduzir desperdícios, prevenir erros e dotá-los de condições técnicas para promover a melhor aplicação dos recursos arrecadados.
Além disso, é preciso aprimorar a própria ação do controle, de modo a enfocar a prevenção e torná-lo cada vez mais capaz de “separar o joio do trigo”. Ou seja, buscar dar ao controle a capacidade de detectar e punir severamente os que desviam recursos públicos, de modo a não fazer com que a impunidade se torne um incentivo a tais práticas, e tratar com a devida cautela gestores que eventualmente cometem erros não intencionais e muitas vezes inerentes ao processo decisório, para os quais, muitas vezes, uma simples orientação ou recomendação pode ser o melhor caminho.
Jogar em um mesmo balaio corruptos e gestores públicos de boa-fé que eventualmente cometem falhas não dolosas só serve para atender ao interesse dos primeiros, tão acostumados a se beneficiar impunemente da corrupção. 
Não se quer aqui defender que gestores que falham não sejam punidos. Em certos casos, mesmo os erros não intencionais, diante de sua gravidade, demandam sim a devida atividade disciplinar. O que se precisa evitar são eventuais punições desproporcionais a erros que muitas vezes são inerentes ao processo decisório, àqueles que não produzem grandes prejuízos e que dos quais não decorre qualquer benefício pessoal aos envolvidos ou lesão grave ao interesse público.
O necessário fortalecimento do controle e, por conseguinte, dos mecanismos de combate à corrupção precisa ser ajustado, calibrado, repensado, para que não se transforme em um obstáculo a uma gestão pública eficiente, transparente, inovadora e atenta às demandas sociais.
Em outras palavras, a melhoria do setor público brasileiro e o próprio combate efetivo à corrupção passam obrigatoriamente pelo fortalecimento da gestão e uma ressignificação de sua relação com o controle público. E esse tema precisa fazer parte do debate político.
[1]Apressada
Mário Spinelli
Auditor Federal de Finanças e Controle, Professor da FGV/Eaesp. Doutor em Administração Pública e Governo, foi controlador-geral do município de São Paulo, controlador-geral do estado de Minas Gerais, secretário de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da CGU, conselheiro do Coaf e ouvidor-geral da Petrobras. 
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