A última cartada do governo Bolsonaro sobre uma tragédia – VEJA

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O governo federal está tentando fechar acordo às pressas com as empresas Vale e BHP Billinton, controladoras da Samarco, para dar fim à longa briga judicial iniciada após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em 2015 – uma das maiores tragédias ambientais da história do país. É o que garantem as vítimas em documentos e declarações.
Representantes da Advocacia-Geral da União e das companhias envolvidas têm feito, segundo eles, uma série de reuniões nos últimos dias, com o objetivo de encerrar o litígio antes da posse de Lula. O problema é que elas – as vítimas – têm sido deixadas de fora das discussões, o que foi mostrado à coluna.
A expectativa do governo é assinar o novo acordo até sexta-feira, 16, e assim beneficiar as mineradoras, que pagariam valores ainda maiores se o processo fosse adiante. O governo de Minas Gerais também vem pressionando os municípios para agilizar as tratativas. Os prefeitos, por sua vez, também tendem a entrar no acordo, interessados no dinheiro da indenização para ganhar votos até as eleições de 2024.
A população, porém, se opõe aos atuais termos do acordo preliminar, que foram acertados a portas fechadas – sem divulgação de pautas e atas, nem publicidade ou tempo de análise para todas as partes envolvidas.  Oficialmente, a AGU respondeu ao blog que “não há prazo para encerramento das negociações”. E que “a AGU segue na tentativa de mediação de um acordo”.
Entidades que representam as comunidades afetadas pelo desastre têm se movimentado para se opor à assinatura. Em audiência pública na última semana na Câmara dos Deputados, Joceli Andrioli, da Direção Estadual do Movimento de Atingidos por Barragens de Minas Gerais (MAB-MG) reclamou da falta de transparência nas negociações. “Se vocês assinarem esse acordo, vão ser cúmplices de uma coisa que a gente não gostaria de acusar nosso sistema de Justiça. Pedimos que esse acordo não seja assinado sem o novo governo assumir. É muito estranho: esperamos sete anos para ter esse acordo, não é um mês que vai mudar tudo”, disse.
Após a audiência, o MAB protocolou ofício para diversas autoridades – Luiz Fernando Bandeira de Mello, Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Augusto Aras, Procurador Geral da República, a Carlos Bruno Ferreira da Silva, Procurador do Ministério Público Federal (MPF), a Raquel da Costa Dias e Carolina Morishita Mota Ferreira, Defensoras Públicas de Minas Gerais e a Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ – pedindo para que assinatura do acordo seja adiada e que os atingidos sejam devidamente envolvidos nas negociações.
De acordo com o documento, “após encerrado o período eleitoral, o governo Bolsonaro tenta impor, às pressas, um acordo em período evidentemente inadequado”. Em outro trecho, o MAB afirma que “a Repactuação Rio Doce é uma chance histórica que reforça a pauta do governo eleito apresentada na COP27, dialoga com o acordo sobre perdas e danos negociados no encontro e pode fortalecer o Brasil como referência internacional na luta contra desastres socioambientais, assim como na implantação da política de reparação integral e salvaguarda de direitos das populações atingidas”.
Além do MAB, outros representantes das vítimas desse desastre se manifestaram contra o acordo. Alexandre Chumbinho, representante da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), disse que “a falta da transparência (no acordo), a ausência de publicidade traz uma série de questionamentos, principalmente quando se vê na mídia que o acordo seria finalizado ainda este ano”.
Rodrigo Pires Vieira, secretário Executivo da Cáritas Regional Minas Gerais, ressaltou que “ouvir é diferente de escutar, que é diferente de participar. Um acordo desses, por mais que tenha o Ministério Público esteja lá representando os atingidos, na hora de bater o martelo, os atingidos precisam participar.”
Fontes de órgãos envolvidos na repactuação avaliaram à coluna ser improvável que o governo federal consiga fechar o acordo ainda este ano, devido à complexidade das negociações e porque existem vários pontos divergentes que precisam ser acertados.
Um deles é sobre a quitação exigida pelas empresas depois de pagarem a indenização, que impede que as vítimas abram novos processos posteriormente. Alguns atores, porém, não concordam que isso se aplique à área de saúde, já que as vítimas podem apresentar doenças futuramente e deveriam ter direito a compensação.
Procurado – como a AGU -, o governo de Minas Gerais não se pronunciou.
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