Para voltar a vencer precisaremos refundar o futebol brasileiro – UOL Esporte

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Milly Lacombe, 53, é jornalista, roteirista e escritora. Cronista com coluna nas revistas Trip e Tpm, é autora de cinco livros, entre eles o romance O Ano em Que Morri em Nova York. Acredita em Proust, Machado, Eça, Clarice, Baldwin, Lorde e em longos cafés-da-manhã. Como Nelson Rodrigues acha que o sábado é uma ilusão e, como Camus, que o futebol ensina quase tudo sobre a vida.
Colunista do UOL
10/12/2022 11h29
Analisar o fracasso buscando explicações na subida de Fred ou na falta que Casimiro evitou fazer no meio de campo é a reação imediata de todos nós.
Rever os lances, lamentar escolhas, criticar atitudes. Tudo está no pacote de sofrimento que o futebol oferece quando assinamos o contrato de casamento com esse esporte.

Mas, depois de cumprido o ritual, seria preciso alargar a reflexão.
Assim como o sete a um não foi um acidente de percurso, as seguidas derrotas nas fases eliminatórias das Copas não são obra do acaso ou da falta de sorte.
O futebol brasileiro está se distanciando do torcedor e da torcedora e a seleção é o reflexo mais concentrado desse diagnóstico.
Transformar o jogo em um negócio organizado por gestores vai matar esse esporte que amamos tirando dele a alma.
O tal do Movimento Verde e Amarelo que foi ao Qatar “torcer” para o Brasil é sintoma da doença que afeta o futebol brasileiro.
Pessoas desabituadas à cultura da arquibancada, que silenciam quando o time mais precisa, que acham adequado meter um cocar na cabeça e votar 22 nas urnas.
Os ingressos eram absurdamente caros, a viagem é para ricos então quem estava lá é um torcedor que não vai às arquibancadas e não sabe terreirizar um estádio. Também um sintoma do que o futebol virou.
Num Brasil massacrado pelo governo de Guedes e Bolsonaro, quem pode ir ao Qatar?
A naturalização com que se fala das SAF em parte da imprensa hegemônica é outro sintoma desse mal.
Temos um problema na forma como os clubes são tratados, sem dúvida, mas acreditar que a solução seja a de concentrar mais poder na mão de um CEO com devassados interesses no lucro vai apenas nos destruir ainda mais.
Clubes são instituições sociais que não precisariam dar lucro. Nem tudo precisa dar lucro. Algumas coisas precisam apenas existir para movimentar afetos nobres e justificar a vida.
Clubes formam subjetividades e organizam sociedades na medida que colocam afetos em circulação.
O futebol precisaria voltar a ser popularizado e não elitizado. Ingressos a preços populares, investimento na base para formar craques que fiquem aqui e que respeitem a filosofia do futebol que inventamos, que tem drible, dança, alegria, coragem, conjunto, seriedade e competitividade num mesmo pacotão, uma seleção que jogue respeitando o que somos culturalmente e não trabalhe para imitar tática e estrategicamente o que fazem na Europa.
Uma confederação cujos diretores representem o Brasil de fato e não o Brasil velho, conservador, carrancudo, careta e covarde.
Mulheres, pessoas LGBTQs e negras precisam se juntar ao mesmo sujeito de sempre – homens brancos cheios de desejo de poder – para organizar esse esporte que é fundador da identidade nacional.
Refundar e começar de novo.
Fazer o futebol ser espaço de resistência a essa fase neoliberal do capitalismo que devasta afetos e emoções, que exaure, isola, adoece, dilacera.
Fim da CBF, fim dessa empresa privada envolvida em tantos casos de corrupção, de machismo, de misoginia, de LGBTfobia.
Não aceitar que haja na comissão técnica quem compactue com esses horrores, formar consciência política e social em todos os membros e em quem vestir a camisa da seleção.
Deixar de ser uma empresa bilionária incapaz de construir uma seleção que emocione, encante, eleve.
Não vai ser feito porque não há interesse político para que seja feito, mas era o que nos salvaria.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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