Cármen Lúcia rebate Mendonça sobre preconceito religioso – JOTA

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Divergência
Ministra reagiu quando colega disse que evangélicos sofrem preconceitos: “se dá principalmente sobre os de matrizes africanas”
A ministra Cármen Lúcia e o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), protagonizaram na manhã desta quinta-feira (24/11) um debate sobre preconceito religioso durante o julgamento da ADPF 634, que discute a constitucionalidade do feriado municipal sobre o Dia da Consciência Negra em São Paulo. Durante o julgamento, Mendonça disse que sabe dos preconceitos existentes no Brasil porque os “segmentos religiosos também sofrem preconceitos”.
Antes mesmo de terminar a frase, Cármen o interrompeu: “Principalmente os de matrizes africanas, não são os evangélicos, não são os católicos. No Brasil, o preconceito é contra as religiões de matrizes africanas”. Mendonça, então, disse que as religiões evangélicas também sofrem preconceito e afirmou que, em sua visão, cabe ao Congresso Nacional editar uma lei nacional instituindo o feriado e não ao município, voltando ao núcleo norteador de seu voto.
O incômodo de Cármen Lúcia às falas de Mendonça começou quando ele expressou sua opinião sobre a igualdade racial no Brasil. “Nós somos um só povo. Uma só raça, uma só nação. Somos todos a raça humana, brasileiros e devemos estar imbuídos desse mesmo propósito de construção de igualdade para todos”, afirmou.
Visivelmente desconfortável, Cármen rebateu o argumento de igualdade proposto. “Vossa excelência foi taxativa ao dizer que nós somos iguais para cumprir a Constituição (com a compreensão que nos fazem plurais), mas que quero registrar que o negro sofre a discriminação de uma forma muito cruel, a mulher é assassinada por ser mulher, e isso tem uma gravidade que não pode ser desconhecida em um sistema democrático plasmado na Constituição brasileira”, afirmou.
Cármen continuou: “Jurisprudências mudam porque se a vida não mudar a escravidão não teria acabado até hoje. ‘Comprei o escravo, paguei, é meu’. ‘Paguei o dote dessa mulher, é minha propriedade’. A mudança faz com que a transformação aconteça no sentido de uma humanização”, disse. “Afirmar que somos iguais e não tomarmos providência não vai nos fazer transformar em um país como o nosso”, complementou.
Após a divergência de ideias, o ministro Nunes Marques foi chamado pela presidente Rosa Weber a proferir o seu voto. O julgamento ainda não foi finalizado e está 5 votos a 2 a favor da competência do município de São Paulo para criar o feriado da Consciência Negra no dia 20 de novembro.
A ADPF 634 foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) e solicitou à Corte a confirmação da constitucionalidade da lei municipal de São Paulo que institui o feriado no Dia Nacional da Consciência Negra. A Confederação pede que o Supremo declare a competência municipal para instituir feriados de natureza cívica com “alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais”. De acordo com a confederação, há diversos entendimentos judiciais sobre a possibilidade do município instituir o feriado, a quem defenda que o feriado tem repercussões na esfera trabalhista e cabe apenas à União legislar sobre o direito do trabalho. Por isso, na visão da confederação, cabe à Corte a uniformização.
A Procuradoria-Geral da República votou pela improcedência da ação por entender que a decretação de feriados civis é tema que produz impacto em relações empregatícias de categorias profissionais e econômicas, com consequências remuneratórias diretas, uma vez que implica fechamento de estabelecimentos comerciais e descanso remunerado para trabalhadores.
A ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, votou pela procedência da ação e pela possibilidade do município decretar feriados de cunho histórico-racial. Segundo a relatora, “a instituição por ente federado local de data de alta significação étnico-cultural como feriado, a exemplo do dia da consciência negra, permite a reflexão, propicia o debate e preserva a memória, dando efetividade ao direito fundamental à cultura. Sob essa ótica, não se há cogitar, portanto, de usurpação de competência da União para legislar sobre direito do trabalho, porque de direito do trabalho não se trata”, afirmou.
Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli e Luiz Fux acompanharam integralmente a relatora.
O ministro André Mendonça foi o primeiro a divergir, por entender que a CNTM não teria legitimidade para ingressar com a ação no Supremo. Além disso, defendeu que a competência para legislar sobre feriados é do Congresso Nacional e não dos municípios. O ministro Nunes Marques o acompanhou.
O julgamento continua na próxima semana.
Flávia Maia – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF). Foi repórter do jornal Correio Braziliense e assessora de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Faz graduação em Direito no IDP. Email: [email protected]
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