Deveríamos ter uma Constituição para o futebol internacional? – Migalhas

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segunda-feira, 19 de dezembro de 2022
segunda-feira, 19 de dezembro de 2022
Atualizado às 09:22
Introdução
Há aproximadamente uma década, conclui uma introdução sobre o Estatuto do Torcedor Brasileiro para um público britânico, que foi publicada pelo periódico Entertainment and Sports Law Journal.1 Como o artigo foi bem recebido e lido, recebi um convite de Jan Peter Schmidt para produzir uma versão em alemão do meu artigo, de modo a fazer uma contextualização do Estatuto do Torcedor Brasileiro para a comunidade de acadêmicos com interesse recíproco no Brasil e na Alemanha e o texto em alemão foi publicado como Das Brasilianische Sportfan Gesetz no Heft 1 do Mitteilung da Deutsch-Brasilianische Juristenvereinigung em 2014, às vésperas da Copa do Mundo realizada no Brasil.2
No mesmo período, recebi um convite para fazer uma apresentação no Max Planck Institut de Hamburgo com reflexões sobre a legislação brasileira no cenário da organização da Copa do Mundo no Brasil. Aquela apresentação serviu como o ponto de partida para a elaboração de um artigo publicado como parte de uma edição especial do Southwestern Journal of International Law, intitulada ‘We The Fans: Should International Football Have Its Own Constitution?‘.3 Após oito anos desde a publicação desses textos, a presente coluna revisita a discussão sobre a constitucionalização do futebol internacional no contexto da Copa do Mundo do Qatar.
A presente coluna põe a seguinte questão para a nossa reflexão: se deveríamos ter uma constituição para o futebol internacional? Mantenho o meu entendimento original, de que seria interessante reproduzir uma estrutura normativa e institucional mais bem definida para estabelecer as instituições – entendidas tanto como as organizações, quanto como as regras do jogo institucional – que mantém o futebol internacional e seu maior espetáculo, que é a Copa do Mundo. Nesse sentido, o objetivo do presente texto é apresentar algumas dessas ideias já trabalhadas em artigos internacionais para o público brasileiro em um texto na língua portuguesa, atualizando os termos do debate a partir de exemplos do torneio recém realizado no Qatar. Assim como nos artigos internacionais, a premissa teórica advém do pluralismo normativo e da possibilidade de que a Lex Sportiva tenha suas regras do jogo institucional constituídas a partir de regras desenvolvidas no âmbito do direito privado global.
Deveríamos ter uma Constituição para o futebol internacional? Uma reflexão a partir de exemplos da Copa do Mundo do Qatar em 2022
A minha perspectiva é de que existem instituições internacionais que são tradicionalmente consideradas de direito privado, mas cujo âmbito de atuação se tornou tão importante para a sociedade global, que deveriam ser estabelecidas constituições para definir as regras do jogo institucional e que reproduziriam a estrutura constitucional com separações de funções políticas, direitos fundamentais e restrições ao poder político que empoderassem atletas, torcedores e cidadãos. Obviamente que a analogia feita entre ‘we the people‘ e ‘we the fans‘ possui limitações, na medida em que não se vislumbra uma assembleia constituinte formada por representantes de todos os torcedores do mundo para elaborar um texto constitucional da Lex Sportiva. Por outro lado, contudo, seria possível conceber o estabelecimento de uma série de regras que poderiam buscar aprimorar a organização do futebol internacional e ampliar a legitimidade do esporte perante os torcedores.
O objetivo do Estatuto do Torcedor Brasileiro foi justamente de proteger os torcedores, buscando ampliar a legitimidade do esporte. Atualmente, por exemplo, existem limitações legais na legislação brasileira para a alteração da fórmula das competições, de modo a evitar que decisões populistas de dirigentes desportivos promovam uma ‘virada de mesa’ e mudem o formato do campeonato para facilitar o acesso de um time rebaixado para a sua próxima edição. Ora, no caso do futebol internacional não existe nenhuma regra equivalente e tem se verificado uma tendência de ampliação do número de seleções, o que têm prejudicado a qualidade técnica da competição e dos jogos disputados. Em 2026, haverá uma Copa do Mundo com 48 seleções em um formato que prioriza a dinâmica política da FIFA em detrimento do critério técnico e da qualidade do futebol a ser disputado.
Outra regra importante do desporto brasileiro define o sorteio da arbitragem para as partidas de futebol, de modo a evitar suspeitas de eventual escolha de árbitros que poderiam ter algum viés e influenciar o resultado de uma partida. No caso da Copa do Mundo, seria interessante criar uma série de freios e contrapesos normativos para se evitar decisões arbitrárias sobre a escalação de árbitros. Na Copa do Qatar, por exemplo, o comentarista Galvão Bueno criticou a escolha de um árbitro inglês para a partida entre Brasil e Croácia, pelo fato de a Inglaterra continuar na Copa do Mundo e o árbitro poderia ter um viés contrário à seleção mais forte. O craque argentino Lionel Messi criticou a arbitragem europeia na partida entre sua seleção e a Holanda. Por outro lado, jogadores ingleses criticaram a arbitragem brasileira nas quartas-de-finais em que a Inglaterra foi eliminada pela França. Regras institucionais deveriam proibir que árbitros da mesma Federação Regional apitassem partidas com a presença de uma seleção daquela mesma região, de modo a que um árbitro europeu não deveria apitar uma partida da Holanda ou da Croácia. Além disso, deveria se evitar que a partida de uma seleção favorita ao título fosse apitada por um árbitro da nacionalidade de outra seleção favorita ao título. Também seria importante desenvolver um mecanismo de sorteio para evitar críticas de eventual direcionamento de árbitros pela Comissão de Arbitragem. São regras do jogo que dariam mais segurança para atletas, torcedores e os próprios árbitros.
Com relação aos direitos dos torcedores, atletas e cidadãos, também seria importante que se definisse um catálogo de direitos fundamentais que viabilizasse o exercício de suas liberdades fundamentais. Um exemplo pródigo disso advém da proibição que vedava manifestações de pensamento no período da Copa do Mundo no Qatar, merecendo destaque a crítica formulada pela seleção da Alemanha de que teria sido censurada em sua manifestação de apoio aos direitos de minoria devido à orientação sexual. Igualmente, às vésperas da Copa do Mundo, foi feita alteração nas regras relativas ao consumo de bebida alcoólica por torcedores, tornando mais difícil para a maioria do público a possibilidade de comprar cerveja para assistir a uma partida de futebol. Tais restrições à liberdade de expressão e à liberdade geral de consumo evidenciam a importância de uma definição de um catálogo de direitos constitucionais dos torcedores que deveriam ser institucionalizados pela FIFA e protegidos no contexto da organização da Copa do Mundo.
Finalmente, também seria importante que a FIFA criasse mecanismos de governança e de compliance para servir de apoio à escolha das sedes e para assegurar que a construção dos estádios de futebol não seja feita com métodos violadores de direitos humanos, insustentáveis do ponto de vista ambiental e suscetíveis de corrupção. Particularmente no caso do Qatar, ocorreram notícias de que os estádios teriam sido construídos por operários em péssimas condições de trabalho. Além disso, a organização decidiu pela construção de vários estádios de futebol em um território reduzido. Parte dos estádios será desativada logo após a realização da Copa do Mundo, por falta de público e pela redundância da construção, pois a população já é atendida por outros estádios de futebol existentes nas proximidades. Além disso, se a escolha pela Rússia para sediar a Copa de 2018 já foi criticada pela perspectiva de supressão de liberdade de expressão e das liberdades fundamentais em geral, também existem motivos para que a FIFA evitasse o Qatar devido às restrições a direitos fundamentais de minorias.
Uma Constituição para o futebol internacional seria um exemplo da constitucionalização do direito privado global. Trata-se de um fenômeno identificado no âmbito das novas tecnologias no cenário de emergência de uma lex internetica e no âmbito do direito comercial no cenário de desenvolvimento de uma lex mercatória. Para Gunther Teubner, trata-se de uma fragmentação constitucional, em que são reproduzidas normas constitucionais como substitutas de normas de direito privado que regulavam a internet, o comércio e o esporte internacional.4 Ao longo dos últimos anos, a FIFA vem desenvolvendo novas instituições para enfrentar a crise de legitimidade sofridas com escândalos de corrupção, tendo elaborado seu Código de Ética e um Comitê de Ética Independente que adotou medidas rigorosas de controle e punição de dirigentes internacionais. Ora, tais iniciativas poderiam, em tese, ser ampliadas, de modo a que sejam incorporadas novas regras que possam aprimorar a escolha de sedes de Copa do Mundo, a construção dos estádios de futebol, a separação entre funções executivas, normativas e adjudicantes no futebol internacional, mecanismos de governança e de compliance, sorteio de árbitros, liberdade de expressão e direitos fundamentais dos torcedores, atletas e cidadãos.
Considerações finais
No final, o objetivo da presente coluna foi discutir se devemos ter uma Constituição para o futebol internacional. Se a ideia de uma constitucionalização do direito privado global parece heterodoxa pela perspectiva do positivismo jurídico kelseniano ou hartiano,5 a perspectiva realista do pluralismo normativo concebe a existência de ordens normativas formadas por cadeias normativas transnacionais de direito privado global como a lex sportiva, lex internetica e a lex mercatória.6 Nesse sentido, a constitucionalização do esporte internacional poderia ser justificada pela possibilidade de aprimoramento das organizações e das regras do jogo institucional. Nesse contexto, a Copa do Mundo do Qatar oferece uma série de exemplos relativos à fórmula do campeonato, sorteio de árbitros, liberdade de expressão, liberdade geral de consumo e mecanismos de governança e de compliance.
FORTES, Pedro R. The law relating to Brazilian sports fans: An introduction for a British audience. ESLJ, v. 11, p. 1, 2013.
2 Disponível aqui
3 FORTES, Pedro Rubim Borges. We The Fans: Should International Football Have Its Own Constitution. Sw. J. Int’l L., v. 21, p. 63, 2014.
4 TEUBNER, Gunther. Fragmentos constitucionais: constitucionalismo social na globalização. São Paulo: Saraiva, p. 27, 2016.
5 KELSEN, Hans. Pure theory of law. Univ of California Press, 1967; HART, Herbert Lionel Adolphus. The concept of law. oxford university press, 2012.
6 TWINING, William. Normative and legal pluralism: a global perspective. Duke J. Comp. & Int’l L., v. 20, p. 473, 2009; TAMANAHA, Brian Z. Understanding legal pluralism: past to present, local to global. In: Legal Theory and the Social Sciences. Routledge, 2017. p. 447-483.

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