Com regulamentação, lobby terá o desafio de se distinguir da … – Jornal Opção

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19/12/2022
02 dezembro 2022 às 20h17
No Brasil, a atividade em que empresas, entidades, pessoas físicas, segmentos da sociedade agem para viabilizar interesses próprios ou de terceiros nos parlamentos e nos governos, chamada de lobby, está em processo de regulamentação. O projeto de lei elaborado pelo Poder Executivo foi aprovado pela Câmara dos Deputados, na terça-feira, 29, segue para apreciação do Senado e, depois, para sanção do presidente da República. Defensores da profissão lamentam que a atuação de lobista seja apenas veiculada de forma pejorativa pela imprensa, sendo sempre associada com atividades escusas, ilegais e ilícitas. Eles ressaltam que dentro da legalidade e ética existe a defesa de interesses legítimos. 
Assim, o desafio dos profissionais da área será distinguir a atividade com a corrupção. Os maiores escândalos revelados e divulgados pela mídia citam a atuação de lobistas envolvidos em esquemas de desvios de recursos públicos por meio de cooptação de servidores, os quais exercem influências. Os casos mais recentes foram de pastores que mediavam acordos entre prefeitos diretamente com o ministro da Educação (MEC), também pastor, Milton Ribeiro. O escândalo teria acelerado a regulamentação do lobby. “Existe muita desinformação. Já evoluímos muito nesse aspecto, mas ainda há muito chão pela frente. Essa desinformação na maioria das vezes esteve associada à confusão conceitual entre o que é lobby e o que é corrupção. São coisas diferentes, mas que eram tratadas como iguais”, pontua Eduardo Galvão, professor de Relações Governamentais e de Políticas Públicas no Ibmec e fundador do Pensar RelGov.
Eduardo Galvão é coordenador do projeto Lobby Social, juntamente com Ricardo Caichiolo, PhD. O movimento surgiu no Ibmec DF, tendo como propósito de resgatar a prática do lobby como instrumento de defesa de interesses sociais. Ele cita que a iniciativa foi alinhar ações pro bono à defesa de interesses não econômicos relacionados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Cabe ressaltar que a tentativa em melhorar a imagem do profissional lobista ganhou força após a operação Lava Jato. Em 2019, na cidade de São Paulo, aconteceu o primeiro Congresso de Relações Governamentais (ConRelGov).

O nome foi uma alternativa para afastar o termo lobby que é pejorativo. Ao todo, participaram 197 representantes de algumas importantes corporações como Porto Seguro, Cielo, Ambev, Roche, Syngenta e Dow Chemical. Foram dois dias de palestras que deixaram evidentes que os lobistas brasileiros buscavam jogar luz sobre a própria atuação. Os participantes são pertencentes de duas entidades: a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), fundada em 2007, e o Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), em 2015. No site do instituto, um dos pilares de atuação é valorizar a profissão de relações governamentais.
“Mas são a boa conduta e os bons exemplos que trarão uma percepção mais positiva da opinião pública”
O Irelgov exalta o conceito da “reputação”. O motivo não deixa de ser uma preocupação da categoria diante da receptividade negativa da população. Para se ter ideia, uma pesquisa realizada pela instituição em 2017, com 157 lobistas, cita que 66% dos entrevistados responderam acreditar que a profissão não é bem avaliada pela opinião pública. “A definição em lei ajudará a diluir essa confusão e dar mais legitimidade e a transparência permitindo uma melhor compreensão dos processos”, acredita Galvão. “Mas são a boa conduta e os bons exemplos que trarão uma percepção mais positiva da opinião pública”, aconselha.
Embora tenham a percepção que não são bem vistos pela sociedade, os lobistas se convencem da legitimidade do ofício. É que a Constituição Federal, no artigo 5, assegura o direito à petição aos Poderes Públicos. Amparados nessa prerrogativa, a maioria deles tem livre trânsito no Congresso Nacional, por exemplo. Lá, eles fazem questões de falar abertamente sobre o trabalho, o qual é considerado “essencial à democracia”. Isto é, tentam manter distante o estereótipo de que são negociadores ocultos e acordos feitos nos bastidores, como em muitos casos se revelam em reportagens.
O PL aprovado pelos deputados define o lobby como representação de interesse a ser exercido por pessoa natural ou pessoa jurídica. Seja por interação presencial ou telepresencial com agente público, dentro ou fora do local de trabalho, com ou sem agendamento prévio. No entanto, a partir da sanção da lei, os encontros vão precisar de um cadastro nos os órgãos públicos, sendo informado previamente a identificação dos participantes. A proposta aprovada na Câmara teve um substitutivo do relator, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), ao Projeto de Lei 1202/07, do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). O autor do texto acredita que isso irá dar transparência nas relações entre o setor privado e o setor público “Queremos que o povo brasileiro, o eleitorado brasileiro, conheça a atuação do setor privado e saiba com quem no setor público se conversa para discutir projetos de lei, decisões administrativas e decisões políticas”, afirmou.
Em relação a presentes, oferta de bem, serviço ou vantagem de qualquer espécie aos agentes públicos, o projeto permite apenas brinde, obra literária publicada ou hospitalidade definida como legítima e destinada a pagar despesas com transporte, alimentação, hospedagem, cursos, seminários, congressos, eventos e feiras com recursos do agente privado cujo interesse está sendo representado. “É importante que o resultado traga transparência aos processos, que garanta o acesso de grupos menos favorecidos e a isonomia de tratamento para lobistas públicos e privados e que não crie reserva de mercado. Nossa democracia pressupõe a participação social ampla e plural. Quanto mais democrático for o debate, melhores serão as políticas públicas que dele resultarão”, entende Galvão.
Durante a tramitação do projeto na Câmara, um grupo de mais de 50 entidades, como a Transparência Internacional e Pacto pela Democracia e Observatório do Clima, enviou sugestões de alteração. No entanto, as entidades informaram que nenhuma foi acatada no texto final. Porém, ao Jornal Folha de S.Paulo, profissionais vinculados a essas instituições revelaram que as alterações haviam sido acatadas no relatório elaborado pelo deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público. Apensar disso, o relatório não avançou devido à aprovação de um requerimento de urgência na Casa, fazendo com que o projeto fosse encaminhado direto ao plenário.
As entidades reclamam, alegando que foi ignorado o trabalho realizado na comissão a partir do diálogo com a sociedade civil. Assim, o texto passou regulamentando critérios para a atuação de lobby com a divulgação de agendas com agentes públicos. Outra regra, obriga que os órgãos públicos publiquem informações acerca das audiências realizadas com lobistas. Além disso, os participantes precisam se identificar, ser feita a descrição prévia do assunto e o propósito do interesse a ser representado. Mas, a proposta pode passar por alterações ainda no Senado até retornar às mãos do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Antigo debate
Em 2016, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados chegou a aprovar o Projeto de Lei 1.202/2007, que neste processo foi apensado à proposta apresentada por Bolsonaro (PL 4.391/2021). Em 2018, o Ministério do Trabalho incluiu a atividade de lobista na lista da Classificação Brasileira de Ocupações. Isto é, a atividade foi reconhecida como profissional de relações institucionais e governamentais. A função se enquadra como “defensor de interesses”. “A regulação do Lobby no Brasil vem de um processo longo de discussão com especialistas e sociedade civil. Esse longo período trouxe ainda um amadurecimento político da sociedade, fortalecimento das instituições democráticas e uma evolução tecnológica que permitem hoje uma norma muito mais assertiva. Dessa forma será possível trazer transparência e isonomia à participação social no debate e construção de políticas públicas”, relembra Galvão.
Lafayette de Andrada ressaltou que a aprovação da proposta é uma cobrança da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) ao Brasil. “Este projeto de lei trata de regulamentar a representação de interesses, que acontece todos os dias e é regulamentada em todos os países avançados. A OCDE cobra do Brasil uma legislação sobre o tema”, salientou. De acordo com o deputado, a ausência de normatização no Brasil é baseada em “preconceitos” contra o lobby. “Criou-se preconceitos contra essa palavra, como se fosse algo do mal, mas são atividades legitimadas. A representação de interesses é republicana, democrática e é necessária. Quando nós estamos aqui legislando sobre qualquer assunto, é óbvio que temos de escutar a parte da sociedade que está envolvida na legislação”, acrescentou.

Pelo projeto, o lobby exercido em nome de entidades de classe, de instituições nacionais e estaduais da sociedade civil, de organização sindical ou de associação legalmente constituída por si serão considerados representações profissionais de interesse. Dessa maneira, a representação profissional pode ser exercida por agente público em nome de órgãos autônomos (agências regulatórias, por exemplo), autarquias, fundações públicas e órgãos da administração indireta. “A redação aprovada foi bastante eficaz e correta ao conferir tratamento isotônico entre lobistas públicos e privados. Todos estão com igual tratamento segundo o projeto aprovado na Câmara, como deve ser. Qualquer tipo de privilégio deturpar o debate democrático, criaria reservas de mercado e acarretaria desequilíbrio nas próprias políticas públicas. A participação isonômica e transparente nos fará evoluir politicamente em nossa democracia,” exaltou Eduardo Galvão.
Penalidades
O PL elenca as penalidades e infrações contidas tanto por agentes públicos quanto para os lobistas. Para os servidores públicos e ocupantes de cargos na administração, o substitutivo prevê penalidades que vão de advertência e multa até demissão ou exoneração. As infrações abrangem os casos de divulgações de informações incorretas ou omissões de encontros, usufruto de hospitalidades como aceitar vantagens fora das regras da lei, atuar de modo a constranger ou assediar participantes de eventos de interação. Isso pode resultar em punição de advertência se o ato resultar em reduzida lesividade ao interesse público. Nos casos de reincidência das infrações ou exercício de lobby incompatível com o cargo pode provocar a suspensão de 30 a 90 dias se houver reduzida lesividade, mas havendo lesividade, a pena é com demissão, exoneração ou cassação de aposentadoria. Esta punição é determinada para casos de assédio sexual, preconceito a raça e outras formas de discriminação de direitos e liberdades fundamentais.
Para o lobista, o texto enumera seis situações em que podem ser aplicadas penalidades. Prometer ou dar vantagem, bem ou serviço fora das situações previstas (brinde e hospitalidade); atuar como intermediário do representado ou de terceiros para realizar ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la. O representante está sujeito a suspensão de 30 a 90 dias, se já tenha sido advertido; e a de 12 a 24 meses aos já suspensos em uma primeira vez.
A punição por quebra das regras instituído pelo projeto foi alvo de criticas. Para a assessora jurídica do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula Batista, a regulamentação deve proporcionar a transparência e o amplo acesso. Segundo ela, criar penalizações desproporcionais irá enfraquecer a participação, a pluralidade de ideias e o debate democrático. “Esperamos que o Senado corrija os pontos problemáticos”, defende. O texto determina a criação de uma comissão para julgamento dos casos de infração, tendo como presidente o mesmo que comanda a Casa Legislativa. As penas variam de multa a suspensão para o lobista infrator.
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