Política sempre está à frente da Economia – Jornal do Brasil

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Por GILBERTO MENEZES CÔRTES
Os quatro anos da tumultuada gestão de Jair Bolsonaro, que nunca soube fazer política com P maiúsculo, deturparam o real sentido na negociação política entre nós. Muita gente acreditou e ainda acredita na ideia da “nova política”, em substituição à “velha política” (personificada do “toma-lá, dá-cá” do centrão), cujos arautos eram o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno. Bolsonaro achava (e ainda crê) que a proteção dos militares dispensava a política. E mais do que isso, a harmonia entre os três poderes da República: Executivo, Legislativo e o Judiciário, que tem no Supremo Tribunal Federal o guardião da Constituição, e, portanto, a última palavra entre os três Poderes.

O general chegou a cantarolar, na campanha de 2018, “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão”, parodiando o rap de Bezerra da Silva. E Guedes bradava pela “nova política”. Mas a verdade é que o grande trunfo entre as reformas tiradas da cartola por Paulo Guedes – a da Previdência (desidratada na largada com a exceção exigida por Bolsonaro para os militares) -, só foi aprovada no Congresso, a partir da negociação política conduzida pelo então Secretário especial para a Previdência, Rogério Marinho, em estreita colaboração com o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) que se empenhou a fundo pelas mudanças na Previdência. As bancadas temáticas (a da “bala”, a do “agronegócio”, a “evangélica”, e “médica” entre outras) não tinham articulação nem unidade política para garantir votos.

Assim, após a eleição de Arthur Lira (PP-AL), o governo Bolsonaro abriu alas para o Centrão, com o PP, na condição de mestre-sala, fazendo evoluções na avenida (ou melhor, na Esplanada dos Ministérios), enquanto Bolsonaro se desligava do PSL, que o elegeu. Na nova correlação de forças, os partidos que gravitavam em torno do centrão, como o Republicanos (que representa a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo) e o PL, do notório Valdemar Costa Neto, passaram a dar as cartas. O general Heleno teve de dividir espaço no Palácio do Planalto com o presidente do PP e um dos líderes do centrão, o senador licenciado (PP-PI), Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil.

Em troca de arquivar mais de uma centena de pedidos de “impeachment” contra Jair Messias Bolsonaro, Lira ganhou a ampliação do uso de verbas públicas, através do Orçamento Secreto, sob o artifício das “Emendas do Relator”, cargo escolhido em meio a barganha política.

Com a chancela de segredo, como centenas de atos do presidente da República, resguardados por “sigilo” de 100 anos (o que pode ser anulado no governo Lula), Lira e seus aliados foram inchando as emendas do Relator (originalmente concebidas para corrigir erros e omissões do Projeto de Lei do Orçamento Anual (PLOA), que saltou de R$ 6 bilhões a acima de R$ 19,4 bilhões em 2023. Recursos jorravam nos currais eleitorais de deputados amigos ou com postos chave na liderança dos partidos aliados a Bolsonaro e a Lira. Enquanto isso, faltavam verbas para a merenda e o transporte escolar, além de recursos para emissão de passaportes, custeio das universidades federais, o Minha Casa, Minha Vida e o programa Farmácia Popular. Com ajustes, a farra seria mantida, de 2023 a 2026, com Bolsonaro reeleito e Lira em novo mandato de dois anos à frente da Câmara em fevereiro de 2023.

O eleitor preferiu a volta de Lula à continuação de Bolsonaro, mas o presidente da Câmara acreditou que continuava com a faca e o queijo na mão (como o orçamento de 2022 ainda tem um rombo de quase R$ 25 bilhões e a proposta de (Bolsonaro e Lula) manter em 2023 em R$ 600 o valor do Auxílio Brasil (Lula apenas mudaria novamente o nome para Bolsa Família), além de aumento real para o salário mínimo (Bolsonaro prometeu R$ 1.400, mas, nas contas de Lula, mesmo com aumento real – devido ao corte artificial da inflação, por Paulo Guedes – o valor ficará bem abaixo de R$ 1.400, seria preciso ampliar o teto de gastos em 2023.

Como bom alagoano do sertão, a faca de Lira não era a apropriada – e, por vezes, inofensiva, faca de cortar queijo -, mas a velha peixeira, com a qual os “cabras” resolvem pendências. Acontece que Lula tem a mesma têmpera sertaneja. Pernambucano de Garanhuns, criado na vida sindical do ABC, onde burilou a arte das negociações junto a grandes multinacionais, expertise que levou para a vida política ao criar o PT, Lula ficou cada dia mais escolado na negociação política e na arte da paciência, depois de exercer oito anos da presidência da República e amargar 580 dias de prisão, em Curitiba.

Embora alegue nunca ter ultrapassado as “quatro linhas” que determinam a Constituição, Bolsonaro jamais fez questão de negociar com os outros dois poderes da República. E ainda quis peitar o Supremo transformando em ameaça real o que parecia um inconsequente “post” do filho 03, na campanha, quando o deputado Eduardo Bolsonaro disse que “bastava um jipe, um cabo e um soldado para fechar o STF”.

Bolsas de apostas

Lira, embarcou na fantasia. Mas agora sentiu que, dentro do Estado Democrático de Direito (que defendeu ao proclamar a lisura da eleição de Lula na noite de 30 de outubro de 2022) que a “última palavra é do Supremo”. E o STF, por maioria de 6 votos a 5, declarou o Orçamento Secreto “inconstitucional”. No domingo, uma liminar do decano do STF, o ministro Gilmar Mendes, considerou que o pagamento do Bolsa Família, conforme ementa de 2021, fica fora do texto do Orçamento. O mercado vinha apostando mais em Lira do que em Lula.

Como não se tem a íntegra da decisão de Gilmar Mendes, não está totalmente claro se o que foi retirado do teto do gasto foi o total de recursos necessário para pagar o programa como um todo, ou seja, R$ 168 bilhões, se apenas os recursos para pagar os R$ 200,00 adicionais para manter o valor da transferência em R$ 600,00, R$ 52 bilhões, ou se estaria também incluído o adicional de R$ 150 para crianças com 6 anos ou cerca de R$ 17 bilhões.
Se o entendimento for o mais amplo, o novo governo poderá pedir um crédito extraordinário para financiá-lo (ou a parte que falta) e, desta forma ficar menos exposto às pressões dos partidos do centrão por cargos no futuro governo, para aprovar a PEC da Transição. A redação aprovada no Senado deixou fora do teto de gastos R$ 145 bilhões nos orçamentos de 2023 e 2024 para bancar despesas como Bolsa Família, Auxílio Gás e Farmácia Popular, entre outros.

Segundo o senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator-geral do Orçamento para 2023, R$ 70 bilhões serão destinados ao Bolsa Família (R$ 600 por mês mais uma parcela adicional de R$ 150 para cada criança de até 6 anos de idade em todos os grupos familiares atendidos pelo programa). O extra teto complementa o montante já previsto na OGU 2023 que daria para pagar um benefício de R$ 405. Os outros R$ 75 bilhões, segundo o relator, poderiam ir para despesas de políticas de saúde (R$ 16,6 bilhões), como o programa Farmácia Popular e o aumento real do salário-mínimo (R$ 6,8 bilhões).

Algodão entre cristais

Para não comprar uma briga direta com Arthur Lira e azedar a votação da PEC da Transição, que permite, (embora a liminar de Gilmar tenha sido um “by pass” preventivo), o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um homem de fácil negociação, se reuniu nesta manhã com Lira para reiterar a disposição do governo de não se apropriar de espaço orçamentário das emendas do Congresso. Apenas acataria a decisão do STF.

Há uma corrida contra o relógio. O governo pediu, e o Senado concedeu, espaço de dois anos com gastos extras de R$ 145 bilhões fora do teto. Mas a Câmara, em retaliação, pode não só reduzir o valor como limitar o perdão ao Orçamento de 2023. Qualquer mudança no texto exigiria nova votação no Senado e posterior ratificação da Câmara. E o Congresso só irá operar até 5ª feira, 22, pois entra em recesso dia 23, 6ª feira. Segundo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a casa votaria um novo texto, se necessário, ainda hoje.

O governo aceita reduzir o horizonte para 2023, em troca de botar o “ovo em pé” para o 1º ano de governo. Aré 31 de agosto de 2023, quando teria de apresentar a nova proposta para o OGU de 2034, muita água já terá corrigo por baixo da ponte e a negociação política terá avançado. Quem sabe com nova composição na Mesa da Câmara e do Senado, a serem eleitas em 1º de fevereiro, selando nova correlação de forças no Congresso?

Parodiando a incrível decisão da Copa do Catar de 2022, entre França e Argentina, rirá melhor quer rir por último.

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