PEC da Intolerância Política pode abrir brecha para ativismo e … – USP
A proposta de emenda à Constituição vem em um momento político delicado. Dentre os signatários, estão nomes como Simone Tebet (MDB-MS), José Serra (PSDB-SP) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
No dia 29 de novembro o senador Renan Calheiros (MDB/AL) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição, que prevê a mudança do artigo 102 da mesma, para que junto com as outras funções do STF seja adicionada à competência exclusiva do Poder Judiciário julgar crimes contra o Estado Democrático de Direito. A PEC da Intolerância Política (PEC 35/2022) estabelece tipos e penalidades para aqueles que agirem contra a democracia. Isso inclui, inclusive, aqueles que não têm foro por prerrogativa de função, ou seja, o foro privilegiado.
Na justificativa para a proposta, o senador destaca que as condutas que atentam contra o Estado Democrático de Direito são ”orquestradas, com potencial de se espalhar por todo o território nacional” e puderam ser vistas nas manifestações “protofascistas” que não aceitam o resultado das eleições de 2022 que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva. Diz, além disso, que os ataques “partiram do próprio presidente da República, que veio alimentando a desconfiança em relação ao processo eleitoral durante todo o seu mandato”. Por fim, reconhece que a única instituição capaz de fazer a defesa e “reagir com rigor e coesão necessários” é o Supremo Tribunal Federal, denominado pelo senador como “o melhor refúgio para a democracia brasileira.”
A PEC vem em um momento de instabilidade política em que diversas manifestações tomam as ruas, contestando, na maior parte das vezes, o resultado eleitoral deste ano. Somado a isso, ainda estão em vigência os inquéritos sobre os atos antidemocráticos e das milícias digitais, comandados por Alexandre de Moraes. No último dia 15, o ministro determinou uma megaoperação com 103 medidas de busca e apreensão, quatro ordens de prisão e quebras de sigilo bancário, bloqueio de contas bancárias e de perfis em redes sociais. “O STF tem se especializado, nesses últimos anos, a tratar desse tema de ataques à democracia e ao Estado de Direito, por meio desses inquéritos, com a figura do Alexandre de Moraes. Eu acredito que essa proposta vem mais no sentido de propor um debate para a sociedade brasileira e para os parlamentares em relação ao que fazer com a herança desses ataques à democracia”, diz Eduardo Araújo Couto, doutorando em Ciência Política na FFLCH-USP.
Essa atuação do Poder Judiciário tem causado discordâncias entre deputados, senadores e parte da sociedade civil, que vê as medidas como ativismo judicial. O professor titular de Direito Constitucional e chefe do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, Elival da Silva Ramos, explica que “ativismo [judicial] significa ir além do que a Constituição permite no exercício da função, então, é quando o juiz deixa de ser juiz e passa a ser legislador, passa a ser outra coisa”.
Esse problema, segundo o professor, acontece pelo excesso de competências por parte do Supremo. Para ele, muitas funções exercidas pela corte máxima do País deveriam ser delegadas aos outros Poderes. A PEC proposta por Calheiros vai na contramão e aumenta a atuação do Poder Judiciário, o que pode vir a representar uma brecha para uma atuação ativista. Em sua avaliação, a segurança jurídica do País também pode ser comprometida: ela existe quando há uma previsibilidade de entendimento e aplicação das leis, assim como quais serão as consequências decorrentes caso não venham a ser cumpridas. “A segurança jurídica é irmã do ativismo. Quando você dá muito poder ao Supremo e ele resolve não usar mais critérios, mas assume o papel do ‘eu sou o salvador da democracia no Brasil’, aí a insegurança jurídica está instalada”, diz.
Vale lembrar que a Lei Nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, que acrescenta o Título XII à parte especial da Lei nº 2.848, de 1940 – que regulamenta os crimes contra o Estado Democrático de Direito –, e que revogou a Lei de Segurança Nacional já prevê quais ações são consideradas crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Ramos ainda situa o Brasil em uma espécie de adolescência institucional: “Estamos longe ainda da maturidade, porque uma das características da adolescência é você tentar resolver tudo ao mesmo tempo, sem grande separação de método. As instituições maduras são aquelas em que cada uma tem o seu papel. O Supremo trabalha, hoje, de maneira monocrática, o que acaba sendo praticamente uma pessoa”.
Atualmente, a PEC está aguardando designação do relator da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, dos 159 votos populares que indicam aprovação popular ou não da proposta, 147 votaram não.
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Por Dirce Maria Lobo Marchioni, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, e Cláudia Maria Bógus, professora da FSP-USP e membro do Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP*
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Por Cremilda Medina, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP