Corrupção, prevenção e desigualdade (7) – Diário do Poder
Nesta série de textos abordarei, de forma sucinta, vários temas relacionados com um dos mais relevantes problemas da realidade brasileira: a corrupção sistêmica. Não é o maior dos nossos problemas (a extrema desigualdade socioeconômica ocupa esse posto). Também não é momentâneo ou transitório (está presente em todos os governos, sem exceção, desde que Cabral chegou por aqui). Não está circunscrito a um partido ou grupamento político (manifesta-se de forma ampla no espectro político-partidário). Não está presente somente no espaço público (a corrupção na seara privada é igualmente significativa). Não será extinta ou reduzida a níveis mínimos com cruzadas morais ou foco exclusivo na repressão (será preciso uma ação planejada, organizada e institucional em torno de uma série de medidas preventivas). Não obstante esses traços característicos, tenho uma forte convicção. A construção de uma sociedade democrática, justa, solidária e sustentável, centrada na dignidade da pessoa humana em suas múltiplas facetas e manifestações, exige um combate firme, consistente e eficiente a essa relevantíssima mazela do perverso cenário tupiniquim.
Existem quadrilhas de corruptos especialmente maléficas atuando no seio do Poder Público (federal, estadual, distrital e municipal). São aquelas capitaneadas e protegidas por fortes forças políticas. Nesses casos, as cúpulas criminosas criam e protegem os “esquemas” e seus integrantes. Exatamente por essa razão recebem a maior parte do butim. A proteção em questão vai da anulação de pressões dentro da Administração Pública (sempre aparecem os malditos “certinhos”) até o apoio técnico-jurídico em processos administrativos disciplinares, procedimentos junto às cortes de contas e demandas judiciais, em especial as ações de improbidade administrativa e as ações penais.
Normalmente, as forças políticas responsáveis pelos “esquemas”, utilizando sua enorme influência junto aos governantes instalados nas altas esferas da Administração Pública, indicam seus operadores (“pessoas de confiança”) para posições-chaves na máquina administrativa (em cargos de confiança, principalmente). Esses postos estão ligadas aos procedimentos de definição e especificação das necessidades administrativas (o que, quanto, quando e como adquirir), às ações de aquisição (dispensa e inexigibilidade de licitação, contratações emergenciais, as várias modalidades de licitação, etc), os atos de fiscalização da execução dos contratos e os empenhos e pagamentos. Perceba-se que essas são as etapas necessárias para viabilizar a transferência de recursos pecuniários dos cofres públicos para os cofres particulares.
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Entre as variadas formas de influências utilizadas pelas “quadrilhas políticas”, o manejo da força parlamentar merece destaque e atenção. A força do mandato parlamentar, que vota a lei orçamentária, emendas à lei orçamentária, inúmeros projetos de interesse governamental e até mesmo o afastamento do governante máximo (impeachment), é monumental. Esses caminhos, das “pressões” de certos parlamentares para construir e azeitar o “mecanismo” da máquina pública, são quase insuperáveis.
As indicações parlamentares para a ocupação de certos cargos públicos cria servidores intocáveis e, mais, setores ou a áreas da Administração Pública imunes às definições e ações de ministros de Estado e secretários estaduais, distritais e municipais.
Vale mencionar uma curiosa situação mais comum do que seria de se imaginar. Trata-se do governante, normalmente chefe do Poder Executivo, que se apresenta implacável com a corrupção e as malversações da coisa pública. Ocorre que uma análise cuidadosa, com as informações e identificação das vinculações estabelecidas, demonstra uma ação seletiva dessas figuras. Todo e qualquer esquema de corrupção sem a participação do “chefe” é duramente combatido, denunciado e desarticulado. Os outros, aqueles “de casa”, são protegidos de todas as formas possíveis. Esse comportamento sinaliza como devem agir os gestores com pretensões de criar e manter algum mecanismo escuso e “lucrativo” dentro da Administração Pública. Marque uma reunião “preventiva” com o chefe …
Existe um nefasto objetivo bem definido em inúmeras ações “enérgicas” contra os malfeitos. Além da questão antes referida (esquemas “de casa” versus esquemas “atrevidos” de fora do círculo principal de poder), busca-se uma inusitada mudança de foco. Exonerar duas dezenas de ocupantes de cargos comissionados de terceiro e quarto escalões desvia o foco de atenção da imprensa e da sociedade em geral para os integrantes graduados, dos primeiro e segundo escalões, das engrenagens voltadas para a prática dos ilícitos de toda ordem.
Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e Procurador da Fazenda Nacional.
Poder, política e bastidores, sem perder o bom humor. Desde 1998.