Pelé, a história do maior gênio do futebol mundial (1ª parte) – Jornal Opção

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25/12/2022
25 dezembro 2022 às 00h00
Pelé é um dos poucos que contrariaram a minha teoria: em vez de 15 minutos de fama, ele terá 15 séculos. — Andy Warhol
“Pelé — A Autobiografia” (Sextante, 298 páginas, tradução de Henrique Amat Rêgo Monteiro), de Edson Arantes do Nascimento, é, de certa maneira, uma hagiografia. Mas não é ruim; pelo contrário, é ricamente informativa. Escrita por Alex Bellos (inglês) e Orlando Duarte, com o apoio de Pelé, chega a ser lírica, inclusive no registro de uma certa inocência do jogador que, aos 16 anos, era craque de futebol e, aos 17 anos, já brilhava na seleção. Há histórias muito boas, e bem contadas por redatores de primeira linha.
As histórias do livro, publicado em 2006, são relatadas por Pelé na primeira pessoa.
Edson nasceu em 23 de outubro de 1940, há 82 anos, em Três Corações, Minas Gerais. “Nasci pobre, em uma casinha de tijolos de segunda mão.” Seus pais eram João Ramos do Nascimento, o Dondinho, e Celeste. Seu tio Jorge, quando o viu pela primeira vez, no dia do nascimento, disse: “Com certeza ele é bem preto!” Tocando as pernas do bebê, o pai acrescentou: “Este aqui vai ser um grande jogador de futebol”.
Centroavante do Atlético de Três Corações, Dondinho decidiu chamar o menino de Edson “em homenagem a Thomas Edison, o inventor da lâmpada elétrica”. A eletricidade havia acabado de chegar na cidade. Pelé é Edson, mas, na certidão de nascimento, é Edison, como o americano.
Jogando pelo Atlético Mineiro, Dondinho, por ter lesionado um joelho, voltou a ser biscateiro em Três Corações. Em 1944, foi convidado para jogar num time de Bauru, o Lusitana (depois, Bauru Atlético Cube, o BAC).
Com problemas no mesmo joelho, Dondinho acabou encerrando a carreira de jogador. “Zoca, Maria Lúcia [irmãos de Pelé] e eu andávamos sempre descalços e usávamos roupas de segunda mão. (…) Em várias ocasiões, a única refeição que a minha mãe tinha para nos servir era pão com uma fatia de banana.”
Aos 7 anos, Edson juntou dinheiro, com o apoio do tio Jorge, e montou uma caixa de engraxate. A mãe o matriculou numa escola, onde não era bom aluno. O que o menino queria mesmo era jogar bola nas ruas e terrenos baldios. Por sinal, quando já estava no Santos, chegou a assinar seu nome acrescentando uma palavra: “Edson Arantes do Nascimento Bola”.
Menino, Edson dizia aos colegas: “Um dia, vou ser tão bom [jogador] quanto o meu pai”. Porém, por ser “magro demais”, às vezes era rejeitado pelos times.
Por falta de recursos financeiros, a meninada enchia uma meia com papel ou retalhos de pano e, pronto, tinha uma bola. “As ‘traves’ eram feitas de um par de sapatos velhos de cada lado.”
Desde criança, Edson “desenvolveu o prazer de controlar a bola, fazendo-a ir para onde queria, na velocidade que queria. (…) Logo jogar futebol era mais do que um mero passatempo: virou obsessão”.
Para comprar uma bola e uniforme, Edson e um grupo de garotos decidiram roubar amendoim nos armazéns da [ferrovia] Sorocabana para vender na porta do circo e do cinema. Eles formaram o time Sete de Setembro, conhecido como Os Descalços.
Nas peladas, Edson “atuava no gol metade do tempo de jogo, a outra metade como meio-campo ou centroavante”.
Ao perceber que Edson era apaixonado por futebol, Dondinho começou a lhe ensinar alguns macetes. “Ele me falou do efeito do chute com o lado de dentro do pé, de como fazer passes precisos, da importância de manter a bola sempre próxima. Isso acabaria se tornando uma espécie de assinatura do meu estilo de jogo — passos curtos com a bola sob o meu domínio, a cabeça no mesmo prumo dela ou tão perto disso quanto possível, para assegurar total controle na hora de driblar o defensor. Aprendi cedo a usar uma mudança brusca de passada, seja de rápida para lenta ou vice-versa, para enganar o adversário. (…) A finta de ombro era outro truque”.
Se o pai era centroavante, Edson, como atacante, gostava de “jogar mais recuado”. “Sempre gostei mais de vir de trás. Muita gente imagina que, como eu marcava muitos gols, era um atacante puro e simples. Mas nunca fui. Eu era um meia que atacava, uma espécie de centroavante recuado.”
O goleiro Bilé e como surgiu o apelido Pelé
Na infância, o apelido de Pelé era Dico, e era assim que sua mãe o chamava. “No Santos, durante algum tempo, fui chamado de Gasolina.” Zito deu-lhe o apelido por causa de um “cantor brasileiro chamado Gasolina”.
Ser chamado de Pelé desagradava a Edson. “Achava que o nome Pelé soava mal. (…) Quando alguém dizia: ‘Ei, Pelé’, eu respondia de mau humor e ficava bravo. Certa vez dei um soco num colega de classe por causa disso. (…) Hoje eu adoro o apelido.”
“Nunca tive 100% de certeza sobre a origem do apelido ‘Pelé’.” Tudo indica que deriva de Bilé (José Lino), um goleiro do Vasco de São Lourenço, no qual Dondinho jogava.
Dondinho levava Edson para ver os treinos do Vasco. O menino brincava que era goleiro, e fingindo defender um chute, gritava “boa, Bilé” ou “grande defesa, Bilé”. Como não entendia direito o nome do goleiro, ele o pronunciava “Pilé”. “Foi quando nos mudamos para Bauru que o ‘Pilé’ tornou-se ‘Pelé’. (…) Um dia, um menino começou a caçoar de mim me chamando de ‘Pelé’. Graças àquele goleiro Bilé e a uma brincadeirinha de um colega de escola, eu me tornei Pelé.”
Em Bauru, Pelé começou a jogar em times e, por vezes, ganhava “um sanduíche pela participação”.
Durante a Copa do Mundo de 1950, realizada no Brasil, Pelé, de tanto ouvir as rádios do Rio de Janeiro, chegou “a desenvolver uma simpatia pelo Vasco da Gama”.
O Brasil perdeu a Copa de 50 para o Uruguai por 2 a 1. Dondinho chorou. Comovido, Pelé disse: “Um dia vou ganhar a Copa do Mundo para o senhor —, prometi a meu pai, tentando consolá-lo”. O craquinho só tinha 8 anos, mas ficou “profundamente” abalado.
Jogando em vários times, como o Sete de Setembro, São Paulino e Ameriquinha, Pelé começou a se tornar conhecido. “Eu era louco por futebol e nunca me dava por satisfeito.”
Num torneio, o time de Pelé ganhou o troféu e ele foi o artilheiro. Pela primeira vez, a multidão gritava o nome do menino-craque: “Pelé! Pelé!”
Waldemar de Britto levou Pelé para o Santos
Em 1954, Pelé começou a jogar no Baquinho, divisão infanto-juvenil do BAC, sob o comando do técnico do ex-jogador da seleção brasileira Waldemar de Britto.
No Baquinho, Pelé começou a receber, pela primeira vez, “salário. Sob o comando de Waldemir de Brito, o time se tornou “invencível”.
“Waldemar costumava dizer que a regra principal para alguém se tornar um ótimo jogador de futebol era controlar a bola com ambos os pés, com a cabeça e com o peito; precisava também saber receber um passe, tocar a bola e fazer ela chegar aonde se queria, porque a bola é a ferramenta do jogador — aquele que não for capaz de controlá-la nunca será um jogador de verdade, muito menos um dos grandes. (…) Nem todos sabiam como receber a bola. Eles não tinham essa visão adicional que eu parecia ter. (…)  Eu, definitivamente, tinha aquilo — uma capacidade de prever o que iria acontecer, um pouco antes de todo mundo. (…) Tenho uma ótima visão periférica.” Ninguém nunca conseguiu roubar a bola de Pelé “vindo de trás”.
O sucesso no Baquinho era cada vez maior e o menino logo se tornou artilheiro. O Noroeste quis contratá-lo, mas Waldemir Britto, alegando que “estava destinado a voos maiores, vetou o negócio”.
Pelé começou a jogar futebol de salão no Radium, time de Bauru. “Me ajudou a pensar melhor com os pés. Foi no futebol de salão que tive a primeira oportunidade de jogar com adultos. Tinha cerca de 14 anos.” De novo, foi artilheiro.
O técnico do Bangu, Elba de Pádua Lima, o Tim, tentou levar Pelé para o Rio. Ao vetar, a mãe disse: “Meu filho vai estudar e depois trabalhar. Vai ser professor”. Tornou-se professor-doutor… de futebol.
Pelé se torna grande jogador no Santos
Waldemar de Britto sugeriu que Pelé fosse para o Santos: “Achava que eu poderia começar como juvenil e passar rapidamente para o time principal”. O adolescente ainda usava calças curtas. Sua mãe teve de “costurar duas calças compridas para” o menino, “de algodão azul”.
Na época, o único “amor de verdade” de Pelé “era a bola”. Ao se levantar, com o objetivo de ir para Santos, Pelé prometeu ao pai: “Assim que tiver algum dinheiro, compro uma casa para a mamãe”.
Como sabia do talento de Pelé, Waldemar de Britto disse para o garoto não se intimidar e jogar como fazia em Bauru. E ensinou: “Você não vai ler jornais e não vai ouvir rádios”. Não queria que o menino ficasse abalado com alguma crítica. Pelé seguiu o conselho à risca: “Jamais deu muita bola para a imprensa”. O pai disse para não beber nem fumar, e evitar as mulheres (o que o adolescente de 16 anos não conseguia).
Pelé conta que, em Bauru, foi vítima de racismo. Ele estava paquerando uma jovem branca e o pai dela, ao vê-los juntos, disse: “O que você fazendo com esse negrinho?” “Foi a primeira vez, creio, que tive contato direto com o racismo, e foi absolutamente chocante”.
A primeira experiência sexual se deu na “zona”, aos 14 anos. A experiência não o entusiasmou. Ele tinha um medão danado de contrair doença sexualmente transmissível.
Ao chegar à Vila Belmiro, em Santos, Pelé ficou encantado. “Foi naquele momento que comecei a torcer pelo Santos — um amor que dura até hoje. Até então eu torcia mais para o Corinthians. (…) Quando eu era mais novo, pensava em ser goleiro.”
Na Vila Belmiro, Pelé foi apresentado aos jogadores Vasconcelos, Jair, Zito, Pepe. No primeiro treino, Pelé foi “colocado direto com os profissionais”. O Santos era o campeão paulista de 1955. “Eu era magricela, com menos de 60 quilos, e as minhas pernas tremiam.” Pepe disse: “Não fique nervoso. A turma é ótima, você vai ver”.
No treino, Pelé driblou Formiga duas vezes, e o técnico Lula aprovou: “Gosto do jeito que você joga. Só que você precisa encorpar um pouco mais, se quiser jogar no time principal”. Foi enviado para o time juvenil. Pepe, Urubatão e Del Vecchio aprovaram o futebol do menino.
Seguindo o conselho de Lula, Pelé começou “a comer como um cavalo”. O time sub-20 ganhou o título, com o apoio de Pelé.
No primeiro contrato com o Santos, Pelé recebia 6 mil cruzeiros por mês. Era pouco, mas tinha direito a alimentação e acomodação. No juvenil, “tinha começado como armador, um meia de apoio, mas agora vinha sendo usado como meia-atacante”. Num jogo-treino do time adulto, em Cubatão, o Santos ganhou por 6 a 1, com quatro gols de Pelé.
O “nome” Pelé firmou-se e deixaram de chamá-lo de Gasolina.
A verdadeira estreia de Pelé no Santos se deu em 7 de setembro de 1956 contra o Corinthians de Santo André. O menino substituiu Del Vecchio, no segundo tempo, e fez um gol. “Nunca esperei ter uma chance num time profissional com apenas 15 anos.” O goleiro do time rival, Zaluar, mandou fazer um cartão apresentando-se como “o goleiro que tomou o primeiro gol de Pelé”.
A estreia oficial de Pelé no Santos ocorreu em 12 de janeiro de 1957, contra o time sueco AIK. O craque de 16 anos não fez gol, mas jogou bem.
Em 1957, com o contrato renovado, ganhando uma ninharia, Pelé jogou no Maracanã, no Rio, num combinado do Santos com o Vasco da Gama, como centroavante.
Na partida contra o Belenenses, de Portugal, Pelé marcou três gols. A torcida ficou encantada e entendeu que nascia, no gigantesco estádio do Maracanã, um gênio do futebol. Nas demais partidas, o garoto encantador também marcou gols.
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