Futebol é coletivo: como um companheiro livrou do fracasso o "novo … – Jornal Opção

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25/12/2022
25 dezembro 2022 às 00h00
Futebol é algo imprevisível, instigante, indócil, injusto e, por isso mesmo, local de instantes mágicos e arrebatadores.
A final da Copa do Mundo de 2022, no Catar, ficará eternizada como um dos mais memoráveis confrontos da história depois de ter sido, durante 75 minutos, apenas um jogo a mais em que o melhor time merecidamente vencia. Também marcará a entronização de Lionel Messi como o maior jogador desde Pelé, quando poderia tê-lo jogado à nau dos craques fracassados. E pensar sobre isso torna o futebol ainda mais instigante do que já é naturalmente. Afinal, como Messi poderia ter ido do Olimpo ao Hades por apenas um jogo? O decorrer deste texto relata o lance fatal em que
É que o jogo era “o jogo”. O maior craque do mundo nas últimas décadas – incontestavelmente, diga-se, por ampla maioria de “crítica e público” – disputava sua última Copa. Por decorrência, também sua última tentativa de erguer a Taça Fifa. Ou era isso ou se juntaria a nomes legendários que foram gigantes em campo, mas fracassaram no mesmo intuito: os brasileiros Leônidas da Silva, Zizinho e Zico, o húngaro Ferenc Puskás, o português Eusébio, o holandês Johan Cruyff e outros mais.
Mais do que a conquista pessoal, porém, cabia a Messi a tarefa de ser o protagonista para, com seu talento, ajudar a tirar da fila uma Argentina que buscava um título mundial de uma longa estrada cronológica de 36 anos. O camisa 10 “hermano” não havia nascido em 1986, quando Diego Maradona, com sua “Mano de Dios”, escandalizou o mundo para maravilhá-lo em seguida, com o gol mais antológico das Copas, driblando meio time da Inglaterra. Vingadas as Malvinas, dois jogos depois Dieguito comemorava o título.
Por isso valia tanto para Lionel a final contra a França. E estava tudo muito tranquilo, aliás, bem mais do que o esperado. Faltavam dez minutos para o apito final, o time sul-americano dominava a partida com um 2 a 0 no placar, e parecia perto de fazer o terceiro. Os franceses só começaram a chegar perto do gol numa finalização do até então desaparecido Kylian Mbappé pouco antes, quando o zagueiro Otamendi cometeu um pênalti bobo e o atacante fez 1 a 0.
Aí veio o lance que poderia ter mudado a história do futebol – e mais ainda a de Messi: um minuto depois, o craque argentino tentou avançar e perdeu a bola para Kingsley Coman no meio de campo. De seu erro, saiu o gol de empate da França, novamente com Mbappé (um golaço, é importante registrar).
Reviveriam, como tiro de misericórdia, as comparações com Maradona: se Dieguito nos presenteou com uma Copa, Messi nos fez perder outra
Claro, o jogo não havia terminado, teriam mais 10 ou 15 minutos do tempo normal a serem disputados, depois mais meia hora de prorrogação e pênaltis. Só que um insucesso ao fim da batalha faria qualquer argentino “voltar a fita” e buscar nesse lance a origem de todo o mal. A paixão da alma latina e a forma sanguínea que nossos vizinhos veem o futebol não perdoariam jamais seu craque. E reviveriam, como tiro de misericórdia, as comparações com Maradona: se Dieguito nos presenteou com uma Copa, Messi nos fez perder outra.
Provavelmente isso não ecoava na cabeça do jogador ali, com o sangue quente correndo nas veias e disputando cada palmo, cada dividida, durante mais de uma hora que ainda haveria de momentos épicos. Messi queria erguer aquela taça e colaborou para issoi, com outro gol, já na prorrogação. Mas veio novo pênalti, cometido então por Gonzalo Montiel, e a França novamente empatou.
Aí surgiu o lance que marcará para sempre a vida de três atletas: além do próprio Messi, o atacante Kolo Muani e o goleiro Emiliano Martínez.
O último minuto dos acréscimos da partida estava se exaurindo, seria o lance derradeiro do jogo. A bola é disputada no meio de campo e Ibrahima Konaté a lança para o ataque, na medida para o chute de primeira de Muani, forte, no canto do gol protegido por Martínez. O argentino fez a única coisa que poderia: com reflexo apuradíssimo, esticou a perna esquerda e bloqueou a bola. A bola do jogo. Ou mais, a “bola da Copa do Mundo”, como classificou depois o treinador francês Didier Deschamps.
Seria, sim, a bola da Copa do Mundo da França. Não haveria tempo para reação. A bola dentro do gol e Messi veria os rivais comemorarem seu terceiro título, o segundo consecutivo, algo que só havia acontecido pela última vez com o Brasil em 1962. Cabisbaixo, arrasado, o craque argentino se jogaria no chão e passaria sua história em retrospectiva, várias e várias vezes. E, em todas elas, o filme travaria no lance com Coman, a perda da posse da bola que ele sabe tão bem grudar em suas pernas. O auge do fracasso.
Tudo isso foi apagado da história por Martínez na defesa espetacular do chute de Muani (Emiliano ainda seria herói novamente nos pênaltis). O céu se abriu para Léo. Ironicamente, Maradona ajudou a Argentina com sua mão e, agora, um goleiro salvava o título com seu pé. Mais do que isso, ele corrigiu justamente a história de Messi. Final feliz. Mais do que “meressido”.
E foi assim, graças a Emiliano Martínez, o goleiro, que Lionel Messi virou o maior desde Pelé depois de quase o destino ter lhe tatuado na alma a chaga do craque perdedor. Coisas do futebol e de nada mais: por mais que o talento exista, ele estará sempre subordinado ao coletivo.
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