Craque do futebol de amputados, Rogerinho R9 segue fomentando modalidade – Yahoo Esportes

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Rogério Rodrigues de Almeida marcou uma trajetória impecável fora e dentro dos gramados, um legado para os amantes do futebol e da vida. Sempre com o lema “Desistir Jamais”, empoderou uma legião de pessoas em situação de vulnerabilidade a resgatar o valor da vida, a paixão pelo esporte.
Craque do futebol de amputados, pioneiro na modalidade, Rogerinho nos contou de forma exclusiva, suas superações, história de vida, seleção brasileira, Corinthians, amizade com o ídolo corintiano, o ex-jogador Neto, o engajamento social de transformação de vidas através do seu projeto social. Na íntegra, reportagem especial para o Yahoo Esportes.
Você se tornou um dos atletas mais respeitados do futebol pela sua trajetória de superação. Como você tem visto o futebol de amputados no Brasil? Tem aberto espaço ou há ainda muita resistência, preconceito?
Olha, a modalidade cresceu muito nos últimos anos aqui no Brasil. Uma década atrás tive a iniciativa de ajudar a desenvolver a modalidade no Brasil. Existiam poucas equipes, não tínhamos um calendário oficial, e com isso ficava difícil as equipes se prepararem para participar das competições. Tive a ideia de ajudar a fomentar a modalidade, com novas ideias e projetos, passando por algumas situações, como a falta de apoio financeiro para desenvolver. Aos poucos fomos crescendo, e com isso consegui também me tornar um dos maiores atletas da modalidade, não só dentro de campo, mas também fora de campo ajudando no desenvolvimento do esporte.
O fato de atuar no Corinthians foi um divisor de águas para mostrar para o mundo a importância social como fator de inclusão? Os clubes grandes têm apoiado?
O Corinthians veio para somar. Já tinha um projeto social uma equipe desde 2009 e o Corinthians veio depois em 2015. Era um sonho que um projeto tivesse uma a parceria com um time profissional para que a modalidade viesse a crescer. A parceria somou muito com o desenvolvimento e crescimento da modalidade, não em apenas jogar partidas de futebol, mas também ao transformar vidas, incluindo todos e ajudando os mesmos a voltar para sociedade. Esse é o nosso trabalho: inclusão para todos. Nosso projeto tem batido forte nisso em ajudar os atletas a terem uma vida melhor do que antes, em se aceitando e dando seguimento na sua vida. Nem todos os times têm apoiado a modalidade, mas tenho certeza que estamos no caminho. Hoje, além do Corinthians, temos mais seis equipes profissionais que apoiam a modalidade. Sabemos que não é fácil, mas com o nosso trabalho sendo o primeiro a ter uma grande parceria, creio que em pouco tempo mais equipes poderão apoiar a modalidade.
Neto e os demais boleiros têm demonstrado um grande apoio ao seu trabalho. Como tem sido o cenário do futebol de amputados com a divulgação em programas esportivos, de grande visibilidade?
Craque Neto é um grande amigo, tive a oportunidade de conhecê-lo alguns anos atrás e depois disso viramos grandes amigos. Tenho um carinho e respeito por ele. É um dos caras que sempre me dá oportunidade nos seus programas, de falar não só do Rogerinho, mas também da modalidade. É muito importante ter uma grande divulgação e uma grande visibilidade. O objetivo é alcançar mais pessoas com deficiências e isso tem dado resultado. Algumas pessoas entraram em contato e começaram a praticar a modalidade, além de receber várias mensagens de apoio. Outras dizendo que sou referência, que muitos reclamavam de suas vidas, e depois que me conheceram, começaram a dar mais valor nas suas vidas. É legal ouvir isso, pude ver o quanto tenho levado a mensagem, deixando um legado para muitas pessoas. Além disso, tenho outros amigos como Falcão, Amaral, Vampeta, Veloso, Ronaldo, Everton Ribeiro e Denílson, entre outros que sempre nos apoiaram.
Conte para nós um pouquinho da sua trajetória no futebol desde o começo: superação, luta, preconceito, até a chegada no Corinthians e seleção brasileira.
Minha deficiência é má formação congênita, já nasci sem a perna esquerda. Naquela época foi um susto para minha família, pois não estavam esperando receber uma criança com deficiência. Meus pais eram pessoas bem simples e não tinham ali naquele momento uma pessoa que pudesse os ajudar a lidar com essa situação. Meus tios e tias falaram que eles me trataram como uma criança normal, e acima de tudo, com amor. Eu comecei andar apenas com 5 anos de idade. Antes disso vivia no colo das pessoas para cima e para baixo até que um dia meu pai ganhou um par de muletas e me ensinou a andar com elas. A partir dali não parei mais de andar e correr. Foram dias difíceis de preconceitos, que marcaram muito minha vida. Lembro que muitas das vezes chegava em casa chorando e contava para minha mãe que as crianças me chamavam de sem perna, 'aleijadinho'… Era algo que me machucava muito. Ela ali segurava as lágrimas para se conter e sempre me passava uma palavra de conforto e amor, e assim fui crescendo vivendo altos e baixos.
Aos sete anos de idade, comecei a ir para escola e posteriormente jogar bola na rua com crianças que não tinham deficiência, eu era o único. No começo foi difícil, depois os meus amigos me aceitaram e todo dia a gente brincava na rua jogando bola. Os anos se passaram e em 2001 tive a oportunidade de conhecer a minha modalidade, o futebol de amputados, através do professor Ronaldo, que me abordou na rua me convidando para fazer parte do seu projeto. Tive ali o primeiro contato com o futebol de amputados. Foi através dele que conheci esse universo que veio transformar a minha vida anos depois.
De 2001 a 2009 participei de vários campeonatos da modalidade, até que consegui chegar na seleção brasileira em 2009. Fui convocado para disputar a Copa América na Argentina, minha primeira competição internacional pela seleção. Fomos campeões e eu fui o artilheiro da Copa América. Fiquei muito feliz e decidi naquele dia voltar para Mogi das Cruzes e montar um projeto social que anos depois teria a parceria com o Corinthians, onde estamos até os dias de hoje.
Atualmente, você tem um projeto social bastante relevante em que resgata atletas em situação de vulnerabilidade, com traumas profundos. Como começou esse projeto? Qual é a função social?
Em 2009, após voltar da seleção brasileira, tive a iniciativa de ajudar mais pessoas montando um projeto social na minha cidade, Mogi das Cruzes (SP). A maior dificuldade no início foi tirar esse pessoal de dentro de casa. A grande maioria era de pessoas que foram vítimas de acidente de moto, doenças como câncer e diabetes. Essas pessoas tinham uma vida normal e da noite para o dia se viam vítimas, e dali por diante tinham que lidar tendo um membro a menos. A ideia no meu projeto era resgatar e dar uma oportunidade de transformar a vida delas. O foco era ajudar e fazer eles entenderem que a vida não para. Eles estavam com saúde, com vida e poderiam viver, assim que eles chegavam no projeto, ajudamos e tentávamos entender a maior dificuldade deles, e com isso ajudando-os a superarem os traumas sofridos.
Graças a Deus, a grande maioria entendeu o nosso projeto, já são 14 anos ajudando dentro e fora de campo, com encaminhamento ao mercado de trabalho, parcerias com faculdades e academia. Assim fazemos com que esses atletas possam dar continuidade na vida. Temos relatos de que alguns atletas hoje vivem melhor do que antes, muitos queriam se tornar jogadores de futebol, e através do nosso projeto, conseguiram realizar esse sonho, além disso viajar o Brasil e o mundo com o futebol.
Na captação de recursos, no crescimento da modalidade, hoje já se nota uma abrangência no cenário nacional e internacional. A que se deve esse crescimento? Existe alguma política de incentivo fiscal?
Hoje a modalidade cresceu muito, mas ainda não temos apoio do nosso governo e entidades que poderiam nos ajudar a alavancar mais ainda a modalidade. Temos uma gestão hoje com uma entidade que é responsável em realizar as competições nacionais, onde a mesma é filiada à entidade máxima (WAFF) que organiza os campeonatos internacionais, como a Copa do Mundo. Lá fora estamos muito avançados em desenvolvimento, pois temos países em que hoje os atletas vivem da modalidade. Aqui no Brasil ainda não temos esse apoio, e por isso estamos ainda engatinhando para quem sabe num futuro próximo podermos melhorar nossa estrutura e quem sabe viver do esporte.
Você esperava se tornar o que é hoje: uma referência no esporte, lidar com as dificuldades, vencer e quebrar tabus?
Eu não me imaginava no começo. Eu vi ali na verdade uma necessidade de ajudar fora de campo, na divulgação e na gestão da modalidade. As coisas foram acontecendo para mim na minha trajetória. Sempre gostei de treinar, jogar, ser competitivo, sempre o primeiro a chegar nos treinos e o último a sair quando conheci a modalidade. No início era para realizar um sonho, de me tornar um jogador profissional. Ao longo dos anos, entendi o que era ser deficiente, qual era a dificuldade da modalidade e vi ali que teria que ajudar também fora de campo como um gestor da modalidade, onde tive a oportunidade de criar o Campeonato Paulista, o Campeonato Brasileiro Série B, a Taça da Cidade, o Torneio Superação e o Open Nordeste. Na maioria desses campeonatos, a ideia era realizar e criar uma equipe nessa região, assim fazendo que a modalidade crescesse e mais atletas surgissem. E isso deu certo.
Rogerinho R9 foi crescendo paralelo, realizando sonhos e batendo recordes e metas, com títulos. Hoje sou o maior artilheiro mundial, com 594 gols. Fico muito feliz com essa marca e os vários títulos que conquistei: pentacampeão brasileiro, heptacampeão campeão paulista, cinco títulos de Copa do Brasil, campeão da Taça da Cidade, duas vezes campeão do Open Nordeste, cinco vezes campeão Torneio da Superação, tricampeão da Copa América, campeão da Copa das Confederações, campeão sul-americano e tricampeão da Copa do Mundo.
Tudo isso mostra que consegui vencer todo preconceito e quebrar vários tabus para chegar aonde cheguei. Devo tudo isso primeiramente à Deus e à minha família e aos amigos que me apoiaram durante toda minha trajetória no esporte.
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