Por que até as casas de apostas querem ser regulamentadas (mas … – InfoMoney

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Nada mudou para os sites do setor, que continuam funcionando com sede em paraísos fiscais; mas governo deixará de arrecadar bilhões
O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), descumpriu o prazo para regulamentar as apostas esportivas até 12 de dezembro – prazo máximo estipulado pela Lei 13.756/2018, que foi sancionada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) no fim do seu mandato.
A lei das apostas de cota fixa permitiu que apostas esportivas fossem feitas no Brasil. Mas a lei previa que o setor seria regulamentado em até 2 anos – período que poderia ser prorrogado por mais 2 anos. Previa também que a regulamentação ficaria a cargo do Ministério da Economia, comandado nos últimos 4 anos por Paulo Guedes.
O prazo máximo expirou na semana passada, e nada mudou para os sites de apostas. Eles continuam funcionando como antes, com sede no exterior (geralmente em paraísos fiscais). Mas o que mais chama a atenção neste imbróglio é que os próprios sites queriam a regulamentação, mesmo com a previsão da cobrança de outorgas e impostos, mas o governo federal — que seria beneficiado — se omitiu.
“Aguardamos ansiosamente pela regulamentação das apostas esportivas no Brasil e acreditamos que a regulamentação dará muito mais segurança jurídica para que possamos trabalhar o mercado dentro das previsões legais”, afirma Darwin Filho, CEO da Esportes da Sorte, em nota.
O mercado de apostas esportivas é gigantesco e pouco regulado no mundo inteiro. No Brasil, cresce em ritmo acelerado e todos os 20 clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro já são patrocinados por casas de aposta. A estimativa é que haja cerca de 450 sites ativos no país atualmente e que o governo possa arrecadar de R$ 5 a R$ 7 bilhões por ano com impostos do setor no Brasil, com a regulamentação (R$ 30 milhões por ano só com as outorgas).
“Nós entendemos que a regulamentação do mercado de apostas no Brasil é extremamente positiva”, afirma Marcos Sabiá, CEO da operação do galera.bet, também em nota. “A regulamentação é um importante instrumento para a proteção dos clientes e dos princípios de jogo responsável, determinando uma diretriz sob a qual as marcas devem atuar no mercado e garantindo as obrigações e responsabilidades dessas empresas com o usuário final”.

Regulamentação no ‘limbo’

Sem a regulamentação da Lei 13.756/18, o mercado de apostas esportivas segue em uma espécie de “limbo”, e as empresas que exploram esse nicho de mercado continuam com suas sedes no exterior, já que os jogos de azar são proibidos no Brasil.
O texto sancionado por Temer prevê a criação de uma agência que regule o funcionamento do setor, e a lei até chegou a ter uma minuta do decreto de regulamentação, em março deste ano. Ela foi feita após consultoria das próprias casas de apostas, que dizem ter participado de diversas reuniões com representantes do Palácio do Planalto para estabelecer as melhores diretrizes.
Procurado pelo InfoMoney, o Ministério da Economia disse que não se manifestaria sobre o assunto.
Uma parte da discussão sobre a questão é o trade-off entre ter sede no Brasil ou no exterior (e do custo extra da regulamentação). Ela vale a pena mesmo se for mais caro manter o negócio regularizado e pagando impostos no país, devido à diminuição da insegurança jurídica?
“As empresas não têm sede no Brasil apenas porque o tema não é regulamentado”, afirma Lucas Albuquerque Aguiar, advogado criminalista do escritório Davi Tangerino Advogados. Ele destaca os custos que as casas de apostas têm para manter uma operação no exterior e o dinheiro que o governo federal deixa de arrecadar pela falta de regulamentação.
“É como se a pessoa que aposta tivesse uma conta no exterior só para fazer apostas. Além disso, a falta de regulamentação, do ponto de vista prático, leva a essa falta de arrecadação”, pondera o advogado.

“Para a nossa operação, avaliamos a operação nacionalizada com melhores olhos do que a operação offshore”, afirma o CEO de Esportes da Sorte. A empresa trabalha com a regulamentação de Malta (uma pequena ilha na Europa, no Mar Mediterrâneo) e Curaçao (uma ilha holandesa no Caribe, perto da Venezuela).

“Para a nossa operação, avaliamos a operação nacionalizada com melhores olhos do que a operação offshore”, afirma o CEO de Esportes da Sorte. A empresa trabalha com a regulamentação de Malta (uma pequena ilha na Europa, no Mar Mediterrâneo) e Curaçao (uma ilha holandesa no Caribe, perto da Venezuela).
Sem saber exatamente como seria uma regulamentação no Brasil, Darwin Filho pressupõe que os custos da regulamentação no país seriam mais caros (a taxação da receita líquida em relação a Malta e Curaçao). Ao mesmo tempo assume que a repatriação do lucro líquido é bem mais custosa, por ter de trabalhar atualmente com uma licença internacional.
“No caso de uma operação devidamente regulamentada no Brasil, os rendimentos já estariam devidamente taxados, em sistema bancário nacional e prontos para serem distribuídos aos acionistas”, afirma o CEO. “O fato de o fluxo de pagamentos ter de ocorrer todo no exterior também é algo extremamente custoso e que seria desonerado no caso de uma operação 100% brasileira”.
Ele também destaca o ponto positivo da segurança jurídica que a regulamentação traria. “Permitiria maior valorização das marcas, expandindo horizontes para possíveis M&As [fusões e aquisições] e tornando as marcas mais longevas e bem avaliadas no mercado internacional”.
Para o diretor de marketing do site Casa de Apostas, Hans Schleier, a regulamentação também é benéfica. “Desta maneira, outros esportes, até outros mercados, também vão interagir com as empresas de apostas. Também vai ajudar a deixar mais transparente as relações dos clubes com empresas e com os próprios apostadores”.
Sem a regulamentação da lei, há também uma discussão se Bolsonaro – ou até Guedes – podem ser punidos por ter desrespeitado o prazo de regulamentação da lei. No caso do ministro pesa o fato de a pasta ter sido nomeada como responsável por regulamentar o setor.
“Geralmente não tem responsabilização, porque é muito comum no Brasil que as leis passem muito tempo sem regulamentação”, afirma Lucas Albuquerque Aguiar, criminalista do Davi Tangerino Advogados. Ele pondera inclusive que hoje não há uma lei específica sobre responsabilização de agentes políticos pela não regulamentação de uma lei.
Aguiar destaca que há dois projetos de lei em discussão no Congresso Nacional, para incluir como crime de responsabilidade contra o presidente da República que deixar de regulamentar uma lei. “Poderia se pensar até em responsabilização civil, por prevaricação. O presidente tem a obrigação de regulamentar a lei”.
O criminalista pondera, no entanto, que neste caso seria uma prevaricação omissiva – e que seria necessário provar que Bolsonaro teve um interesse pessoal na não regulamentação, para que a omissão seja caracterizada como crime. “Na pandemia se discutiu a questão da prevaricação por deixar de comprar vacinas, de atrasar na compra de oxigênio. Havia elementos para mostrar a prevaricação”.
Ele pondera que, no caso das apostas esportivas, não vê muito espaço para responsabilizar o presidente pelo descumprimento do prazo. “A não ser que fique provado que ele agiu por algum interesse – e pode ser ideológico, por exemplo. Se ficar provado que a demora aconteceu por causa do interesse de agradar os evangélicos, podemos entrar no campo da prevaricação”.
“Mesmo assim, a penalidade seria uma indenização. Uma indenização às pessoas que se sentiram lesadas pela não regulamentação. Então não sei se traria um resultado do ponto de vista prático. Não seria um ato de improbidade administrativa, afirma o advogado.
Sobre uma eventual condenação de Guedes, Aguiar vê a possibilidade de isso ocorrer devido ao fato de a regulamentação ter sido atribuída expressamente ao Ministério da Economia. “A lei nomeia o ministro da Fazenda, então é possível que a responsabilização recaia sobre ele”.

Regulamentação no governo Lula

Outra discussão é se o presidente eleito da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode regulamentar as apostas esportivas quando assumir o cargo (depois do prazo estipulado pela lei).
“Enquanto corria o prazo legal de 4 anos, a regulamentação cabia ao Poder Executivo federal, através do Ministério da Economia”, afirma o advogado Eduardo Diamante Teixeira, especializado em direito desportivo e sócio do Carlezzo Advogados. “Mas agora, expirado o prazo, o assunto poderá retornar ao parlamento brasileiro, para que – por meio de nova lei ordinária – possam ser estabelecidas novas diretrizes para a plena regulamentação”.
Teixeira afirma que o Congresso pode definir um novo prazo para a regulamentação e também mudar completamente a lei sancionada por Temer.
Já Aguiar entende que Lula pode regulamentar as apostas esportivas sem a necessidade de uma nova lei (ou um novo prazo do Congreso). “É comum ter lei que fica muito tempo sem ser regulamentada no Brasil, então não vejo instrumentos para dizer que uma regulamentação depois do prazo é ilegal. Senão teria de editar uma nova lei, para ter um novo prazo, e só depois a regulamentação ser feita. É no mínimo muito contraproducente”.
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