Governo Lula precisa criar uma política industrial para as energias … – NeoFeed

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O consultor e acadêmico Paulo Feldmann diz que o Brasil virou um país agrícola, distante da tendência global de investir em alta tecnologia e energia para gerar empregos e riqueza
Paulo Roberto Feldmann, especialista em gestão de empresas, professor da FIA Business School e da USP
O consultor e acadêmico Paulo Roberto Feldmann, especialista em gestão de empresas, professor da FIA Business School e da Universidade São Paulo (USP), está lançando em mandarim uma edição atualizada do seu livro ‘Empresas Latino-Americanas – Oportunidades e Ameaças no Mundo Globalizado’.
Lançada em 2010, a obra chama a atenção para o estilo de gestão empresarial predominante no Brasil e na América Latina: o peso dos aspectos culturais, entre eles a influência da família e das amizades, a aversão ao risco e a constante busca de favores dos governos, como forma de gerir o negócio.
Nesta entrevista ao NeoFeed, Feldmann lembra que a indústria de manufatura, que em 1989 respondia por 27% do PIB brasileiro, hoje representa apenas 8% de nossa economia. “Viramos um país agrícola”, diz ele.
O acadêmico e consultor observa que o processo de globalização pós-covid está levando os países a serem mais protecionistas. Com isso, transformou a energia e as empresas de alta tecnologia nos fatores mais influentes da geopolítica global.
Feldmann, que participou como consultor do grupo de transição do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diz que o Brasil tem uma oportunidade batendo à porta. “Precisamos criar uma política industrial que explore as vantagens competitivas voltadas para as energias renováveis, não podemos perder essa chance”, diz ele.
O setor de serviços no Brasil passou há muito o industrial na corrida por participação do PIB. Faltou um planejamento estratégico a longo prazo dos últimos governos para estimular a indústria ou faltou capacidade de gestão dos empresários para enfrentar a globalização?
O Brasil cometeu erros graves, tanto por parte dos governos como pelo lado dos empresários. Quando Fernando Collor ganhou a eleição presidencial, em 1989, a indústria de manufatura respondia por 27% do PIB. Nessa época, começaram a ser adotadas as políticas ultraliberais do Consenso de Washington: abertura de mercado às importações, privatizações e desestímulo à indústria nacional. A tese do Estado mínimo perdurou por anos e levou à extinção da área de planejamento dos ministérios. Fernando Henrique perdeu a eleição de 2002 por causa do apagão de energia, cujo sistema sempre foi planejado. O fato é que acabamos com a nossa indústria de manufatura, que hoje responde por apenas 8% do PIB. Viramos um país agrícola.
Mas o agronegócio é uma potência econômica do Brasil. Isso é ruim?
O agronegócio é muito eficiente, mas é automatizado, não gera tantos empregos quanto a indústria. A China, que era um país agrícola, percebeu que a manufatura traz emprego qualificado e investiu na transição. Fizemos o contrário. Os empresários também têm culpa. Entre o final dos anos 90 e começo dos anos 2000, quando as importações destruíram nossa indústria, preferiram ganhar dinheiro com as taxas de juros elevadas. O caso da Sadia é emblemático: uma das maiores indústria de alimentos do país quebrou por ter aplicado dinheiro da produção em investimentos financeiros de alto risco, como derivativos. A Fiesp, que já teve líderes que defendiam uma política industrial, hoje briga para derrubar o presidente da entidade por razões fisiológicas. Salvo exceções, não há debate nem mobilização na Fiesp por uma política industrial.
Qual é a tendência daqui para frente?
Haverá fortalecimento do nacionalismo porque a globalização, em especial, prejudicou muito os EUA e a Europa. As fábricas foram para a Ásia e levaram para lá os empregos. O presidente dos EUA, Joseph Biden, veja só, prometeu incentivos para trazer de volta as indústrias americanas que migraram para a Ásia. Está criando tarifa alfandegária, reserva de mercado, tudo em oposição ao que o Consenso de Washington pregava lá atrás.
Essa guinada sinaliza o início de uma globalização pós-covid?
Sim, os principais fatores geopolíticos do mundo mudaram nos últimos anos. Migraram da área militar para o segmento das grandes empresas, em especial de tecnologia, e de energia. Veja o que está acontecendo na Europa: tudo mudou com a guerra da Ucrânia, porque afetou a energia dos principais países. O Brasil tem potencial de explorar energia renovável, mas quantas grandes empresas de alta tecnologia nosso país conseguiu criar? Sem elas, nenhum país avança. Temos pouquíssimas exceções, uma delas é a Rússia – consegue ser forte mesmo sem ter grandes empresas, mas é uma potência em energia, talvez a maior do mundo.
Como o Brasil pode obter vantagem nesse cenário?
Criando uma política industrial que explore as vantagens competitivas voltadas para as energias renováveis. O novo governo, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não pode perder tempo nem essa chance. Começamos a nos mexer há cinco anos, muito tarde. Temos energia solar e eólica, que usamos pouco. Não temos política industrial voltada para isso. Energia solar exige coletor solar, equipamento fotovoltaico para gerar energia. Na eólica, deveríamos ser fabricantes dos moinhos. Nos dois casos, compramos equipamentos da China.
Quais outras apostas, em termos de política industrial, que o senhor sugere?
A de produção de carros elétricos. Até hoje, não temos uma política industrial para esse segmento. Basta comparar a nossa frota, menor proporcionalmente que a dos países vizinhos, porque precisa criar uma política governamental de abastecimento, pois não dá para achar que tudo o mercado vai resolver. Temos de seguir o exemplo chinês. A China transformou 800 milhões de pessoas do interior agrário, que eram muito pobres, em trabalhadores de obras de infraestrutura e operários nas fábricas. Hoje, são classe média. Precisamos fazer a mesma coisa, nossa situação é parecida. Temos 55% de brasileiros nas classes D e E, cuja renda não chega a R$ 3 mil por mês para uma família de 4 pessoas. Se transformarmos as classes D e E em consumidoras, distribuindo a renda e investindo em educação básica e superior, seremos uma potência.
Na sua avaliação, a gestão feita pelas empresas brasileiras e latino-americanas mudou nesses quase 13 anos da publicação original do seu livro ou mantém o mesmo perfil?
Mudou muito pouco. Temos um problema sério de gestão empresarial na região: a maioria das empresas brasileiras e latino-americanas é do tipo familiar. Os parentes permanecem no controle acionário e na administração dessas empresas, o que leva a uma gestão não profissional, baseada nos laços familiares na hora de contratar e de conduzir os negócios. Também é comum as empresas buscarem apoio do Estado, por meio de subsídios ou favores. E tem ainda outra questão: os empresários latino-americanos, em especial os brasileiros, têm aversão ao risco, seja para competir ou para fazer investimentos, principalmente em alta tecnologia.
Qual é o efeito disso desse comportamento?
Não temos um estímulo à inovação. São raras as empresas da América Latina que conseguem projeção mundial. E as que conseguem, quase sempre, fazem parte de setores da economia de baixo conteúdo tecnológico, que foram importantes no século 20, como bebidas, cimento, mineração e agricultura. No século 21, o que pesa é o conhecimento tecnológico. Ou seja, estamos nos afastando cada vez mais das empresas e dos países que investem em alta tecnologia, que é o que vai gerar riqueza daqui para frente.
Há indicadores mais precisos que mostram esse descolamento?
Quando publiquei o livro, em 2010, a América Latina respondia por 5% do PIB global, mas contava com menos de 2,5 % das 1.000 maiores empresas do mundo. Essa participação caiu. A melhor evidência desse retrocesso na gestão empresarial, em especial no Brasil, em termos comparativos, é um ranking anual muito conceituado, produzido pela revista americana Forbes. Há 20 anos, entre as 2.000 empresas do mundo inteiro mais bem avaliadas, o Brasil tinha 40 companhias citadas, o equivalente a 2%. Na pesquisa mais recente, de 2022, aparecem apenas 20 empresas brasileiras na lista, ou seja, 1%. Outras inúmeras pesquisas constataram um resultado semelhante nos últimos anos.
A empresa familiar é um obstáculo à boa gestão?
Não tenho nada contra a empresa familiar. Mas o fato é que o Brasil é o único país do mundo que inventou um negócio chamado ação ordinária. São aquelas ações que dão direito a voto nas assembleias de acionistas de uma empresa e nas decisões da companhia. O outro tipo de ação, preferencial, dá direito à participação nos lucros. As famílias que fundaram empresas sempre detêm a maioria das ações ordinárias, para não poder o controle. Lá fora só existe ação preferencial: se você tem 10% das ações de uma empresa, terá direito a 10% dos lucros e 10% dos votos na assembleia, mesmo que seja o fundador. Bill Gates, por exemplo, tem 1,22% das ações da Microsoft.
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