Fernanda Magnotta – O que 23 especialistas recomendam para a política externa de Lula em 2023 – UOL Confere
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Fernanda Magnotta é doutora e mestre pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP). Especialista em política dos Estados Unidos, atualmente é senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) no núcleo ?Américas – EUA?, professora e coordenadora do curso de Relações Internacionais da FAAP e atua como consultora da Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP). É autora do livro “As ideias importam: o excepcionalismo norte-americano no alvorecer da superpotência” (2016) e diversos outros capítulos de livros e artigos científicos. É co-criadora do ?Em Dupla, Com Consulta?, um dos maiores canais dedicados ao ensino descomplicado de Relações Internacionais no Youtube Brasil. Já foi chefe de delegação do Brasil na Cúpula de Juventude do G-20, na China, acompanhou as eleições presidenciais dos Estados Unidos, em Ohio, a convite da Embaixada norte-americana em Brasília, e foi selecionada pelo Programa W30 da UCLA/Banco Santander como uma das 30 mulheres mais destacadas em gestão acadêmica no mundo. Contribui frequentemente com veículos da imprensa nacional e internacional analisando os Estados Unidos.
Colunista do UOL
06/01/2023 11h52Atualizada em 06/01/2023 15h53
Além dos discursos do presidente Lula no último domingo, dia da posse, acompanhamos, ao longo da semana, os eventos de oficialização do novo chanceler do Brasil, o diplomata de carreira Mauro Vieira e da nova secretária geral do Itamaraty, a diplomata Maria Laura da Rocha (que será a primeira mulher a ocupar o cargo, inclusive). Também testemunhamos a nomeação do ex-ministro Celso Amorim como assessor especial da Presidência da República, que deve ser um dos mais influentes conselheiros de Lula ao longo dos próximos quatro anos.
A mensagem que ecoa em uníssono a partir de todos eles é: “o Brasil voltou a se interessar pelo mundo”.
Com frequência, temos visto o rótulo de uma política externa “altiva e ativa” voltar à baila. Os integrantes de Lula 3 falam em manter a autonomia do Brasil, mas preservando um olhar universalista. Estabelecendo boas relações com Estados Unidos, Europa e com os BRICS, com foco na integração regional, especialmente sul-americana. Defendem a diplomacia verde como estratégia de reposicionamento do país e enfatizam, com frequência, a importância de cumprir contratos e assegurar previsibilidade e credibilidade para atrair investimentos.
Nesse momento chave para a História de nosso país, essa coluna decidiu abrir espaço para 23 acadêmicos brasileiros, estudiosos da inserção internacional do Brasil e de seus parceiros estratégicos, para reunir, em 2023, breves recomendações e reflexões sobre prioridades e sensibilidades de nossa política externa. Valorizar o diálogo entre a Academia, a imprensa e os formuladores de políticas públicas têm a cara do ano novo, afinal.
Eis o que dizem os especialistas:
“O Brasil precisará alavancar a relação bilateral com a China a um nível qualitativo superior, por articulação em esferas multilaterais para o meio ambiente e para segurança alimentar, e pelo desenvolvimento conjunto de parques tecnológicos”.
Aline Tedeschi, Hunan Normal University, Changsha (China).
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“A Ásia será o centro econômico e geopolítico do mundo e a retomada do protagonismo do Brasil passa por parcerias e oportunidades que têm a China como foco, mas que devem incluir países emergentes como Indonésia, Cingapura e Malásia e agendas de desafios comuns como meio ambiente, desenvolvimento econômico e tecnológico e a superação das instituições criadas e comandadas pelo ocidente desde 1945”.
Bruno Hendler, UFSM, Santa Maria.
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“A retomada das relações com o Sul é essencial para a reinserção do Brasil no cenário internacional. Em especial, o continente africano será fonte de desenvolvimento mútuo, ou seja, de trocas de boas práticas e reorientação para marcos essenciais para o desenvolvimento da população brasileira, como educação, saúde e (re)conexão com a história do Brasil”.
Camila Andrade, UFBA, Salvador.
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“O governo deve liderar a articulação de uma frente progressista no âmbito internacional que trate das consequências do modelo neoliberal vigente – como a precarização do trabalho, o desemprego e a desmobilização de sindicatos – fazendo frente, assim, à ascensão de movimentos de extrema-direita, muito bem organizados internacionalmente”.
Camila Feix Vidal, UFSC, Florianópolis.
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“Um dos grandes desafios de política externa que o próximo governo precisa enfrentar é fazer com que ela seja vista e tratada, de fato, como uma política pública, criando espaços e caminhos de aproximação com a sociedade civil, tal como já ocorre em outros âmbitos, sobretudo neste contexto de crise democrática no Brasil e no mundo”.
Carolina Silva Pedroso, Unifesp, São Paulo.
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“Um olhar pragmático mais atento para o Sul Global deveria ser priorizado, como caminho para articular agendas centrais com renovada relevância hoje, nas quais o Brasil já atuou outrora tão habilmente, a exemplo do meio ambiente e as novas economias; da justiça global e o combate à pobreza; e da paz e a questão nuclear”.
Daniela Vieira Secches, PUC Minas, Belo Horizonte.
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“O Brasil encontra-se em posição periférica na geopolítica global do conhecimento. Temas como inteligência artificial, digitalização, automação, cibernética, corrida espacial etc. são o pano de fundo das novas políticas exteriores. Convém ao nosso país apertar o passo em ciência, tecnologia e inovação, conectando essas áreas à produção da política externa – ou ficaremos definitivamente para trás”.
Dawisson Belém Lopes, UFMG/Oxford University, Oxford (Inglaterra).
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“A agenda da mudança do clima deve não apenas ter lugar central em todas as frentes de ação internacional do Brasil, como também levar em consideração suas interseções indispensáveis: a segurança alimentar e o diálogo com os povos originários – inclusive em trabalho conjunto com o novo ministério criado para esse tema”.
Elze Rodrigues, UEPB, João Pessoa.
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“A condução da política externa brasileira no novo governo Lula ainda é deles. Poderíamos deixar esse detalhe despercebido, não fosse o fato de o Itamaraty ser uma das instituições mais representativas do ethos conservador, elitista e patriarcal que ainda pulsa nesse país. Só uma imagem feminina à frente do Ministério de Relações Exteriores poderia sinalizar ao mundo e a nós mesmas que algo realmente mudou”.
Fernanda Cimini, UFMG/Harvard, Cambridge (EUA).
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“O governo Bolsonaro foi responsável pela quebra de um padrão histórico da diplomacia econômica brasileira: enfraqueceu a posição do país na OMC, aderiu acriticamente ao processo de alargamento da OCDE, enfraqueceu os blocos regionais e dinamitou coalizões. Uma das prioridades de Lula deve ser justamente o resgate de uma postura autônoma do Brasil nas discussões multilaterais de comércio, das coalizões e do multilateralismo amplo que considere, sobretudo, demandas específicas de países pobres”.
Filipe Mendonça, UFU, Uberlândia.
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“Um dos maiores desafios do novo governo será reorganizar as estruturas de integração da América do Sul. Para isso, Lula deverá se comprometer a liderar os esforços de superação da crise humanitária, política e econômica da Venezuela, abrindo caminho para uma era pós-Maduro”.
Guilherme Casarões, FGV EAESP, São Paulo.
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“Não há razões para crer na cessação do Terrorismo de Extrema-Direita. Internamente, a Lei Antiterrorismo (13.260/2016) não será o bastante. Simultaneamente, o caráter transnacional da ameaça deverá demandar que o Itamaraty trabalhe como nunca desde a redemocratização, especialmente nas extradições de alguns dos gurus do Bolsoterrorismo”.
João Raphael da Silva, University of the West of England, Bristol (Inglaterra).
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“O principal foco deve ser a desideologização. A política externa deve atender os interesses do Brasil de maneira pragmática, sem privilegiar ou desprezar um país por quem está no poder em um certo momento. Governos mudam, as relações devem permanecer”.
Karina Stange Calandrin, UNISO e Instituto Brasil-Israel, São Paulo.
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“Para os próximos quatro anos, o governo Lula deveria priorizar as relações com a África e a Ásia. Os dois continentes representam a maior parte do crescimento econômico global, além de oportunidades de investimento e trocas comerciais para empresas brasileiras”.
Lucas Leite, FAAP, São Paulo.
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“As lideranças governamentais precisam ecoar o que o país é. Não foi desta vez que tivemos uma chanceler feminina, por exemplo, mas ainda há chance de nos redimirmos através da indicação de embaixadoras para locais cruciais, como Washington, Londres e Buenos Aires”.
Lucas de Souza Martins, Temple University, Filadélfia (EUA).
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“Um dos grandes trunfos do Brasil para as próximas décadas e que pode ser utilizado como parte da agenda de política externa do governo Lula é o meio ambiente e o apelo a biodiversidade brasileira. O Brasil pode ter um papel central nas discussões internacionais sobre novos modelos industriais e produção de energia verde e pode desempenhar papel regional importante cooperando com outros países amazônicos”.
Marcos Sorrilha Pinheiro, UNESP, Franca.
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“O desafio para a política externa brasileira nos próximos quatro anos será redefinir e reafirmar os interesse nacionais brasileiros em prol do desenvolvimento sustentável. Para isso, enfrentará a leitura da Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos de que a influência russa e chinesa na América Latina representa uma ameaça a seus interesses vitais”.
Mariana Kalil, ESG, Rio de Janeiro.
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“Recomendo conhecimento institucionalizado no Ministério de Relações Exteriores sobre o Oriente Médio e que Líbano e Síria sigam alvo de nosso afeto e ajuda humanitária. Turquia bem como Israel seguem relevantes na política, segurança e mesmo energia da região. Sugiro, porém, novo olhar para o Golfo Arábico e o Marrocos, pois há potencial para nós em termos de turismo, educação, inovação e, no último caso, trocas em soluções agrícolas”.
Monique Sochaczewski, IDP e GEPOM, São Paulo.
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“Com uma das piores respostas sanitárias globais à crise do Sars-CoV-2, é preciso encerrar o ciclo de violação do direito à vida e à saúde dos brasileiros, promovido pelo governo Bolsonaro, e retomar o histórico propositivo do país na área, tanto no contexto das políticas sanitárias quanto nos acordos de cooperação internacional no âmbito do novo governo Lula”.
Rafaela Rodrigues, CPDOC/FGV, São Paulo.
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“A necessidade de recriar mecanismos de confiança para que os projetos afetos possam ter compliance em duplo prazo. De um lado, quanto aos assuntos de emergência, e no longo prazo, em programas que se estruturem com estabelecidos mecanismos de governança e controle”.
Sabrina Medeiros, Universidade Lusófona, Lisboa (Portugal).
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“Após anos de desprestígio e de esvaziamento do Itamaraty, é urgente reabrir embaixadas, melhorar as condições de trabalho dos nossos diplomatas e investir na formação de novos quadros, seja com mais vagas no Ministério de Relações Exteriores, seja com recursos para as graduações e pós-graduações em Relações Internacionais no país”.
Tatiana Teixeira, IRID/UFRJ e OPEU, Rio de Janeiro.
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“Agressões de grandes potências contra estados menores, como há décadas vemos no Oriente Médio e agora na Ucrânia, devem ser condenadas. Com esses horizontes, o Brasil poderá exercer um papel de liderança entre os países emergentes”.
Vicente Ferraro, USP, São Paulo.
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“O Brasil precisa reduzir sua dependência da China em comércio exterior, reconstruindo pontes com Estados Unidos, União Europeia e América do Sul com foco na exportação de manufaturados”.
Vinicius Vieira, FAAP, São Paulo.
Como se pode ver, há muito trabalho pela frente.
Vamos lá!
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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Fernanda Magnotta
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