Olimpíadas não ampliaram cultura do esporte e país ficou mais sedentário, diz Moser – UOL

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Para a ministra do Esporte Ana Moser, o legado das Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, se resumiu aos resultados no alto desempenho —como o recorde de medalhas na Tóquio-2020— e é insuficiente quando levada em consideração a quantidade de dinheiro investido no evento.
“Não se ampliou a base de praticantes, nem se aumentou a cultura do esporte. Hoje somos uma população mais sedentária do que éramos antes”, diz à Folha.
Agora à frente do ministério, ela afirma que sua principal secretaria será a de Esporte Amador, Educação, Lazer e Inclusão Social, que focará em parcerias com outras pastas, como Saúde e Educação, para conseguir ampliar o acesso à prática no país.
“Não sabemos hoje qual população é atendida por algum tipo de programa esportivo. Nem quantas pessoas, nem onde. Como fazer política sem saber isso?”, afirma.
O que a sua gestão fará já nos primeiros dias? Assim que possível, vamos estabelecer linhas de conversa com outras pastas, escrever propostas para as legislações [da Lei Geral do Esporte, Plano Nacional do Desporto e Sistema Nacional do Esporte] e rever as centenas de contratos em execução. Programas nós vamos desenhar mais para frente. Em fevereiro faremos nosso planejamento geral.
Qual deve ser a principal secretaria ou área de investimento? Estou aqui há três dias, esses são meus pensamentos, que ainda serão elaborados em proposta, que serão fechadas com o presidente Lula.
A principal secretaria será a de Esporte Amador, Educação, Lazer e Inclusão Social. Essas são as principais frentes para ampliar o acesso à prática. Mas ainda não fizemos o planejamento em termos de recursos. Uma coisa é a ideia na cabeça, que precisa ser incrementada no debate, passar pelo desenho jurídico e depois ser aprovada.
Como vai ser o diálogo com outras pastas? Tanto a Saúde como a Educação vão renovar seus planos nacionais nos próximos anos. O da Educação, por exemplo, não tem quase nada de metas que conversem com a educação física, como o volume de prática motora oferecido às crianças ou indicadores e metas que qualificam os recursos humanos na área. Simplificando um pouco: ao incorporar essas metas, naturalmente o esporte fica estruturado dentro da educação. Também [o ministério da] Saúde, que tem na saúde preventiva uma intersecção com o esporte. Hoje se dá mais remédio do que se promove a atividade física.

Qual a sua avaliação da Lei Geral do Esporte, o Plano Nacional do Desporto e o Sistema Nacional do Esporte, leis em debate no Congresso? Essas legislações definem o desenho federal e estabelecem um caminho para fazer o espelhamento disso nos estados e municípios.
A Lei Geral tem algumas questões a trabalhar, como o fundo do esporte e o cadastro nacional —uma ferramenta para mapear quem pratica esporte. Porque não sabemos hoje qual população é atendida por algum tipo de programa esportivo. Nem quantas pessoas, nem onde. Como fazer política sem saber isso?
Já no Plano Nacional, para a área do esporte para todos —que são as diretrizes um e dois dele—, elas têm cada uma cerca de cinco páginas. O alto rendimento tem 25. Óbvio que falta estruturar a própria visão política. Queremos elaborar uma proposta de indicadores e metas factível. Não adianta colocar como meta que 100% dos alunos pratiquem educação física três vezes por semana, se não se sabe quantos alunos fazem educação física, nem dizemos como fazer para atingir esse 100% em cinco anos. É uma meta sem compromisso com a realidade.
Precisamos de metas concretas: criar uma comissão de planejamento com Saúde e Educação, desenhar um programa de implantação… metas para serem alcançadas e aí avançar para outras metas. Se for aprovado assim, melhor nem aprovar, a gente vai acabar preso por uma lei que não ajuda a construir a realidade que se quer.
Até agora, você anunciou para a pasta nomes de dois ex-atletas e um ex-vereador ligado à educação física. Qual deve ser o retrato final do seu ministério? Venho querendo trazer essa geração que, nas últimas duas décadas, esteve junto nas trincheiras. Atletas, ONGs, gestores públicos, gestores de órgãos internacionais… faço parte de uma geração que vem trabalhando nessas duas décadas para o esporte como direito de todos. Talvez eu não consiga trazê-las para cá, porque não é fácil, pode ser que isso aconteça aos poucos, mas já está criando certo corpo.
E essas pessoas serão apoiadas por servidores qualificados, para fazer a máquina andar.
O que você pretende mudar, da gestão Bolsonaro, e o que pretende manter? Teve a Lei de Incentivo, que é algo que se manteve em funcionamento. O Parque Olímpico da Barra parece que tem cerca de um evento por semana, tem certa ocupação, mas precisava ser mais do que isso.
Nós chegamos aqui e alguns programas só tinham um nome, não tinham nem diretor, nem orçamento, nem desenho. Foram feitas coisas pontuais, mas efetivamente política teve muito pouco.
Qual a sua avaliação do legado olímpico? Muito pontual. Em termos esportivos, o COB [Comitê Olímpico do Brasil] e as confederações ganharam muito. Foi um período de vacas gordas —com patrocínios, convênios diretos com ministério e o dinheiro das loterias— que deu uma condição de desenvolvimento grande para as modalidades. Contrataram técnicos estrangeiros, prepararam equipes juvenil e adulta. Isso é legal, houve estruturação no hockey de grama, rugby, BMX, canoagem, luta greco-romana, boxe…

Mas investiu-se muito menos na base. Então tivemos bom resultado na Rio, em Tóquio e é provável que se mantenha em Paris, por esse ganho técnico. Mas não se ampliou a base de praticantes, nem se aumentou a cultura do esporte. Hoje somos uma população mais sedentária do que éramos antes.
Para o nível de investimento, esse legado tinha que ter sido mais permanente, para além das equipes principais. Ele foi parcial, e a gente tem a chance de dar continuidade a isso. Hoje o Brasil lida de uma forma mais madura com o esporte.
O Parque Olímpico deve voltar para União, ficar com a Prefeitura do Rio ou ser compartilhado? Não temos decisão ainda, vamos avaliar.
O que a sra. pretende alterar na Lei de Incentivo ao Esporte? Vamos avaliar quais são os gargalos, porque vai dobrar [o percentual de] isenção esse ano, o que fatalmente vai aumentar o volume de projetos e de operação. E os servidores não vão aumentar na mesma proporção. E precisamos buscar um uso mais coerente, como o TCU [Tribunal de Contas da União] alerta há muito tempo. Porque a lei diz que a prioridade são as categorias educacional e de formação, mas a maioria [dos projetos] é voltado para o [esporte de alto] rendimento.
Para crescer a participação dos projetos educacionais, precisamos qualificar a rede de instituições [voltadas ao educacional e formação]. Porque muitas não têm capacidade para formular, apresentar, aprovar, captar, executar e depois prestar contas de um projeto.
Os patrocínios de estatais para o esporte devem voltar? Vamos avaliar, não temos posição.
Ter regulamentado a lei das apostas esportivas, que o atual governo não regulamentou, seria importante? Tem muita gente debatendo isso. Eu, particularmente, [acho difícil] dar uma posição sobre isso.
E teremos reajuste no Bolsa Atleta? O edital é nesse mês, não acho que vamos fazer grandes mudanças nele. Sei que há anos não há reajuste, mas não tenho posição de governo sobre isso e é um assunto que mexe com recurso alto. E no início de mandato, a tendência é não fazer grandes gastos. Mas eu sou sensível ao tempo e vamos estudar antes de liberar o edital.
Após anos de escândalos de corrupção e abusos no COB, na CBF e em outras confederações, como deve ser a relação do governo com essas instituições? É o ministério que aprova o repasse de verbas e elas têm que aprovar contas com o ministério. O papel do ministério é regular, fazer ser cumprida a legislação. Foram criadas leis de governança, os artigos 18 e 18A [da Lei Pelé] garantem a participação dos atletas, impedem mais de dois mandatos seguidos por dirigentes. E é o governo quem emite o certificado [de cumprimento da lei] para essas instituições [para que elas possam receber recurso público]. Há uma conversa para se monitorar o desempenho das instituições e agregar isso à certificação, mas ainda são conversas. Não me aprofundei nisso.

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