Do general ao interventor: ‘Quer terminar o dia com sangue nas mãos?’ – VEJA

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Já era quase madrugada do fatídico 8 de janeiro quando as principais autoridades que deveriam ter contido os vândalos e evitado a irreparável destruição na capital do país se reuniram às pressas. Primeiro, um encontro entre o interventor da Segurança Pública do Distrito Federal, o jornalista Ricardo Cappelli, designado horas antes para a função, e o chefe do Comando Militar do Planalto, general Gustavo Henrique Dutra, foi improvisado no estacionamento de uma igreja próxima ao Quartel-General do Exército de Brasília.
Atônito e nervoso, Cappelli defendia uma resposta imediata aos atentados e queria reunir as tropas militares para retirar ainda naquela noite os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro que há mais de dois meses estavam acampados nas proximidades do QG.
Por um lado, seria uma forma de mostrar algum tipo de reação após um apagão total das forças de segurança e de, enfim, acabar com o acampamento onde os militantes faziam uma série de pedidos de golpe, como a intervenção militar e a tomada do Supremo Tribunal Federal. Na visão militar, porém, a desmobilização dos agrupamentos, naquele momento, embutia um alto risco de gerar mais uma cena de violência naquele dia de guerra em Brasília – e ninguém queria isso.
Apontando para uma ação atabalhoada e arriscada, já que era esperada uma reação com paus, pedras e que poderia descambar até para pessoas pisoteadas em meio à escuridão, o general Dutra pediu mais tempo para que fosse negociada uma saída ordenada dos acampados. “Meu camarada, hoje é um dos dias mais tristes da história do Brasil. Você vai querer terminar esse dia com sangue nas mãos? Vai querer terminar esse dia com gente lamentando mortes?”, disse a Cappelli.
O impasse sobre o destino dos acampados escalou e foi solucionado sem a presença do interventor. A decisão mobilizou um time de ministros – José Múcio (Defesa), Rui Costa (Casa Civil) e Flávio Dino (Justiça), além do comandante do Exército, Júlio Cesar de Arruda – para um outro encontro, desta vez formal e na sede do comando militar responsável pela proteção das instalações presidenciais.
Lá, foi acordado que o momento mais oportuno para a operação seria na manhã de segunda-feira – e assim foi feito. Sem atos de violência de ambas as partes, os cerca de 1.500 manifestantes que ocupavam as imediações do QG do Exército foram presos e levados para um galpão da academia da Polícia Federal – na noite de domingo, mais de 200 pessoas que estavam na Esplanada dos Ministérios durante os atentados já haviam sido presas. No caminho, em cenas que demonstravam a total falta de noção sobre a gravidade do que havia ocorrido em Brasília, eles empunhavam bandeiras do Brasil, cantavam o hino nacional e rezavam.
A retirada do acampamento foi a primeira de uma série de ações que tentaram dar alguma resposta – tardia – à sequência de erros que permitiu a depredação generalizada das sedes dos três poderes. A começar pela boa vontade dos militares em manter o grupo no local por mais de dois meses mesmo após os avisos, feitos pelos próprios “patriotas”, de que queriam um golpe para inviabilizar o mandato de Lula.
Também é injustificável a falta de um reforço no policiamento diante da já anunciada manifestação bolsonarista agendada para aquele domingo, com centenas de ônibus fretados rumo a Brasília, e a estranha permissão e até a simpatia da Polícia Militar para que eles alcançassem as entradas dos edifícios.
Em meio ao quebra-quebra, o ministro da Justiça, Flávio Dino, falou ao telefone com diversas autoridades. Nervoso, ele responsabilizava o governo do DF por alterar, na véspera e sem aviso prévio, o planejamento desenhado dias antes que impedia o acesso dos manifestantes à Praça dos Três Poderes e previa um reforço no efetivo de segurança de todos os prédios da Esplanada.
“Eu avisei que isso ia acontecer”, disse, alterado, em uma das ligações. Era só mais um capítulo do jogo de empurra que se instaurou em torno de quem seria responsabilizado pelas falhas – e não é difícil estender os erros, além do governo local, para as forças federais e militares. Se Dino tinha tanta certeza de que haveria esse risco, caberia a ele, por exemplo, empregar guarnições da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal para conter a área, além de ter convocado um maior contingente da Força Nacional para trabalhar naquele dia. Na véspera, ele autorizou a atuação de apenas 150 homens.
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