Análise: Está na hora do STF retirar poder de investigação do MP? – Migalhas

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Da Redação
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
Atualizado às 07:54
Recentemente, o ministro Edson Fachin, do STF, pediu destaque em cinco ações que tratam da competência e regulação do Ministério Público para instaurar e conduzir investigações. Com isso, os julgamentos serão reiniciados em plenário físico, em data a ser definida.
Nos casos em questão, ajuizados pelo PL e pela Adepol – Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, discute-se se membros do MP podem presidir e conduzir inquéritos policiais e procedimentos administrativos investigatórios criminais.
O tema já foi debatido em um outro processo (RE 593.727), com repercussão geral. Com efeito, em 2015, os ministros fixaram a seguinte tese:
“O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/1994, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição.”
Diante da importância do assunto, e entendendo que, após a avalanche Lava Jato, a Corte tem um encontro marcado com o tema, Migalhas foi ouvir especialistas para saber se – diante de experiências desastrosas – não estaria na hora de a Corte rever o poder de investigação dado ao MP, devolvendo-o para quem de direito, ou seja, as polícias?
Vejamos.
Importância de se definir como será a investigação
O advogado e professor Aury Lopes Jr. acredita que muito mais importante do que dizer quem vai investigar, se é o MP ou a polícia, é dizer como será feita a investigação.
O profissional lembra, ainda, que o juiz deve ser mantido afastado da investigação, em uma figura de garantidor.
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Segundo Aury, no Brasil existe um amorfismo investigatório, uma falta de desenho claro dos limites, que tem gerado investigações por parte do Ministério Público tão ou mais inquisitórias do que aquelas, feitas pela polícia, e que são criticadas durante décadas.
“Nós não resolvemos o problema da investigação e criamos um novo problema que é o MP fazendo a investigação como ele quer, do jeito que ele quer e exclusivamente no seu interesse.”
No entendimento do professor, o Brasil não conseguiu deixar claro e interiorizar que o MP tem o dever de investigar e buscar tanto os elementos de comprovação de autoria e materialidade quanto os elementos de exculpação.
“Infelizmente, o que nós estamos assistindo há muito tempo são várias investigações feitas exclusivamente em uma linha e que quando se deparam com uma prova que interessa a defesa simplesmente omitem, subtraem, não dão acesso e não trazem para os autos.”
Hoje, falta uma interação normativamente desenhada e realmente praticada entre MP e polícia, finaliza Aury.
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Princípio acusatório comprometido e falta de controle
Na avaliação do advogado criminalista Bruno Salles Ribeiro, quando se permite que o MP, além de propor a ação penal, também investigue, dois problemas são criados: o primeiro seria o comprometimento do princípio acusatório, já que o parquet está produzindo provas para ele mesmo apresentar na ação penal. O segundo problema seria uma falta de controle.
“As investigações carreadas pela Polícia Judiciária, seja pela Polícia Civil, seja pela PF, elas têm o controle jurisdicional e o controle do próprio MP, que vai fiscalizar o que está sendo feito e que pode pedir diligências, que pode encaminhar a investigação, inclusive.”
Segundo Salles, uma investigação do Ministério Público acaba se tornando uma “investigação de gabinete”, que pode nem chegar ao conhecimento das autoridades jurisdicionais em caso de arquivamento.
“O MP pode investigar da maneira que ele quiser, pode ir atrás das provas da maneira que ele quiser. Logo, essa é uma investigação que acaba não tendo muitos controles.”
Por esse motivo, no entendimento do advogado, o STF deve rever o tema.
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Para Bruno, deixar na mão do Ministério Público tanto poder pode causar duas situações extremas: a perseguição e a leniência/omissão.
“É muito fácil direcionar uma investigação. É muito fácil você só olhar fatos que poderiam comprometer o investigado.”
Ainda de acordo com o causídico, se o próprio MP é capaz de arquivar suas investigações, sem ter um controle, ações penais podem ser deixadas de lado por interesses políticos.
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Decisão acertada, mas com ressalvas
 Em contrapartida, o advogado e membro do MP/SP aposentado, Mauricio Lins Ferraz, diz que a decisão do STF que reconheceu o poder de investigação do parquet foi acertada e observou a ordem legal brasileira.
Todavia, segundo ele, o acompanhamento desse poder investigatório merece um olhar crítico e construtivo, voltado, com maior ênfase, para dois aspectos, sendo o mais importante a necessidade de que esse poder seja exercido sob a ótica do sistema acusatório vigente, “o que tem repetidamente sido desconsiderado”.
“A proximidade do órgão acusatório com o juiz, a atuação inquisitorial do julgador na instrução criminal, a assunção de posicionamento contrário à constitucional presunção de inocência, com encarceramentos provisórios massivos, e óbices comuns ao exercício pleno do direito de defesa são fatores que têm, por vezes, potencializado indevidamente a atuação do Ministério Público, em quebra injustificável e abusiva do equilíbrio processual, assim como a utilização abusiva ou irregular de meios de investigação, como o recurso a agentes sem atribuição para essa atividade e a opção injustificada de medidas excepcionais, como as interceptações telefônicas e telemáticas.”
No entendimento do ex-membro do parquet, o incremento dos instrumentos estatais de persecução penal é tarefa salutar, desde que realizado em ambiente em que preservados efetivamente os direitos e garantias constitucionais e sob sistema processual que assegure regular prestação jurisdicional.
Julgamentos em debate no STF
Nos casos citados no início desta matéria, já tinham sido depositados quatro votos no plenário virtual antes de os processos serem destacados pelo ministro Fachin, que também é o relator das ações.
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S. Exa., em seu voto, baseou-se no precedente de repercussão geral para reconhecer a competência própria do MP para promover investigações de natureza penal.
“Em relevante decisão proferida em sede de repercussão geral, esta Corte fixou a interpretação dos dispositivos impugnados nesta ação direta relativamente à atividade do membro do Ministério Público no âmbito dos processos penais preparatórios.”
Segundo Fachin, a Corte reconheceu que (i) não há uma espécie de “monopólio” da polícia para a atividade investigatória; (ii) a previsão normativa ampara-se nos poderes implícitos de que deve dispor o parquet para realizar investigações penais; e (iii) embora seja parte, a atuação do MP não coloca em risco o devido processo legal, desde que resguarda a prerrogativa dos advogados e a reserva de jurisdição.
“Como se observa, o reconhecimento de poderes implícitos e a ausência de monopólio para a investigação criminal são há muito acolhidas pela jurisprudência”, concluiu o relator.
Em sentido diverso votou o ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado por Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
Mendes destacou o risco de concentrar poderes “quase absolutos” em um único órgão estatal. Segundo S. Exa., não são raras as vezes que excessos são praticados em investigações criminais conduzidas por membros do parquet, muitas vezes com tonalidades políticas ou evidente abuso de poder.
“Diante dessa inafastável realidade, que não raras vezes é alçada ao conhecimento deste Tribunal em ações individuais, entendo ser necessária uma correção de rumos, com o objetivo de imunizar os dispositivos impugnados contra leituras desviantes ou oportunistas da Constituição Federal.”
Nesse sentido, afirmou ser necessário o controle judicial nos procedimentos investigativos instaurados pelo MP. Isto porque, “na hipótese de constatação de quaisquer ilegalidades, haverá espaço e ambiente adequados para promover a imediata correção dos desvios praticados pelo Estado, com a consequente reafirmação dos direitos fundamentais do investigado”.
Por todo exposto, o ministro propôs:
“A realização de quaisquer investigações criminais pelo Ministério Público pressupõe efetivo controle pela autoridade judicial competente, que deverá ser informada sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório, com o devido registro e distribuição, atendidas as regras de organização judiciária, sendo vedadas prorrogações de prazo automáticas ou desproporcionais.”
Com o pedido de destaque de Fachin, o caso volta do início em plenário físico e poderá ter nova abrangência.
Ainda não há uma nova data para os julgamentos, mas a previsão é de que o STF deverá rever, se não tudo, ao menos em parte o poder que foi, em alguns casos, mal utilizado.
Três ministros entendem ser necessário o controle judicial de procedimentos investigativos instaurados pelo MP.
MP acusava prefeito de Francisco Dumont/MG por recusa de fornecer dados para proposição de ACP.
Ministros, por maioria, concluíram que o MP tem competência constitucional para promover investigação de natureza penal.
Não se tenciona retirar a competência das policias federal e civis do Estado, mas a ela acrescentar uma outra cumulativa a ser exercida pelo MP.
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ISSN 1983-392X

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