Gestão Lula: veja como novo governo já alterou política armamentista no Brasil – O POVO

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A história da política armamentista no Brasil ganhou novo capítulo no último domingo, 1°, quando Luís Inácio Lula da Silva assumiu o cargo de presidente da República. Na ocasião, o mais novo mandatário do País assinou um decreto e fez um “revogaço” de atos editados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro — dentre eles,  aqueles que flexibilizavam a compra e o porte de armas e que beneficiavam caçadores, colecionadores, atiradores e particulares (CACs).
Não é de hoje que o petista, que aos 77 anos assume seu terceiro mandato como dirigente da nação, se mostra rigorosamente a favor do desarmamento. Durante a cerimônia de posse, ele fez questão de reforçar sua postura e de apontar para onde encaminharia o debate sobre o tema. “O Brasil não quer e não precisa de armas nas mãos do povo, o Brasil precisa de segurança, de livros”, disparou na ocasião.
No entanto, quando recebeu a faixa — das mãos de representantes do povo, o ex-líder sindicalista herdou também a responsabilidade sobre um Brasil que vivia em meio a uma corrida armamentista, com um histórico de leis para compra e porte de armas sendo flexibilizadas nos últimos quatro anos. 
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Os principais beneficiados com essas normas foram os CACs. Isso porque durante a gestão de Bolsonaro ficou permitido, por exemplo, que o atirador passasse a ter acesso até 60 armas, sendo 30 delas de uso restrito e 30 de uso permitido, chegando a adquirir, se desejasse, 180 mil munições por ano. 

Presidente Jair Bolsonaro treina a mira com arma de fogo
Presidente Jair Bolsonaro treina a mira com arma de fogo (Foto: Reprodução/Instagram)

Com essas deliberações, o número de armas de fogo registradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) disparou durante o período de mandato do ex-chefe do Planalto. No primeiro ano de sua gestão houve o registro de 78.335 delas, indo para 137.851 em 2020 e 257.541 em 2021. 
Já em 2022, sob a possibilidade de uma mudança de presidente, o número de armas registradas — somente entre janeiro e novembro, disparou para 391,3 mil. Foi esse cenário que Lula encontrou antes de assinar o novo decreto sobre tema e revogar normas e portarias para conter a política armamentista. 
 
As novas regras sobre o regulamento de armas no País foram publicadas no Diário Oficial da União (DOU), no dia 2 de janeiro. O decreto de Lula suspende, dentre outros, os registros para a aquisição e transferência de armas e de munições de uso restrito por CACs e restringe os quantitativos de aquisição de armas e de munições de uso permitido.
Confira as principais mudanças:
Clubes de tiros podem continuar funcionando, mas fica suspenso a concessão de novos registros de clubes e escolas de tiro até a publicação do novo texto do Estatuto do Desarmamento.  
O decreto assinado por Lula traz impactos para caçadores, colecionadores, atiradores e particulares (CACs) e tem recebido rejeição de quem apoia a flexibilização de armas. O deputado bolsonarista Sanderson (PL-RS) apresentou um projeto de decreto legislativo para suspender a norma editada pelo presidente.
De acordo com Wagner Belém, advogado criminalista e especialista em legislação de controle de armas, “é esperado” que aconteça um movimento contrário ao decreto de Lula. O profissional aponta que, dentre os motivos para que mudanças não sejam aceitas, está a de que norma possui brechas e contradições.
Isso porque entre as decisões tomadas pelo presidente está a de que o transporte de armas não pode ocorrer com elas carregadas. No entanto, ele não revogou o Decreto nº 10.627 de 12 de fevereiro de 2021, que libera o trânsito com armas municiadas, criando um conflito. “Uma lei nova só pode dar validade a uma situação se não tiver uma lei antiga que sustente essa situação”, pontua Wagner.
Outro fato apontado por Belém, que é ainda presidente da Liga Brasileira de Atiradores (LBA), é que, por lei, o único responsável pela segurança do acervo do CAC é ele mesmo. “É irrazoável eu não ter uma arma municiada para proteger o meu acervo”, aponta o profissional, que também faz parte desse grupo. Ele destaca ainda: “Esse decreto do Lula é confuso e controverso (…) Ele fere princípios constitucionais. Ele fere o próprio estatuto do desarmamento”.
Advogado também aponta o fato de que, agora, o CAC precisa registrar suas armas na Polícia Federal, sendo que elas são, por lei, de competência do Exército. “Há um choque de conflitos de normas muito grande (…) Na minha ótica, na minha humilde opinião, é um decreto que já nasceu morto (…) Falta muita maturidade legislativa e de conhecimento legislativo do legislador que fez esse decreto”, pontua.
 
Mesmo com controvérsias apontadas, novo decreto já vigora e traz impactos. Silvio Cavalcanti, 54, atirador esportivo (CAC) e instrutor de armamento e tiro, é uma das pessoas atingidas pela norma. O profissional fez investimentos financeiros para reabrir um clube de tiro em Aracoiaba, Ceará, neste mês de janeiro— mas por conta das novas regulamentações a reabertura precisou ser suspensa. 
Ele destaca que o tiro esportivo é um esporte olímpico, sendo a primeira modalidade onde o Brasil ganhou o ouro na história, mas que “foi misturado e transformado em questão política” até pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que tentou “valorizar, mas acabou transformando o tema em assunto político”.
Entre os pontos do decreto, Silvio destaca o fato de que o número de armas para o atirador foi limitado a três. Mesmo achando um “exagero” o número permitido anteriormente (60), ele acredita que novo decreto vai prejudicar e limitar participação de atletas nas modalidades de competição do tiro esportivo. 
“Ele (decreto) vai estar limitando a participação do atirador esportivo a três participações no máximo, porque ele vai ter acesso a três armas”, destaca. Silvio lembra a importância de que o atleta tenha condições financeiras de ter duas armas iguais, para o caso de uma dar pane e ele ficar impossibilitado de competir.
Sobre a segurança, que fomenta o debate, o atirador pontua que existem as normas determinadas também para quem é atirador esportivo, como a de que a arma tem que ser guardada no cofre e separada da munição. “É controverso dizer que arma de fogo mata, ela não mata, quem mata são pessoas (…) A intenção de matar é o que vai causar a morte, não é a arma de fogo (…) Eu tenho minhas armas e nunca jamais atirei em alguém porque eu nunca tive a intenção de matar alguém”, pontua.
 
Se de um lado existe uma rejeição sobre o tema, do outro há quem aprove o novo decreto e comemore. De acordo com Beatriz Graeff, pesquisadora do Instituto Sou da Paz, grande parte da população é contra a cultura do armamento e apenas uma parcela da sociedade é a favor. 
“Colocar esse freio na proliferação de armas é importante para retomar uma política responsável de controle de armas (…) A gente vê com bastante otimismo esse decreto que foi promulgado e a gente acha que é simbólico que seja um dos atos inaugurais da gestão porque mostra a centralidade do assunto”, destaca.
Entre os pontos do decreto que considera como mais importante estão a suspensão temporária da venda de armas de uso restrito e o fim do transporte de armas municiadas. “Hoje o cidadão comum tem acesso ao mesmo armamento que a policia”, frisa, completando: “A possibilidade de transportar permitia que não tivesse fiscalização para ver se essa pessoa estava realmente indo ao local (…) Deixava sem critério para saber se realmente ela estava se deslocando para a localidade (que dizia estar indo)”.
Segundo Beatriz, pesquisas produzidas tanto no Brasil como internacionalmente mostram que a presença da arma de fogo é um fator de risco para convivência. “Existe uma série de estudos que mostram como a arma de fogo é um fator de risco (…) A gente viu o aumento de feminicídios no Brasil, a metade ocorre por armas de fogo, na casa da vítima”, destaca.
Pesquisadora ainda pontua que incentivar a política desenfreada de armamento é “ignorar” a desigualdade do País, uma vez que os jovens negros de periferia são os que mais são vitimas de arma de fogo no Brasil. “(A arma) É um elemento que quando presente em uma situação de violência pode levar a uma violência letal”, destaca. 
 
 
No Ceará, por exemplo, o debate sobre o tema foi inflamado há cerca de três meses, quando um adolescente matou um colega de 15 anos e lesionou outros dois garotos dentro da escola, em Sobral. Na ocasião, ele usou uma arma de fogo registrada no nome de um CAC. 
A apuração policial concluiu que a pistola calibre 40 já estava na casa do adolescente antes do ocorrido, facilitando o acesso dele à arma. O pai do adolescente chegou a ser preso pelos crimes de porte ilegal de arma, omissão de cautela, fornecer arma de fogo para criança ou adolescente, corrupção de menor e homicídio culposo (quando não há intenção de matar). 

César Barreira, professor do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), falou sobre mudanças em entrevista à Rádio O POVO CBN, em janeiro. Segundo especialista, o decreto “veio em boa hora”, pois o País vivia uma circulação sem controle de armas de fogo e o decreto veio regulamentar isso de uma “forma mais energética e mais dura”.
“Quando não se tem o controle, a possibilidade de aumentar a circulação de armas ilegais aumenta (…) E a falta de controle leva a uma situação que já estamos vivenciando há muitos anos, policiais apreendem armas mas não há o controle da situação”, destaca, completando que “quem deve andar armado com arma de fogo é policial em serviço”, a população “deve ser protegida pelo estado”.
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