Como funciona e o que esperar do Plenário Virtual do STF – Consultor Jurídico

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Por Beatriz Bastide Horbach
O chamado Plenário Virtual (PV), sistema em que demandas judiciais submetidas ao Supremo Tribunal Federal podem ser julgadas pelos seus ministros de forma eletrônica, é hoje instrumento essencial à celeridade do exercício da jurisdição constitucional. Desde sua instauração, em 2007, ainda pela ministra Ellen Gracie[1], aos atuais avanços durante a Presidência da ministra Rosa Weber, é considerável o número de alterações feitas em sua sistemática para garantir que a Corte siga desempenhando suas funções com excelência. Em meio a diversas inovações, é comum haver dúvidas em relação ao seu funcionamento. 
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que, quando falamos em Plenário Virtual, estamos nos referindo a dois ambientes de julgamento: o Plenário Virtual da sistemática da repercussão geral; e o Plenário Virtual que julga todos os tipos de ações e que nada mais é do que uma extensão das sessões do Pleno e das Turmas físicas do STF. Ambos passaram por aperfeiçoamentos ao longo dos últimos anos, seja em relação à competência, a prazos ou a procedimentos.
Atualmente, a Presidência da Corte ou algum de seus ministros, ao entender pela necessidade de reconhecimento ou de rejeição da repercussão geral de determinada matéria, pode inserir no sistema eletrônico manifestação em que apresenta sua proposta. Essa análise tem início normalmente às sextas-feiras, em sessão que dura seis dias úteis — até a Emenda Regimental 58, de 19 de dezembro de 2022, os demais Ministros tinham vinte dias para votar.
Há duas etapas para análise da repercussão geral. Primeiro, os ministros manifestam-se em coluna específica, marcando entender se há matéria constitucional no processo em questão. Na coluna seguinte, indicam se julgam haver repercussão geral, nos termos do artigo 1.035, CPC.
Apenas caso a maioria absoluta dos membros da Corte decida pela existência de questão constitucional é que a segunda coluna será considerada, reconhecendo-se ou rejeitando-se a repercussão geral da matéria constitucional. Na hipótese da maioria absoluta entender pelo caráter infraconstitucional do tema apreciado, isto é, marcando no sistema que não há matéria constitucional, automaticamente é reconhecida a ausência de repercussão geral, restando autorizada a negativa de seguimento de recursos extraordinários que tratem do tema nas instâncias de origem.
É importante ressaltar, no ponto, que a análise da existência de matéria constitucional e da repercussão geral é apenas uma espécie de "análise prévia". Se a proposta de repercussão geral tiver sido apresentada pela Presidência, a ação, após passar por essa avaliação prévia, será regularmente distribuída e, com novo relator, terá prosseguimento comum, para posterior julgamento de mérito. Caso outro ministro tenha apresentado a manifestação, esse seguirá responsável pela demanda. Destaque-se que o julgamento do mérito do processo paradigma da repercussão geral, com a respectiva fixação de tese, pode ser submetida à sessão virtual do Plenário ou à sessão presencial.
O Plenário Virtual da sistemática da repercussão geral conta, ainda, com uma terceira coluna de votação, disponível às situações em que o relator propõe reafirmação de jurisprudência. Isso significa que, ao constatar que um entendimento já está consolidado no STF, a Presidência ou qualquer Ministro pode submeter a proposta aos demais, já encaminhando o julgamento do mérito — com base na jurisprudência — e sugerindo tese.
Nessa hipótese, após preenchimento das duas primeiras colunas, relacionadas à existência de matéria constitucional e de repercussão geral, uma terceira coluna, denominada "reafirmação de jurisprudência" será disponibilizada aos Ministros para: acompanhar o relator no reconhecimento da jurisprudência; acompanhar, incluindo, por escrito, ressalvas, ou, eventualmente, apresentando proposta própria de redação da tese; ou, por fim, rejeitar a proposta de reafirmação de jurisprudência. Caso a maioria seja contrária à reafirmação, mas o quórum da existência de matéria constitucional e de repercussão geral tenha sido atingido, o processo segue curso normal para posterior apreciação do mérito.
Além do relator do processo submetido ao PV da sistemática da repercussão geral, qualquer ministro pode propor reafirmação de jurisprudência. Tal cenário ocorreu, por exemplo, em processo de relatoria do ministro Edson Fachin, em que este se pronunciou apenas pelo reconhecimento de repercussão geral da matéria constitucional referente à utilização, em processos administrativos, de provas penais consideradas ilícitas.
Durante a sessão, ministro Gilmar Mendes lançou no sistema manifestação própria a indicar já haver jurisprudência consolidada sobre a temática, propondo sua reafirmação e consequente julgamento de mérito, com fixação de tese — no que foi acompanhado pela maioria[2]. Ressalte-se que no Plenário Virtual da sistemática da repercussão geral não é possível pedir vista, nem destacar processos. Além disso, caso algum ministro não se manifeste, sua participação não será registrada na ata de julgamento.
Já em relação ao Plenário Virtual que é uma extensão do Pleno e das Turmas físicas, a partir da ER 53/2020, qualquer processo de competência do STF pode ser submetido a julgamento em ambiente eletrônico[3] — o que se mostrou crucial durante a pandemia de Covid-19. Isso fez com que várias demandas pautadas para julgamento em sessões presenciais fossem inseridas no PV, incluindo méritos de repercussão geral, o que desafogou — e muito — a pauta física.
Relatório elaborado pela Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação da Corte indica que essas alterações impactaram na proporção de decisões proferidas pelo STF por meio do Plenário Virtual[4]. Aponta-se que o Tribunal proferiu 81,9% de suas decisões colegiadas em ambiente virtual no ano de 2019, e 95,5% no ano seguinte. Em 2021, em dados levantados até 30 de junho, o quantitativo já estava em 98,4%.
Na prática, o PV funciona da seguinte forma: o relator da ação inclui o processo em pauta, pelo sistema digital, podendo selecionar a sessão em que deseja inseri-lo, observada a antecedência mínima de cinco dias entre a data da publicação da pauta e o início do julgamento. Ou seja, ao contrário da pauta física, que é administrada pela Presidência da Corte, é o próprio relator que determina em que sessão virtual deseja apresentar ação de sua relatoria para julgamento.
A sessão virtual dura seis dias úteis e tem início à meia-noite de sexta-feira. Os ministros têm até 23h59 da sexta-feira seguinte para inserir seus votos. Esses dias podem sofrer alterações a depender de feriados, para observação dos prazos do Código de Processo Civil. No sistema interno, as ações em julgamento estão separadas por listas, que recebem numeração anual e em ordem crescente associada ao ministro relator, com a designação se pertencem ao Plenário ou às Turmas — Primeira ou Segunda. Com o início do julgamento, relatório e voto podem ser consultados inclusive pelo público externo por meio do site do STF, em aba na qual disponibilizadas informações da ação em questão ("acompanhamento processual").
Para cada processo, os julgadores podem selecionar as seguintes opções: acompanhar o relator; acompanhar o relator com ressalvas; divergir do relator; declarar-se impedido ou suspeito. Na hipótese de acompanhamento com ressalvas, ou divergência, é necessário inserir voto escrito e fundamentado no sistema. Ao haver divergência, novo campo de escolha se abre aos demais, agora também com a aba "acompanhar a divergência", com a indicação dos ministros que divergiram, para que se escolha qual deles se pretende acompanhar.
Há, ainda, as opções "vista" ou "destaque". Ao pedir vista, a lista a qual pertence a ação aparece com coloração diferente das demais que estão sendo julgadas, sendo facultado aos ministros antecipar o voto ou esperar para se pronunciar apenas quando da continuidade do julgamento. O mesmo ocorre com pedidos de destaque, opção conferida a qualquer ministro que entenda que a causa deva ser julgada em sessão presencial. Os pedidos poderão ser devolvidos para julgamento virtual, a critério do vistor, com a concordância do relator.
Ao haver pedido de destaque, o julgamento era completamente reiniciado no ambiente físico, e votos já proferidos eram desconsiderados — inclusive de ministros que não mais integram a Corte. Entretanto, em questão de ordem apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes na ADI 5.399, o Plenário do STF decidiu que tais votos não deveriam ser ignorados, em sistemática semelhante ao que já ocorre com a continuidade de julgamento após pedidos de vista[5]. No caso, a Corte entendeu por bem aplicar o posicionamento a partir desse julgamento, não o validando para ações já julgadas.
A Segunda Turma, por sua vez, ao acolher questão de ordem suscitada pelo ministro Gilmar Mendes no MS 28.743, fixou entendimento em consonância com a questão de ordem da ADI 5.399 no sentido de que o Ministro sucessor, inclusive quando relator, "poderá proferir voto, nos casos em que, após o início do julgamento e tendo havido voto do Ministro sucedido, surja fato novo não antes apreciado e cuja análise seja admitida no feito, mediante manifestação que trate acerca do fato novo e sua influência no julgamento do processo"[6].
Outra regra que sofreu alteração nos últimos anos é relacionada ao cômputo do voto do Ministro que se abstém de julgamento no ambiente virtual, isto é, do que não seleciona nenhuma das opções pré-configuradas no sistema. Essa ausência era computada como adesão ao voto do relator, mas, a partir da Resolução 690/2020, passou a ser considerada abstenção, não registrada na ata de julgamento. Por meio dessa mesma resolução restou igualmente disposto que, na hipótese de não ser alcançado quórum de votação ou ocorrendo empate, o julgamento deverá ser suspenso e incluído na sessão virtual seguinte
Em relação a sustações orais, estas poderão ser apresentadas em arquivo eletrônico em áudio ou vídeo, em formato que observe o tempo regimental, e serão disponibilizadas aos ministros no sistema de votação. É viável, ainda, a apresentação de memoriais, que ficarão igualmente visíveis a todos. Observe-se que, nas ações em há essas manifestações, o registro de voto fica condicionado à visualização do respectivo arquivo.
Por fim, a ER 58/2022, elenca mudanças procedimentais que terão bastante impacto na quantidade de processos submetidos a julgamento virtual. Pedidos de vista agora devem ser devolvidos no prazo de noventa dias, a contar da publicação da ata de julgamento da ação, ou a partir da publicação da emenda, para pedidos de vista já formulados. Passado esse período, os autos estarão automaticamente liberados para apreciação pelos demais julgadores.
Além disso, a partir desta emenda, medidas cautelares necessárias para evitar grave dano à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa (artigo 21, V, Ristf) devem ser imediatamente submetidas a referendo do Plenário ou da respectiva Turma, preferencialmente em ambiente virtual. A submissão será automática para a pauta da sessão virtual subsequente, caso o relator não opte por apresentar o feito diretamente em mesa, na primeira sessão presencial seguinte à concessão da decisão — o que não impede sua manutenção na sessão virtual, se não for analisado. Como regra de transição, estabeleceu-se que cautelares já concedidas nesses termos devem ser submetidas para referendo no prazo de até noventa dias úteis, a contar da publicação da emenda regimental.
A ER 58/2022 também dispõe sobre a possibilidade de realização de sessões virtuais extraordinárias, com prazo mínimo de vinte e quatro horas, convocadas pela Presidência a pedido do Ministro relator, para referendo de medida cautelar, em hipóteses de excepcional urgência – o que já era previsto desde a Resolução nº 669/2020.
Mencione-se que recentemente foi convocada sessão virtual extraordinária, aberta de forma permanente entre os dias 9 e 31 de janeiro de 2023. A medida foi tomada pela presidente da Corte para permitir a votação célere de julgamentos colegiados que se fizessem necessários durante o período de recesso, considerado o excepcional momento resultante dos ataques sofridos pelos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023. As primeiras medidas cautelares submetidas à sessão foram concedidas pelo ministro Alexandre de Moraes[7], referendadas em julgamento que teve início e fim em 11 de janeiro de 2023.
De maneira geral, esses são os principais traços do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal. É fato que a prática expõe desafios e situações em que o julgamento em ambiente virtual apresenta certas dificuldades — como, por exemplo, em casos em que há mais de uma proposta para fixação de tese. Há, entretanto, espaço para aprimoramentos, e o sistema é objeto de constante avaliação. Nesse contexto, os próximos meses serão de bastante observação, para que se possa aferir os impactos das recentes alterações procedimentais e em que medida o ambiente virtual está apto a absorver novos estímulos.
[1] Emenda Regimental nº 21, de 30 de abril de 2007.
[2] ARE 1316369-RG, julg. Em 9.12.2022.
[3] Art. 21-B do RISTF.
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. O plenário virtual na pandemia da Covid-19. Brasília: STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022, p. 8.
[5] ADI 5399-QO, Rel. Min. Roberto Barroso, julg. em 9.6.2022.
[6] MS 28.743, 8.743, Rel. Min. Celso de Mello – Nunes Marques, julg. em 11.11.2022.
[7] Inq 4879-Ref e Inq 4879-Ref-segundo, Rel. Min. Alexandre de Moraes.
 é doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito pela Eberhard- Karls Universität Tübingen (Alemanha), assessora de ministro do Supremo Tribunal Federal e membro do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional.
Revista Consultor Jurídico, 28 de janeiro de 2023, 10h17
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