Quem manda na política monetária? – Outras Palavras

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Na primeira reunião do Copom, uma encruzilhada para Lula: Banco Central tem diretoria bolsonarista até 2024 — e o financismo tentará forçar os juros altíssimos. Mas reconstrução nacional depende da redução de custos — para famílias e empresas
Entre os dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro deverá ocorrer a primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) sob a vigência do terceiro mandato do Presidente Lula. Como se sabe, a composição do colegiado replica exatamente o cenário de uma reunião ordinária da diretoria do Banco Central (BC). No entanto, a atribuição específica deste encontro, que ocorre a cada 45 dias, é debater a conjuntura econômica e apontar o patamar da taxa referencial de juros, a Selic, para o próximo período.
Atualmente, a taxa está fixada em 13,75% anuais, tal como definido na 251ª reunião do Comitê, realizada em 8 de dezembro do ano passado. Naquele momento optou-se, mais uma vez, por manter a taxa nesse nível bastante elevado, a exemplo do que vinha sendo estabelecido desde agosto. O Brasil segue oferecendo às finanças internacionais uma das mais elevadas remunerações financeiras para o capital especulativo, com um impacto severo também no plano interno. A Selic opera como base para as demais taxas operadas no mercado financeiro, provocando uma elevação significativa dos custos dos empréstimos. Se levarmos em consideração também os extraordinários spreads cobrados por bancos e demais instituições do mundo das finanças, perceberemos a forma como vem sendo tratada há décadas a atividade produtiva, ou seja, as enormes dificuldades enfrentadas no mundo do setor real de nossa economia.
O Copom tem como mandato principal a observação da meta de inflação, tal como definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Atualmente, existe uma banda de variação de 1,5% para mais e para menos em relação ao centro da meta de crescimento dos preços, que é de 3,5%. Assim, qualquer valor do IPCA entre 2% e 5% estaria dentro do limite do aceitável. Ora, a inflação anual acumulada em 2022 foi de 5,79%, um valor ligeiramente mais elevado do que a banda superior da meta. No entanto, o povo do financismo faz questão de esquecer os demais objetivos que o comitê deveria ter em mente ao definir a Selic. Vejamos o que diz o artigo primeiro da Lei Complementar 179/21, esta mesma norma que estabeleceu a independência do BC:
(…) “Art. 1º O Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços.
Parágrafo único. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.” (…) [grifo nosso]
Os diretores do BC sabem que o Brasil apresenta um total de desempregados superior a 9 milhões de pessoas. Estas são as que responderam positivamente à pergunta se haviam procurado emprego nos últimos 30 dias. Porém, há uma outra informação essencial, uma vez que uma parcela da população desempregada desistiu de ir atrás de algum posto de trabalho pois essa busca implica em gastos também. Assim temos 9,5 milhões desempregados mais 4,5 milhões daqueles que o IBGE classifica como “desalentados”. Esse total representa uma taxa de desemprego de 8,7% e uma taxa de desalento de 3,9%, ou seja, um percentual de gente sem emprego de fato equivalente a 12,6% da força de trabalho.
No entanto, é importante registrar que estamos desde 2016 sob a égide de uma reforma trabalhista redutora de direitos, por meio da qual a precariedade e a informalidade acabaram sendo “normalizadas” nas relações entre empresas e assalariados. Assim, há um enorme contingente de indivíduos que trabalham de forma intermitente ou sendo remunerados por hora, geralmente abaixo de suas necessidades e de sua disponibilidade para o trabalho. Este trágico universo é elegantemente classificado pelo IBGE como “subocupados por insuficiência de horas trabalhadas”. Assim, se somarmos os desempregados, os desalentados e os subocupados chegaremos ao índice de 20,1% de subutilização da força de trabalho.
Ora, parece mais do que evidente que tais informações deveriam entrar na planilha de cálculo dos integrantes do Copom para embasar sua decisão relativa à Selic. Afinal, o mandato da lei é explícito em que um dos objetivos do BC deveria ser o de “fomentar o pleno emprego”. Mas não é isso que acontece. O colegiado tem seu foco voltado para atender exclusivamente aos interesses do financismo e pouco se deixa influenciar pelo que se passa com a vida da absoluta maioria da população. Tanto que promoveram uma brutal elevação da Selic desde o início de 2021. Naquele período a taxa estava em 2% e houve aumentos sucessivos ao longo de 12 reuniões consecutivas do Copom, até atingir os atuais 13,75%. Uma loucura! Tudo isso em nome de um combate equivocado a uma inflação causada por ausência de medidas governamentais para conter os preços dos alimentos e dos combustíveis.
Essa questão do lobby do financismo fica bastante evidente quando se identificam as fontes de informação para que os membros do colegiado tomem suas decisões. Trata-se de uma pesquisa encomendada pelo BC junto à nata do sistema financeiro e que apresenta resultados semanais retratando as chamadas “expectativas do mercado”. Ali estão presentes quesitos como PIB, inflação, setor externo e também a própria SELIC. O detalhe é que a pesquisa Focus é encaminhada a tão somente 140 dirigentes de bancos e instituições financeiras. Não são ouvidos professores das universidades, integrantes de instituições de pesquisa, economistas das centrais sindicais e outros grupos sociais que não sejam os dirigentes do mundo das finanças.
As intenções e os desejos deste restrito e seleto universo são reproduzidos pelos grandes meios de comunicação como se fossem o retrato fiel das necessidades do conjunto de nossa sociedade. As frases preparadas pelas editorias de economia mencionam que “o mercado pensa”, “o mercado exige”, “o mercado sugere”, “o mercado reage”, “o mercado avalia” e outras pérolas mal intencionadas que buscam dar vida e forma humana aos interesses mesquinhos de ganhos do capital financeiro. Como é possível que os destinos de toda a sociedade e de todos os setores da economia sejam determinados por pouco mais de uma centena de indivíduos que não têm nenhuma preocupação com algum projeto de nação? Esse modelo de tomada de decisão apresenta um viés claro em favor do atendimento dos interesses da elite do planeta da finança. E isso precisa mudar de forma urgente.
Sempre que se aproxima a data de mais uma reunião do Copom, é perceptível como os ambientes da Faria Lima começam a se agitar. O mote do momento atual refere-se aos riscos de um suposto “descontrole inflacionário”, derivado de um retorno do populismo fiscal dos governos do PT. Além disso, apresentam as possibilidades de que o FED, autoridade monetária dos Estados Unidos, promova também uma elevação na taxa de juros referencial daquele país em sua próxima reunião. Assim, tentam forçar a barra em torno da manutenção da nossa Selic por mais um período de 45 dias nesse patamar já insustentável. Ou, no máximo, aceitariam uma redução microscópica. O relevante na questão é que os nove membros do colegiado não possuem nenhuma legitimidade para se opor a um projeto escolhido pela maioria da população em outubro do ano passado.
Lula foi eleito para um mandato de quatro anos e apresentou um programa que inclui a necessidade de retomada do crescimento da economia e a busca de um modelo de desenvolvimento com redução das desigualdades. A urgência de medidas para recompor o Brasil que foi destruído por Guedes e Bolsonaro passa pela redução do custo financeiro das atividades de forma geral, seja para as famílias, seja para as empresas, seja para o próprio governo. O Copom deveria ter a obrigação de acompanhar a legitimidade do governo que acabou de tomar posse e articular a política monetária às necessidades mais gerais da política econômica.
Alguém tem alguma dúvida a respeito de quais seriam os termos do comunicado a ser divulgado pelo BC por volta das 18 horas do dia 1º caso Lula ainda tivesse o poder de nomear toda a nova diretoria do BC logo depois de sua posse? Afinal, esta havia sido sempre a regra, desde a criação do órgão em 1964. Com certeza a Selic seria rebaixada para um patamar bem inferior. Infelizmente, o financismo anteviu esse cenário há dois anos e conseguiu emplacar a nova lei da independência do órgão. Graças a esse artifício, a reunião desta semana contará com todos os nove integrantes nomeados ainda por Bolsonaro para o banco. Não se enganam aqueles que, por acaso ou por elevada sensibilidade, sentirem um leve odor de sabotagem no ar.
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