A tal da política – Cada Minuto

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Peço licença ao leitor e à leitora para lembrar um texto antigo, até muito batido, mas que talvez seja a mais honesta e precisa provocação sobre o tema proposto nesta crônica.

Ei-lo: 

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo.

Eu era pouco mais do que um adolescente quando vi este poema – O analfabeto político, de Bertold Brecht – pela primeira vez. Lembrá-lo, agora, e sabê-lo tão atual, não me dá orgulho e soa até como algo assim: “Eu bem que avisei” – dito pelo poeta alemão (10/2/1898 a 14/8/1956) com a clarividência que só os poetas possuem (“como os cegos sabem ver na escuridão”- Chico Buarque).

Pois bem: entre todas as coisas importantes da vida – e estamos falando de algo fundamental -, a "tal" da política é a que devemos tratar com a mais absoluta racionalidade, deixando de lado, tanto quanto possível, qualquer sinal de paixão. Esta, destinemos às coisas que nos alimentam a alma.

Mas não podemos esquecer que é tão importante na vida fazer as coisas de que mais gostamos quanto nos dedicarmos àquelas que precisamos fazer. Votar com clareza, acho, há de ser uma delas – mesmo se isso já lhe causa descontentamento pelas tantas frustrações passadas. 

É inegável que somos mais exigentes com os políticos, de forma geral, do que com as pessoas do nosso entorno, do dia a dia, até mesmo das nossas famílias. Cobramos deles, muitas vezes, as virtudes que não identificamos em nós mesmos ou nos nossos mais próximos e queridos. Assim como todos, os profissionais do ramo são poços de contradição – o que não os autoriza a ser aquele personagem identificado no poema de Brecht: “o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo”.

Talvez seja mais prudente para nós, as pessoas comuns, seguir as ideias, não os homens, até porque aquelas mudam frequentemente de CPF, e é preciso estar atento à constante migração. Tenhamos em mente, também, que o nome escolhido agora, na urna, pode se tornar aquele que precisa ser  prioritariamente combatido na próxima eleição. Está dentro do jogo, cujas regras ditam que o infinito nessa seara dura muito pouco, quase sempre.

Não fantasiemos os candidatos como pessoas com as quais gostaríamos de viver o nosso cotidiano, compartilhar as nossas vidas e dividir os nossos segredos mais recônditos. A cultura do meio, entendamos, não prescinde do trade-off, tão caro à Biologia Evolutiva: para alcançar o seu objeto do desejo eles perdem, em troca, a chance de ter o maior de todos os bens, na minha opinião: a amizade. E não há de ser fácil viver uma solidão cercada de vozes, cheiros e desejos nem sempre justos.  

Os políticos não são piores do que a nossa espécie, mas, em regra, carregam consigo o que a nossa espécie tem de pior. Usar a reserva de maldade que todos guardamos, entretanto, passa a ser uma opção de cada um dos personagens que buscam o centro do palco – quando lhe chega às mãos algum poder que mereça esse nome.

Hoje é dia de eleição: confesso ao leitor e à leitora que não procuro nas urnas um amigo, um parceiro de conversas sobre as coisas pelas quais eu sou, de fato, apaixonado, mas alguém que possa de alguma maneira carregar e manifestar empatia, respeitar os diferentes e ajudar a quem mais precisa. No paroxismo, e às vezes chegamos a ele, alguém que não faça mais mal a quem já sofre as consequências de uma sociedade tão injusta (uma escolha que não há de ser a regra).

Se você joga limpo e honestamente consigo próprio na hora de votar e escolhe o seu candidato (a) sem troca-troca pessoal, o mérito será seu – mais do que daquele ou daquela que receberá o seu voto. Entregue o seu voto de consciência tranquila e deixe a ele (ela) a responsabilidade de honrá-lo. 

Hoje é dia da razão – apaixone-se por ela.  
Jornalista, escritor e músico.
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