A transição governamental, o protagonismo do controle externo e a política pública de energia elétrica – Migalhas

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quarta-feira, 9 de novembro de 2022
MIGALHAS DE PESO
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quarta-feira, 9 de novembro de 2022
Atualizado às 13:42
A lei 10.609/02, decorrente de conversão da Medida Provisória (MP) 76/02, faculta ao candidato eleito para o cargo de Presidente da República o direito de instituir a chamada “Equipe de Transição”, para inteirar-se do funcionamento da administração pública federal e preparar os atos de iniciativa do novo Presidente da República, a serem editados imediatamente após a posse1.
Os estudos2 que a originaram ressaltaram a necessidade de preservar a sociedade do risco da descontinuidade das ações de grande interesse público, e de conferir transparência e ética às atividades desenvolvidas.
Além disso, em junho de 2010 o decreto 7.221 dispôs sobre a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal durante o processo de transição governamental, com os seguintes princípios: (i) colaboração entre o governo atual e o governo eleito; (ii) transparência da gestão pública; (iii) planejamento da ação governamental; (iv) continuidade dos serviços prestados à sociedade; (v) supremacia do interesse público; e (vi) boa-fé e executoriedade dos atos administrativos.
Com vistas a contribuir com os Municípios, o governo federal forneceu um passo a passo3 para uma transição republicana nas eleições em 2020, ressaltando que possíveis adversidades políticas devem ser momentaneamente deixadas de lado em prol do bem-estar da população:
“(…) o processo de transição de governos, seja qual for a esfera em que se desenvolva, além de servir como marco crucial de definição de responsabilidades, evidencia o espírito público dos gestores envolvidos, em que possíveis adversidades políticas são deixadas momentaneamente de lado em prol do bem estar da população, a fim de que não haja descontinuidade na execução das políticas públicas de interesse dos governos locais e federal, como também possibilite o adequado exercício do controle, de forma mais republicana possível, sem acarretar transtornos desnecessários para a Administração Pública.” (grifos originais)
Neste contexto, o Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou a realização de fiscalização (modalidade acompanhamento) com o objetivo de avaliar a regularidade do processo de transição governamental sob os aspectos administrativos, operacionais, orçamentários e financeiros, nos termos previstos na lei 10.609/02 (Acórdão de Relação 2.450/22-Plenário).
O Acompanhamento é o instrumento de fiscalização utiliza
do para examinar, ao longo de um período predeterminado, a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão dos responsáveis sujeitos à sua jurisdição, quanto ao aspecto contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial; e avaliar o desempenho dos órgãos e entidades jurisdicionadas4. O Tribunal também criou um Comitê, formado por três Ministros: Vital do Rego, Jorge Oliveira e Antônio Anastasia.
A propósito, a necessidade de uma agenda mais integrativa entre os Poderes Executivos e os Tribunais de Contas foi ressaltada em recente artigo de opinião5, valendo destacar:
“(…) seria muito oportuno que transições governamentais priorizassem a construção de uma agenda mais estratégica e sinérgica com os respectivos tribunais de contas, salutar para fortalecimento de nossas instituições e da democracia, sem perder de vista a observação, por todos os entes federativos, das recomendações sobre melhores capacidades de integração de centros de governo, notadamente as realizadas na peer review da OCDE sobre o centro de governo no Brasil, aproveitando legados já estabelecidos, mas, não raro, descontinuados.” (grifos originais)
A lei 10.609/02 permite até 50 (cinquenta) nomeações para a Equipe de Transição, sendo livre sua forma de organização e extinta em até 10 (dez) dias após a posse do novo Presidente. Foi usada pela primeira vez em 2002 (ainda como MP, na transição de FHC para Lula).
Em 2018, a Portaria 02/18 fixou a estrutura da Equipe de Transição, prevendo a criação de “Grupos Técnicos” para cada setor governamental (vide Portaria 26/18), sendo possível a troca de informações por meio de relatórios técnicos e manifestações de organizações civis (como as diversas ‘cartas abertas’ que costumam circular no período).
A título ilustrativo, a maior preocupação em 2002 (ano da primeira equipe de transição) no setor elétrico foi o risco de racionamento6. Recente deliberação do TCU (Acórdão 1.567/22-Plenário) destacou a importância de um plano estratégico de contingência para o enfrentamento de situações de crises hidro energéticas no setor elétrico (especialmente em vista da falta de chuvas enfrentada no final de 2021), a fim de garantir a continuidade e a segurança do suprimento, sem prejuízo dos usos múltiplos da água e da modicidade tarifária.
Em 2018, o Ministério da Economia, por meio da Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loterias (SEFEL), divulgou extenso relatório sobre o setor elétrico7, para contribuir na transição de governo, abordando 3 temas: (i) racionalização da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), (ii) aperfeiçoamento do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) e (iii) apropriação e alocação da renda hidráulica, todos de extrema relevância.
Em 2022, enquanto são definidos os integrantes da Equipe de Transição, “a Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, como parte integrante da administração pública federal, [colocou-se] à disposição das equipes técnicas responsáveis pelo processo de transição, no momento que iniciar os trabalhos de mudança para o novo governo”8.
Vale lembrar que o Congresso Nacional segue com dois importantes Projetos de lei em tramitação: (i) a chamada “modernização do setor elétrico”, materializada no PL 414/21 (origem na Consulta Pública do MME 33/17, com ampla participação dos agentes setoriais), em fase final de votação e cuja aprovação, em teoria, poderia ocorrer ainda em 2022; e (ii) o PDL 365/22, para sustar da regulação da ANEEL as normas referentes ao sinal locacional na Tarifa de Uso de Sistema de Transmissão (TUST)9, de natureza bastante controversa, vez que afeta a alocação de custos entre geradores e consumidores.
Seja da perspectiva do setor elétrico, seja de outros setores da infraestrutura do país, ou ainda, das demais políticas públicas, o momento exige o inafastável espírito público dos gestores envolvidos, com vistas a minimizar o risco da descontinuidade das ações de grande interesse público, essência da lei 10.609/02, o que, por sua vez, também possibilitará o adequado e tempestivo exercício do controle externo federal, exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do TCU.
———————–
1 Mais detalhes em https://www12.senado.leg.br/tv/programas/noticias-1/2022/11/entenda-o-que-e-transicao-de-governo-alckmin-foi-indicado-para-coordenar-equipe-de-transicao.
2 Ver texto da EM Interministerial nº 346/MP/CCIVIL-PR, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Exm/2002/346-MP-02.htm.
3 Disponível em https://www.gov.br/secretariadegoverno/pt-br/portalfederativo/guiatermino/guia-prefeito-brasil/a-transicao#Transicao.
4Conforme art. 241 do Regimento Interno do TCU, disponível em https://portal.tcu.gov.br/regimento-interno-do-tribunal-de-contas-da-uniao.htm. A importância do TCU na transição governamental também foi destacada em 2018, valendo observar https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/paulo-guedes-ressalta-importancia-da-interacao-do-governo-com-o-tcu.htm.
5 Ver inteiro teor em Por uma agenda mais integrativa entre os Poderes Executivos e os Tribunais de Contas
6 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2811200202.htm.
7 Disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/analises-e-estudos/arquivos/2018/energia-diagnosticos-e-propostas-para-o-setor-1.pdf/.
8 Maiores detalhes em https://youtu.be/HvRF1LIxz5c?t=269.
9 Projetos disponíveis em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2270036 e https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2335844#tramitacoes.
Auditor Federal do TCU. Experiência em controle externo da infraestrutura. Mestre em engenharia pela USP. Ex-especialista em regulação da ANEEL.
É sócio da consultoria regulatória Dínamo Energia. Advogado formado pela Mackenzie e Pós-graduado em comercialização de energia elétrica pela UNIFEI. Ex-especialista em regulação pela CCEE.
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