A voz da juventude: como o voto dos jovens pode mudar a política do país – Revista Galileu

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O Brasil ganhou, em 2022, mais de 2 milhões de novos eleitores entre 16 e 18 anos de idade (Ilustração: Leandro Lima)
Depois de uma intensa campanha do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Brasil ganhou, em 2022, mais de 2 milhões de novos eleitores entre 16 e 18 anos de idade. O aumento de 47,2% em relação a 2018, última vez em que a população votou para presidente, foi resultado de uma mobilização que envolveu de influenciadores digitais a clubes de futebol, diferentes organizações da sociedade civil e até artistas de Hollywood, como Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo. A cantora Anitta, por exemplo, declarou que não tira mais fotos com maiores de 16 anos que não apresentarem o título de eleitor.
O crescimento do interesse pelo pleito não é um caso isolado. Nos Estados Unidos, cerca de 50% das pessoas entre 18 e 29 anos votaram nas eleições para presidente de 2020, segundo estimativa da Universidade Tufts. Isso representou um aumento de 11 pontos em relação a 2016, e foi provavelmente uma das maiores taxas de participação de jovens em uma eleição desde que a idade mínima para votar foi reduzida de 21 para 18 anos no país, em 1971.
Nas eleições para presidente do Chile em 2021, o maior número de votantes se concentrou na faixa dos 20 aos 34 anos, chamando a atenção de analistas, que apontaram essa participação como um dos determinantes para a vitória de Gabriel Boric. Aos 36 anos, o ex-líder estudantil é o presidente mais jovem da história chilena.
Por aqui, a participação dos jovens de 16 e 17 anos nas eleições vinha caindo na última década: foi de 2,3 milhões em 2010 para 1,6 milhão em 2014 e 1,4 milhão em 2018, segundo o TSE. “O jovem brasileiro tem dificuldade de se constituir como ator social, a maioria está na luta pela sobrevivência. Também existe desconfiança em relação às instituições”, analisa o educador Paulo Carrano, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). “No caso específico do Brasil, há um trabalho a ser feito do ponto de vista de uma cultura política participativa”, recomenda o especialista, que foi coordenador da pesquisa Juventudes no Brasil, divulgada em 2021.
Realizado pela Fundação SM e pelo Observatório da Juventude na Ibero-América, o estudo identificou que apenas 5% dos jovens entre 16 e 17 anos exerceram o direito de votar, e 72% dos entrevistados de 15 a 29 anos sequer conversaram sobre temas políticos. Na visão de Carrano, o contexto atual de crise econômica, pandemia e ataques à democracia favoreceram o recorde de novos títulos. “Mas nunca está dado que em um quadro de anormalidade democrática a gente tenha esse mesmo engajamento”, pontua. Estaríamos, então, diante de um ponto de virada ou de um novo despertar político da juventude brasileira?
Direito recente
Voto não necessariamente é sinônimo de democracia. Desde 1532, quando moradores da vila de São Vicente elegeram indiretamente o Conselho Municipal, até o início da República, em 1889, as eleições no país estiveram sob controle da Coroa ou do Império. A primeira eleição presidencial direta por aqui foi em 1894, quando eleitores homens, maiores de 21 anos e alfabetizados elegeram Prudente de Morais. Em 1932, Getúlio Vargas trouxe como novidade a participação feminina, o voto secreto e a Justiça Eleitoral.
Vinte e dois anos depois, após o período do Estado Novo, a idade mínima baixou para 18 anos. E na ditadura militar, que durou de 1964 a 1985, embora houvesse um código eleitoral, na prática os direitos políticos eram controlados pelo governo, que só foi instituir eleições diretas para o Senado e as prefeituras (exceto de capitais) em 1972.
Os jovens brasileiros obtiveram o direito de votar com a Constituição de 1988. A Carta, redigida no contexto da redemocratização, definiu que o voto seria facultativo para pessoas de 16 e 17 anos, e obrigatório a partir dos 18. Mas isso não significa que antes os mais novos não tivessem voz na política. Nos anos 1920, as Revoltas Tenentistas, que envolveram jovens oficiais do exército, tiveram como principal nome o líder comunista Luís Carlos Prestes. Já durante a ditadura militar, o movimento estudantil desempenhou papel de protagonista contra a repressão, em episódios como a Passeata dos Cem Mil, em 1968, e as Diretas Já, iniciadas em 1983.
(Ilustração: Leandro Lima)
Mas o país sempre teve dificuldade de inserir os jovens nas instituições políticas tradicionais. O presidente mais novo a ser eleito foi o primeiro na Nova República, em 1992: Fernando Collor, com 40 anos de idade. No mesmo ano, Edson Vieira foi o político mais jovem eleito no Brasil, aos 18 anos, para a Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Capibaribe, em Pernambuco.
Isso porque a legislação eleitoral atual impõe idades mínimas para os cargos políticos: 18 anos para vereador, 21 anos para prefeito e deputado, 30 anos para governador e 35 para senador e presidente. Essas restrições resultam em uma contradição entre pirâmides etárias. Enquanto a parcela da população brasileira entre 20 e 29 anos foi de 16,5% em 2019, segundo o IBGE, no Congresso essa fatia foi representada por apenas 2,7% dos deputados federais eleitos para o mesmo ano.
Apatia ou antipatia?
O pesquisador da UFF aponta a falta de estímulo desde cedo como um dos pontos críticos para o desinteresse dos jovens pela política. Esse incentivo, segundo o especialista, deveria vir não só das escolas, mas também das famílias. “Devemos ser educados a participar desde crianças, para compreender que muitos dos nossos problemas pessoais não são só individuais, são públicos. Isso faz parte de um longo processo de formação para a cultura política”, pontua.
A paulistana Manuela Paulino, de 17 anos, atribui justamente à escola e a sua família seu interesse pela política. “Minhas aulas sempre têm um posicionamento muito claro de que a política é o mecanismo com o qual o país funciona”, diz. “E em casa, os temas sobre os quais conversamos são assuntos de família,livros ou política. Vi meu irmão tirar o título com 16 anos e sempre tive consciência de que queria fazer parte disso o mais cedo possível.”
Mas ela entende que é uma exceção e relata que amigos de outras escolas não aprendem sequer sobre a organização dos três poderes. Na visão de Manuela, o discurso em torno da corrupção no país contribuiu para afastar ainda mais os jovens da política. “É um discurso que tratou a corrupção como algo muito generalizado, como se não tivesse como fugir disso na política, e fez as pessoas perderem a esperança e os políticos a só falarem desse tema. Quando se é adolescente, só ouvir falar disso, sem outras pautas que te importam, te faz perder o interesse”, opina.
A percepção da estudante do segundo ano do ensino médio é corroborada pela da socióloga Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e uma das autoras da pesquisa Juventudes e Democracia na América Latina. Divulgado em março, o estudo qualitativo investigou o entendimento dos jovens de quatro países — Brasil, Argentina, Colômbia e México — em relação à democracia e como eles se informam e participam da política.
Um dos principais achados é que, para os brasileiros de 16 a 24 anos entrevistados, a democracia, o Estado e o Congresso do país são tidos como “deficitários, intrinsecamente corruptos, representando apenas os interesses das elites, dos políticos e não da população”, segundo o documento. Além da desigualdade social, a corrupção é vista como a causa fundamental da precariedade da democracia no Brasil, independentemente da ideologia dos participantes.
Para Solano, o debate político dos últimos anos está por trás dessas percepções. “Criou-se um discurso muito espetacularizado e que se enraizou na sociedade brasileira, que é o discurso lavajatista, de que a corrupção seria intrínseca e natural à atividade política”, afirma, em referência à operação Lava Jato, iniciada em 2014 pela Polícia Federal com o objetivo de apurar um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo políticos dos maiores partidos do Brasil. “Então, eles [os jovens] se politizaram nesse contexto social que reconhece a corrupção como um elemento central da atividade política. E passaram a perceber a política partidária como algo muito distante deles, muito preocupada em manter seus próprios interesses e benefícios, longe dos problemas concretos da população”, completa a socióloga.
Paradoxo das redes
Afastados da política tradicional, os jovens encontraram nas redes sociais a principal ferramenta de politização. “É impossível entender o jovem sem compreender como ele vive, socializa e percebe as redes. Porque ele vive a sociabilidade nas redes, se informa nelas e, quando fala ou se informa sobre política, é também nessas plataformas”, observa a professora da Unifesp. A principal consequência disso, segundo a especialista, é a vivência da política como um enfrentamento. “Ele consome polêmica, treta e conflito. Não lê a notícia, e sim a opinião alheia sobre ela”, completa.
“[Os jovens] se politizaram nesse contexto social que reconhece a corrupção como um elemento central da atividade política. E passaram a percebê-la como algo muito distante deles”
Na visão de Bruno Vieira, autor do livro Ativismo Juvenil e Políticas Públicas (Editora Letramento) e doutorando em psicologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o maior exemplo dessa relação é o fenômeno da “lacração”, que é quando alguém se posiciona de forma contundente, em geral sobre assuntos polêmicos, mas se fecha para diálogos. “Lacrar é fechar, não é debater. E política é feita de diálogo, de contraposição de ideias. Quando você fecha o debate, você tira a possibilidade da política existir”, avalia.
Outro problema é a chamada “algoritmização” da vida. Trata-se dos códigos por trás das principais plataformas de mídias sociais que determinam o que cada pessoa consome e recebe a partir de critérios que vão da localização ao engajamento com o conteúdo apresentado. “Os algoritmos tendenciam a percepção que cada um tem do mundo e a capacidade de enxergar as coisas, e eles acabam influenciando até mais do que outros fatores. Cada pessoa vive em uma certa bolha”, critica Vieira.
(Ilustração: Leandro Lima)
Mas as plataformas não são transparentes em relação ao peso que cada fator tem na composição final do conteúdo que aparece no seu feed. E é aí que mora o perigo, na opinião de Carrano. Embora a geração atual venha sendo apelidada de “nativos digitais”, por ter nascido e crescido junto com as mídias sociais, isso não necessariamente significa que estejam conscientes sobre a influência dos algoritmos em suas vidas. “Vivemos uma situação em que os algoritmos não apenas intuem [o que desejamos consumir], eles também manipulam. E esse pode ser um mundo obscuro para quem não conhece as múltiplas tramas”, alerta o docente da UFF, que defende o papel das escolas na educação para navegar por esse universo.
Por outro lado, destaca Vieira, as redes também facilitam a articulação e organização da juventude. Ele atribui o boom de adolescentes tirando o título de eleitor principalmente ao papel dos influenciadores digitais e artistas. Segundo o TSE, durante o tuitaço realizado em março para conscientizar a juventude sobre a importância de tirar o título, foram publicados cerca de 6,8 mil tuítes com o tema, que chegaram às telas de mais de 88 milhões de pessoas.
Entre os influenciadores digitais, a socióloga Sabrina Fernandes, do canal Tese Onze, defende o papel das redes sociais para a descoberta de novos interlocutores que talvez não estejam no dia a dia dos jovens — como na escola, em casa ou na mídia tradicional. “As redes sociais também possibilitam que o jovem seja bem próximo da pessoa que está discutindo política a ponto de poder fazer perguntas, de poder inclusive retrucar, entrar num debate. Existe a possibilidade de criar uma comunidade de debate político por meio das redes”, explica Fernandes, cujos perfis no YouTube, Instagram e Twitter somam quase 780 mil seguidores.
“Ter o jovem votando traz para ele o pertencimento, o descobrimento de como o meio eleitoral funciona. Mas precisamos ter jovens cada vez mais engajados para além do calendário eleitoral”
Para a estudante Manuela Paulino, essa mobilização nas redes foi fundamental por um motivo simples: “adolescentes esquecem, se embolam, então só de lembrar que eles precisam e podem fazer isso [tirar o título] já é o suficiente”, afirma. Ela acredita que os jovens finalmente perceberam que os votos que podem acrescentar ao pleito são capazes de até mesmo decidir a eleição. “Acho que esse despertar só poderia acontecer quando a gente se desse conta do quanto um apocalipse poderia acontecer na política. Tem algo muito importante que está sendo ameaçado e pode ser perdido”, avalia.
Apenas o começo
O pesquisador da UFPE considera que o voto dos jovens é uma resposta a um contexto político que vem pouco a pouco retirando e afastando a participação popular. “Mesmo com o governo tendo práticas antidemocráticas e antissociais, os jovens consideram que ‘ok, não vou participar aqui [na política institucional], mas vou dar minha resposta de alguma forma”, aponta. “E dentro dessas respostas está essa janela de participação institucional por meio do voto.”
Um dos efeitos dessa possível resposta já vem aparecendo nas campanhas dos principais candidatos à presidência da república, que começaram a acenar para a juventude. Tanto o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) quanto Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm disputado espaço nas redes sociais, buscando engajamento em plataformas como o TikTok, a rede de vídeos curtos favorita da geração de nascidos entre a metade dos anos 1990 e o início de 2010.
Esse movimento é relevante para aproximar a política tradicional das causas defendidas pela juventude, como a defesa do meio ambiente, questões de gênero, direitos humanos e racialidade. Segundo Esther Solano, em geral, os principais partidos são alheios a essas pautas e as instituições deveriam se abrir mais para as propostas de mudanças trazidas pelos mais novos. Ao mesmo tempo, é uma via de mão dupla. “Os jovens também têm que entender que para fazer política é preciso usar formas institucionais”, lembra a docente.
A socióloga por trás do Tese Onze considera que o voto jovem tem esse papel de inclusão e aprendizado. “Ter o jovem votando traz para ele o pertencimento, o descobrimento de como o meio eleitoral funciona. Mas além disso, precisamos ter jovens cada vez mais engajados no cotidiano para além do calendário eleitoral, porque isso é uma questão de presente e futuro”, conclui Sabrina Fernandes.
Embora ainda seja cedo para saber se teremos uma votação massiva da juventude, dá para ser otimista. “Não tenho dúvida de que este ano em especial vai ser marcante e que essa juventude que hoje está engajada na luta pela democracia vai ter isso como traço definidor”, opina Carrano. O desafio será manter esse engajamento depois que outubro passar e o assunto deixar de ser tendência nas redes sociais.

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