Ações para 'compra de votos' ajudaram a empurrar Bolsonaro ao segundo turno – UOL Confere
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em países como Timor Leste e Angola e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). Diretor da ONG Repórter Brasil, foi conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão (2014-2020) e comissário da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). É autor de “Pequenos Contos Para Começar o Dia” (2012), “O que Aprendi Sendo Xingado na Internet” (2016), ?Escravidão Contemporânea? (2020), entre outros livros.
Colunista do UOL
03/10/2022 14h48
Qualquer cálculo que ignore o impacto da “compra de votos” do eleitorado ao tratar da passagem de Jair Bolsonaro para o segundo turno da eleição é incompleto.
É mais confortável procurar culpados apenas no naco conservador do eleitorado de Ciro Gomes e Simone Tebet por migrarem para Bolsonaro e não Lula (como se tivessem obrigação do contrário), enquanto ignora-se que a eleição não é só o que acontece nos dias que antecedem a votação, mas também o que se desenrola nos meses antes do pleito.
E muito se avisou sobre o uso da máquina pública a favor da candidatura do presidente à reeleição. Coisa que já ultrapassou o descaramento, como na antecipação do pagamento do Auxílio Brasil para antes do segundo turno, anunciada hoje.
As intenções de voto em Jair poderiam ser menores se a base do governo no Congresso Nacional não tivesse aprovado a redução forçada do ICMS nos combustíveis. Se por um lado, isso significou cortes nas receitas de educação, saúde e segurança pública nos estados, por outro ofereceu gasolina mais barata nos postos – o que reduziu o desânimo da classe média com o presidente.
Da mesma forma, a liberação de bilhões de reais em emendas parlamentares via orçamento secreto despejou recursos a prefeituras amigas da base governista. Se, por um lado, os maiores beneficiários foram deputados federais e senadores apontados como pais e mães do recurso, por outro isso gerou ganhos secundários ao presidente – presentes, muitas vezes no material de campanha desses parlamentares.
No Nordeste, onde Lula reina, a imagem de Bolsonaro foi limada para não tirar votos, mas isso não aconteceu em outros locais, principalmente no Sul, no Sudeste, no Centro-Oeste, onde ele ganhou.
Esses recursos se traduziram em tratores e máquinas agrícolas, ambulâncias, caminhões de lixo, ônibus escolares, construção de esqueletos de escolas e hospitais – digo esqueletos, porque o valor empenhado, muitas vezes, não era suficiente para terminar a obra. Mas, o que importa! O relevante é começar para gerar voto.
E, por fim, a PEC Kamikaze, ou PEC do Fim do Mundo, ou PEC do Desbunde, ou PEC da Compra de Votos, com o aumento de R$ 400 para R$ 600 do Auxilio Brasil, a inclusão de mais de dois milhões de famílias no benefício, o aumento no Auxílio Gás, o pagamento de auxílios a caminhoneiros e taxistas. Tudo aprovado a alguns dias de começar oficialmente a campanha oficial.
Aprovada com o apoio da oposição no Congresso Nacional (que temia ser execrada junto aos eleitores se negasse o voto para a liberação dos recursos), ela começou a ser paga em 9 de agosto. Pesquisas apontam que as intenções de voto do presidente não se alteraram significativamente entre quem recebe o Auxílio Brasil, pelo contrário, os beneficiários apoiam Lula.
Uma das razões para isso é que a massa dos mais pobres ainda não sentiu a chamada percepção coletiva de melhora da qualidade de vida. Afinal, não é a chegada dos R$ 600 às contas individuais dos beneficiários que muda o voto, mas as famílias sentirem que a vida delas e de sua comunidade está de fato melhor.
E isso ainda não ocorreu porque os alimentos seguem com os preços nas alturas. Mesmo com a deflação na comida registrada no IPCA-15, pelo IBGE, há um longo caminho para que o preço do litro de leite, por exemplo, seja acessível por famílias mais pobres – que o trocaram por soro de leite ou água.
Dois terços dos entrevistados acreditam que as medidas econômicas, como o aumento do auxílio, são apenas para ajudar na eleição de Bolsonaro, como apontam pesquisas da Genial/Quaest.
Ao mesmo tempo, outro levantamento mostrou que Lula é apontado como o candidato que pode garantir, de fato, que os R$ 600 permaneçam no ano que vem – o orçamento enviado ao Congresso pelo presidente prevê apenas R$ 400.
Nesta segunda (3), dia seguinte à abertura das urnas que mostraram Lula e Bolsonaro passando ao segundo turno com 48% e 43% dos votos válidos, respectivamente, foi divulgado que o governo federal vai antecipar o calendário do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás neste mês. Antes, eles terminariam um dia após a votação, agora terminarão cinco dias antes. Mais descarado que isso só se anunciasse “Compro Voto, Pago Bem” em homens-placa.
Metade (47%) dos beneficiários do Auxílio Brasil estão no Nordeste, onde Lula teve 11 pontos a mais que o adversário ou 12,9 milhões de votos de vantagem.
De acordo com levantamento do UOL, a região é onde Bolsonaro mais ganhou votos em relação ao primeiro turno de 2018: 1,32 milhão. Ou seja, oito de cada dez votos que o presidente conquistou a mais em todo o país entre as duas eleições (1,66 milhão) partiu da região. E isso não é à toa.
Se o pagamento do benefício não gerou ganhos eleitorais ao presidente, pode ter segurado perdas. Afinal, a campanha de Jair Bolsonaro não iria insistir, neste momento, em garantir votos dos mais pobres via liberação distribuição de dinheiro se a estratégia tivesse apenas gerando votos ao seu adversário.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
Leonardo Sakamoto
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Daniel Camargos, Hélen Freitas e Poliana Dallabrida*
Leonardo Sakamoto
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