Advogado próximo a Lula defende inelegibilidade e prisão de Bolsonaro – VEJA

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Um dos principais integrantes do Prerrogativas, grupo de respeitados advogados ligados ao PT, Marco Aurélio de Carvalho era um dos nomes favoritos para compor um dos ministérios de Luiz Inácio Lula da Silva. Carvalho foi uma das vozes solitárias no combate aos excessos da Lava-Jato, quando a operação vivia o auge de sua popularidade, ajudou na articulação para o ex-tucano Geraldo Alckmin assumir a posição de vice na chapa, organizou jantares de arrecadação para a campanha e se tornou um dos colaboradores mais próximos ao futuro presidente. Apesar dessas credenciais, o advogado de 45 anos que é filiado ao partido desde os 16, de forma surpreendente, ficou de fora da Esplanada. Sondado para cargos técnicos no governo, recusou os convites por questões profissionais. Na última terça, 27, aceitou fazer parte de um conselho ligado ao Ministério das Relações Institucionais que reunirá trabalhadores, empresários e a sociedade civil para discutir projetos para o país. Na entrevista a seguir, Carvalho explica como pretende continuar a colaborar com a gestão de Lula e fala dos muitos desafios do próximo governo. “Não podemos errar”, afirmou.
Havia uma expectativa de que o senhor seria um dos ministros. A recente nomeação para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social foi um prêmio de consolação? A minha presença no governo é tão importante quanto na sociedade civil. Recebi sondagens para ocupar cargos técnicos dentro do Planalto, mas acho que darei uma melhor contribuição como membro do Conselho. O país continua dividido e é importante um olhar de fora do governo, assim como a manutenção do diálogo com os vários setores da sociedade. Vamos caminhar juntos com Lula na Presidência, apoiando e criticando quando for preciso.
Para vários setores ligados ao futuro governo que apoiavam seu nome para a Secretaria-Geral da Presidência, essa indicação seria uma mostra de que o PT está disposto a abrir espaço para novas lideranças. Não ficou um sentimento de frustração nesse sentido pelas escolhas feitas por influência da presidente do partido, Gleisi Hoffmann? De forma alguma. Havia mais expectativas de colegas do que minhas. A presidente fez as escolhas que julgou convenientes, mas um dos grandes desafios do PT envolve mesmo o empoderamento de lideranças jovens. É um passo que o PT precisa dar, mas não deu no início deste novo governo, infelizmente.
Não houve também uma frustração na formação do ministério quanto à promessa de um governo mais plural, que fosse para além do PT? O presidente Lula tem a dimensão da responsabilidade. O país está quebrado, do ponto de vista financeiro e do ponto de vista moral. Esse não é um governo de experimentações, tem de ser de resultados. Políticos experientes como os ex-governadores Rui Costa e Camilo Santana são capazes de reconstruir boas políticas públicas. Além disso, a presença de nomes como o de Simone Tebet nos ministérios é exemplo de que o novo presidente procurou contemplar também as forças que o apoiaram e o ajudaram a vencer as eleições.
“O STF errou bastante nas sentenças ao longo da Lava-Jato, mas acertou ao final reconhecendo a parcialidade criminosa e constrangedora do ex-juiz Sergio Moro”
O senhor fez parte do grupo de transição de Justiça e segurança. Qual o diagnóstico desse trabalho e quais as prioridades? A segurança nunca pode ser tratada, apenas e tão somente, dentro da perspectiva do binômio repressão e punição, ou repressão e prisão. Quanto mais oportunidade tivermos para a população jovem, de emprego e renda, menores serão os índices de criminalidade. Quanto maiores as políticas habitacionais, menores serão os índices de criminalidade. Quanto mais bem-sucedidas forem as políticas sociais, menores serão os índices de criminalidade. Por isso, o desafio é tratar o tema da segurança com a transversalidade que ele tem.
Como será o enfrentamento contra o crime organizado? Precisamos desorganizar os aparatos de lavagem de dinheiro do crime organizado e criar políticas para construir alternativas para a juventude. O governo vai também enfrentar o debate das cadeias, discutindo formas de inverter o encarceramento nefasto da população pobre, preta e periférica. Somos um país que prende muito e muito mal.
Nos últimos dias, surgiu a ameaça de atentados terroristas a partir de apoiadores radicais do bolsonarismo. Qual será a solução para isso? Bolsonaro incitou o ódio e armou a população. Temos cerca de 700 000 civis armados, quase o mesmo contingente somado das forças policiais e do Exército. Precisamos rever os decretos que permitiram o acesso às armas, criar políticas para estimular a devolução voluntária e rever também esses certificados que foram dados a um grande número de pessoas.
Por pressão do senhor e de alguns de seus colegas, o novo ministro da Justiça, Flávio Dino, voltou atrás em algumas nomeações, incluindo a de Edmar Camata para o posto de diretor-geral da PRF. Camata perdeu o posto porque publicou no passado posts aplaudindo a Lava-Jato e a prisão de Lula. Para um governo que prometia não ser revanchista, não é uma incoerência? Flávio Dino acertou. Poucos políticos têm grandeza suficiente para voltar atrás. Não podemos ser condescendentes com lavajatistas. Eles deixaram um rastro de destruição. A Lava-Jato desestruturou setores importantes da indústria nacional e instrumentalizou nosso sistema de Justiça. Deixou prejuízos enormes e perversos na economia brasileira, chegando ao auge com a prisão injusta e criminosa de Lula. Autoridades que vestiram capa de heróis foram incensadas por parte da opinião pública. E a receita deu errado. Não podemos passar pano para quem tem responsabilidade nesse processo.
Dentro desse mesmo critério, como o novo governo vai conviver com o mesmo STF que, durante um longo período, endossou as decisões do período da Lava-Jato? A história das pessoas e das instituições é marcada por bons e maus momentos. O Supremo Tribunal Federal, durante parte importante da Lava-Jato, endossou as decisões do ex-juiz Sergio Moro e de procuradores como Deltan Dallagnol. Assim como o TRF4. Mas o Supremo teve a grandeza de reconhecer a parcialidade criminosa e constrangedora do Moro, principalmente em relação a Lula. O STF teve a oportunidade, com a revisão de suas posições, de reacreditar o nosso sistema de Justiça e de devolver para ele a credibilidade perdida durante muito tempo, quando dava guarida a esses falsos heróis. Mas teve responsabilidade, não podemos negar. Muitos dos integrantes do Supremo devem estar arrependidos com os votos que deram.
A revisão desses votos serve como mea-culpa do STF? Sim, mas ninguém vai devolver ao presidente Lula uma hora sequer dos 580 dias em que ele ficou injustamente preso no cárcere político. Ninguém vai devolver. Não há reparação possível, para Lula ou sua família, e para nós, cidadãos brasileiros, que queríamos ter votado nele em 2018. Agora, outras instituições precisam fazer uma autocrítica. O TRF4 não fez ainda, mas precisa fazer. A imprensa também.
Nos casos comprovados de corrupção, não falta também ao PT fazer a mesma autocrítica? Os desvios só apareceram e foram combatidos porque os governos do PT criaram os mecanismos para que esse combate pudesse ocorrer. Não houve nenhuma atitude de complacência e condescendência por parte do presidente Lula ou do PT. Pelo contrário. Todos os mecanismos que desnudaram as corrupções que de fato ocorreram na Petrobras e em outras estatais foram implementados por governos do PT. Essa é a grande ironia. Existe a percepção equivocada de que houve mais corrupção nos governos do PT do que em outros. E isso se deve exatamente ao combate que promovemos contra a corrupção. A história nos fará justiça.
“A inelegibilidade de Jair Bolsonaro é a melhor resposta para o flagrante abuso de poder econômico, político e religioso do qual ele se beneficiou durante a última campanha eleitoral”
Como será o relacionamento do governo com o STF, que ganhou aplausos pelo protagonismo na defesa da democracia, mas também mereceu muitas críticas por decisões polêmicas? Não podemos deixar de reconhecer e aplaudir o papel do Supremo na defesa da democracia. Mas não podemos empoderar o STF no sentido de ratificação de um ativismo judicial que trouxe tantos prejuízos ao país. Não podemos acreditar em superjuízes, superpoderes. A situação que o país viveu foi anômala. O Supremo precisou agir com mais firmeza para garantir o cumprimento da Constituição, colocado em risco por Bolsonaro. Mas não podemos estimular o ativismo judicial, que é uma moeda de duas faces perversas. De um lado a judicialização da política e, do outro, a politização do Judiciário. Precisamos devolver o país à normalidade.
Essa bandeira de paz deve ser também hasteada em direção a Jair Bolsonaro, alvo de vários processos em curso na Justiça? Ele tem de responder, pois isso tem poder pedagógico. Não podemos passar para o mundo a impressão de que somos complacentes e condescendentes com o crime.
Quais processos exigem uma atenção maior? São vários. A compra com dinheiro vivo, por ele e integrantes da família, de dezenas de imóveis é um deles. O processo de compra das vacinas, em especial da Covaxin. Os escândalos no Ministério da Educação. E tem uma série de outros temas que serão enfrentados quando caírem os sigilos de 100 anos. Não se trata de vingança. É justiça e reparação.
Bolsonaro tem dito a pessoas próximas que o sistema de Justiça o tornaria inelegível, caso ele queira voltar para a política. Esse receio tem fundamento? A inelegibilidade do Bolsonaro é a melhor resposta para o flagrante abuso de poder econômico, político e religioso do qual ele se beneficiou durante a campanha. Se a Justiça agir com isenção, a melhor resposta que nosso sistema dará é declará-lo inelegível e, logo na sequência, recolhê-lo ao sistema prisional brasileiro. Não há outra alternativa possível.
E qual sua expectativa sobre isso? Infelizmente nossa Justiça está contaminada com interesses políticos e eleitorais. Parte importante dos seus atores fica preocupada com a opinião pública. Exatamente por isso que o presidente Lula foi preso e talvez seja por isso que o Bolsonaro fique solto. Eu estou pessimista. Se a gente tivesse um sistema judicial isento, certamente o Bolsonaro já estava arrumando as malas para ir para a cadeia.
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822
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