Advogados queimam livros em ato de repúdio ao STF no Paraná; subseção da OAB 'lava as mãos' – Bem Pa – Bem Paraná

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Em Cascavel
Na última sexta-feira (dia 02 de dezembro) foi celebrado o Dia dos Criminalistas. E no Paraná, a data acabou marcada por uma manifestação ocorrida em frente à subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Cascavel, no oeste paranaense. É que “advogados de direita” (como eles próprios se identificam) decidiram fazer um ato público “de repúdio aos desmandos do STF e TSE”, conforme consta em convocação para o ato que circulou nas redes sociais. Tal ação acabou ganhando grande repercussão pela forma como os advogados decidiram protestar: promovendo uma queima de livros.
Ainda na noite de sexta a OAB de Cascavel divulgou uma nota em suas redes sociais, na qual destacou que a iniciativa “não foi oficial e alheia à sua programação”, que o ato foi realizado “na parte externa da estrutura da OAB, portanto, em ambiente público” e que “quaisquer desdobramentos futuros sobre a ação são de inteiramente responsabilidade de seus idealizadores ou participantes”.
Na página do Instagram da OAB Cascavel, diversas pessoas (muitas delas advogados e advogadas) defenderam a manifestação, argumentando que “há momentos em que são necessárias medidas extremas para que a voz dos corretos seja ouvida” e que “os patriotas” se manifestaram “de forma pacífica, ordeira e respeitosa”.
Por outro lado, diversos juristas também trataram de associar o movimento com outro episódio histórico, ocorrido entre maio e junho de 1933 na Alemanha: a Bücherverbrennung, uma queima de livros promovida pelo regime nazista ainda nos primeiros meses do Terceiro Reich.
“No dia dos criminalistas, advogados tocam fogo em livros de Direito Penal em frente à sede da OAB de Cascavel. Gravíssimo. Advogados agindo como nazistas. Nossa democracia corre um constante e intenso risco, são muitos os sinais”, alertou o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, em comentário publicado em suas redes sociais, enquanto outros internautas foram até a página da OAB Cascavel para lamentar “a vergonha proporcionada pelos ‘advogados de direita’” e criticar o fato de a OAB Cascavel não ter tido uma posição mais enfática contra o ato e tudo o que ele simboliza.
Já Mauricio Stegemann Dieter, advogado e professor de Criminologia e Direito Penal da USP, fez uma publicação em seu Twitter apresentando algumas imagens da manifestação e pedindo uma resposta ao caso por parte da OAB Paraná e da OAB Nacional.
Na frente da sede da Ordem dos Advogados do Brasil, em Cascavel, Paraná, com o auxílio de conselheiro da subseção, "advogados de direita" queimam livros (com relativa incompetência).
Como vão reagir o @CFOAB e a @OABPR? A dignidade da nossa profissão exige uma resposta. pic.twitter.com/HG873MoZui
Na manhã deste domingo (04 de dezembro), após a publicação da reportagem pelo Bem Paraná, a OAB estadual divulgou uma nota em seu site, na qual classificou o episódio ocorrido em Cascavel como uma “indefensável queima de livros em logradouro público, em protesto contra decisões judiciais dos Tribunais Superiores”. Ainda segundo a instituição, os atos, que não representariam “a classe dos advogados ou a instituição OAB, merecem o repúdio institucional e estão sendo apuradas pelos instrumentos legais e regimentais apropriados.”

Abaixo você pode conferir a nota da OAB Paraná na íntegra:
A OAB Paraná tomou conhecimento de atos supostamente praticados por advogados na cidade de Cascavel, no dia 02/12/2022, envolvendo, dentre outras ações, a indefensável queima de livros em logradouro público, em protesto contra decisões judiciais dos Tribunais Superiores.
Embora os atos tenham sido realizados em frente à sede da OAB Cascavel, a OAB Paraná reitera, conforme nota já emitida pela subseção, que se trata de iniciativa privada em área pública, desvinculada da Instituição.
Tais atitudes, além de não representarem a classe dos advogados ou a instituição OAB, merecem o repúdio institucional e estão sendo apuradas pelos instrumentos legais e regimentais apropriados.
As liberdades constitucionalmente asseguradas não podem ser exercidas de modo a ensejar ideias que disseminem violência e incitem práticas atentatórias contra o próprio Estado Democrático de Direito.
Diretoria da OAB Paraná
Embora tenha alegado que a manifestação em frente à sua sede “não foi oficial e alheia à sua programação”, nos últimos meses a OAB Cascavel vem criticando reiteradamente as decisões de tribunais superiores, principalmente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Coincidentemente, as duas cortes também são os alvos prediletos de manifestantes golpistas que estão em frente a quartéis pedindo uma intervenção militar.
Em 29 de agosto deste ano, por exemplo, a subseção de Cascavel da Ordem enviou um ofício à OAB Paraná e ao CFOAB pedindo providências: “em face de recentes decisões do Ministro do STF — Alexandre de Moraes (inquéritos ‘milícias digitais’ e ‘fake news’), que na análise colegiada desta Subseção, motivam a atuação imediata da instituição”.
Na época, o posicionamento da instituição foi alvo de crítica por parte de outros juristas, como Lenio Streck e Marcio Berti, que num artigo publicado no Conjur questionaram se a OAB Cascavel “não se deu conta que estamos diante do esgarçamento das instituições? Que há em curso no país uma escalada autoritária que ameaça a democracia e as instituições da República?”
Essa, contudo, não foi a única vez em que a subseção paranaense da OAB se manifestou dessa forma. Já em outubro, dias antes do segundo turno da eleição presidencial, a instituição emitiu nota oficial repudiando “atos de censura à veículos de comunicação”, alegando prezar “pela liberdade de expressão e pelas conquistas do estado democrático de direito” e que não aceitaria “qualquer ataque às garantias constitucionais da livre manifestação e liberdade de imprensa por qualquer poder da República”.
Já no dia 9 de novembro, após as eleições, a OAB Cascavel divulgou um documento, assinado junto a outras instituições do oeste paranaense, reafirmando “seu compromisso com a defesa da liberdade, com a segurança jurídica e com o direito à propriedade”. Era mais uma crítica às decisões de cortes superiores, que vinham (e vêm) tentando combater a disseminação de fake news e os ataques à democracia promovidos por militantes de extrema-direita.
Por fim, em 21 de novembro, dez seccionais da OAB (entre elas a OAB Cascavel) assinaram uma carta pedindo ao Conselho Federal da Ordem para que “atenda inúmeras reclamações de advogados, em relação a decisões proferidas pelo TSE e STF”. O documento cita, especialmente, atos de responsabilidade do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, e pede ainda que o Conselho Federal, através da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais ou outro órgão, analise “em regime de urgência”, a “constitucionalidade e legalidade da decisão monocrática proferida por Alexandre de Moraes, que determina o bloqueio imediato de contas bancárias de mais de 40 pessoas físicas e jurídicas, dos mais variados ramos, sob a principal alegação de que estariam ‘financiando’ supostos atos e ações tidos por antidemocráticos”.
Os “supostos atos e ações tidos por antidemocráticos” citados no documento assinado pela OAB Cascavel são os bloqueios de rodovias promovidos por bolsonaristas que não aceitam o resultado das eleições.
Em 1933, poucos meses após a ascensão de Hitler, várias cidades alemãs organizaram em praça pública a Bücherverbrennung (queima de livros), numa tentativa de destruir tudo o que fosse crítico ou desviasse dos padrões impostos pelo regime nazista. Estima-se que mais de 20 mil livros tenham sido queimados apenas em Berlim, com obras como as de Bertolt Brecht, Karl Marx, Sigmund Freud e Erich Maria Remarque, entre tantos outros, indo parar na fogueira, num ato que contou com a maciça e entusiasmada participação da juventude alemã.
Curiosamente, entre os autores que os nazistas tentaram banir da literatura e da história alemã estava o poeta judeu Heinrich Heine. Mais de um século antes, na década de 1820, Heine havia escrito a tragédia “Almansor”, cuja história se passa no século XVI e aborda a vitória que os Reis Católicos (Fernando e Isabel) haviam imposto sobre os mouros da Espanha. Entre os mouros na obra de Heine está o personagem Hassan, um servo que se recusa a transigir ou abandonar sua antiga fé muçulmana e que, ao acompanhar a queima pública do Alcorão (livro sagrado do islã), em Granada, faz uma profecia terrível:
“Das war ein Vorspiel nur, dort, wo man Bücher Verbrennt, verbrennt man auch am Ende Menschen” (“Isso foi apenas um prelúdio. Onde eles queimam livros, eles vão, no final, queimar seres humanos também”).
Hoje, essa frase está gravada numa placa que fica na mesma praça em Berlim onde, em 1933, nazistas queimaram milhares de livros.
04/12/2022 às 15:37
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