Afastado do São Paulo, Aidar responde à ESPN sobre dívidas, polêmicas, Morumbi e Taça das Bolinhas e diz o que clube precisa fazer para sair da crise – ESPN.com.br

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Carlos Miguel Aidar concedeu entrevista exclusiva à ESPN (1:13)
Carlos Miguel Aidar, enfim, quebrou o silêncio de longos sete anos sem entrevistas. Afastado da política do São Paulo desde 13 de outubro de 2015, quando renunciou à presidência após denúncias de corrupção, o advogado hoje com 76 anos de idade falou com exclusividade à ESPN sobre a atual situação tricolor. E deu a entender que, na sua avaliação, quase nada mudou no clube desde a sua saída – ou mudou, sim, mas para pior, como a dívida, por exemplo, que mais que dobrou.
Presidente da agremiação paulista pela primeira vez e por dois mandatos (à época, de dois anos cada) entre 1984 e 1988, ele voltou ao poder 30 anos depois para suceder Juvenal Juvêncio, que o escolheu a dedo como substituto. Foi eleito em 16 de abril de 2014 com 133 dos 140 votos (sete foram em branco) contra o rival da oposição, Kalil Rocha Abdalla, que retirou a candidatura horas antes do pleito para impedir que um projeto de cobertura do Morumbi fosse votado – conselheiros que eram seus aliados também optaram por não participar da eleição (o número total de votantes aptos era 234).

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Segundo Aidar, a instituição tinha, sim, problemas financeiros à época (fechou 2014 com dívidas totais de R$ 275 milhões) que assumiu, mas nada comparável ao que enfrenta hoje em dia, com dívidas que se aproximam dos R$ 700 milhões e atrapalham muito a mesma como um todo e, claro, a evolução da equipe no futebol nos últimos tempos.
“Quando assumi, São Paulo devia alguma coisa em torno de R$ 300 milhões. Não era salário de jogador, mas sim fornecedor, banco, uma série de coisas. Quando deixei, deixei [a dívida total] com R$ 280 milhões. A dívida hoje está beirando R$ 600 milhões pelo que eu sei”, afirmou o dirigente, que também abordou outros vários assuntos, muitos deles espinhosos.
O terceiro período de Aidar como mandatário tricolor foi marcado por polêmicas. Desde declarações provocativas a times rivais até brigas políticas que o fizeram sair da presidência bem antes do previsto. Seu mandato seria até maio de 2017, mas a renúncia aconteceu em outubro de 2015.
“Aceitei [suceder Juvenal Juvêncio], fui eleito sozinho com uma tremenda de uma oposição, terrível, me marcando deslealmente durante o ano de 2014, fazendo acusações infundadas, com inquérito no Ministério Público, processo penal. Tive que sair do meu escritório [de advocacia], porque era uma mídia negativa. Foi um desastre financeiramente para mim, uma fase muito difícil para reerguer”, destacou o ex-presidente.
“Política ferveu, e essa política foi extremamente nociva para o São Paulo. Já foi [nociva] do Juvenal para mim, ficou [nociva] depois que eu saí. Numa reunião informal, me foi sugerido que eu renunciasse. Claro, na minha cabeça, acima de tudo era o São Paulo, não o meu mandato. Já tinha títulos, não estava preocupado em me manter no poder. Renunciei, mas mudou alguma coisa? Mudou nada, continuaram fazendo o diabo.
Para Aidar, um dos pontos que o tiraram da cadeira de presidente foi mexer com pessoas que estavam acostumadas a terem benefícios internos no São Paulo. O ex-dirigente não citou nomes, mas lembrou que muitos antigos conselheiros do clube tinham facilidades desde os mandatos de seus antecessores, incluindo Juvenal.
“Procurei especialistas nessa área, tentei criar um fundo de direitos de atletas em formação. E com isso fazer caixa para pagar dívida. Corria de manhã, negociava com banco o dia inteiro. Até empresários de futebol financiavam alguma coisa. Conselheiro comprou jogador, e a gente ia vivendo com esse aperto. Não tinha mais como dar as benesses que a última gestão do Juvenal deu: ingressos, viagens, compras, carros, caminhão, motorista, segurança. Acabei com isso, e eles acabaram comigo“, afirmou Aidar, que também lembrou sua relação com Juvenal e uma história entre eles logo após a eleição.
“Um dia o Juvenal me pediu um favor: ‘Quero cuidar de Cotia’. Só que Cotia, nas auditorias que mandei fazer, comecei a descobrir que ali estava uma válvula gigante, até para os meninos treinarem lá tinha cobrança de comissão. Eu falei para o Juvenal: ‘As coisas estão acontecendo nas suas costas e estão dizendo que você tem participação nas coisas lá’. ‘Eu não tenho nada…’, ele disse. ‘Não estou dizendo que você tem’. Ele ficou bravo comigo, rompeu comigo e virou oposição a mim. E incentivou todas àquelas pessoas que eu cortei os benefícios que ele tinha dado para me derrubar. E conseguiu. Mas eu gosto do Juvenal, ele era muito divertido.”
Em julho de 2022, Carlos Miguel Aidar foi absolvido das denúncias de fraude e lavagem de dinheiro pela Justiça. Cabia recurso ao Ministério Público.
Aidar não completou o mandato e, com isso, também não conseguiu concretizar alguns de seus sonhos. O principal deles era separar o futebol do social no São Paulo, o que ajudaria na busca por investidores mais fortes para ajudar o clube a sair da delicada situação financeira.
“O grande problema do São Paulo é que tem uma parte social ativa, um belo time de basquete, vôlei, e o time de futebol profissional. Um não combina com o outro, o interesse do futebol profissional não é o interesse do social e do esporte amador. O meu sonho era separar o futebol do resto, não era difícil fazer, mas precisava da maioria do Conselho, bom trabalho de base, suporte jurídico. Gestões distintas, gestão profissional, talvez até uma SAF. Não tem clima para isso. Quem quer perder a carteirinha de conselheiro? Ninguém…”
Outro ponto que Aidar gostaria de ter levado à frente é a modernização do Morumbi, que ainda é o estádio com maior capacidade da cidade de São Paulo, mas não o mais moderno. Deixada para trás pelas arenas de Corinthians e Palmeiras, a casa tricolor teve a chance de ser vendida na gestão de Aidar, mas a história não evoluiu.
“A ideia era fazer uma coisa mais moderna. Surgiu uma grande empreiteira que queria muito comprar o Morumbi. Na verdade era para demolir e fazer empreendimento imobiliário. Chegou a oferecer a construção de um estádio, adiante da Chácara do Jockey Club, mas não havia um clima para falar uma coisa dessa. Debaixo da pressão de 2014, não tinha nem condição de sequer levar ao Conselho”, detalhou o ex-mandatário.
Carlos Miguel Aidar concedeu entrevista exclusiva à ESPN
Lembrado mais recentemente pela passagem entre 2014 e 2015, Aidar, como já explicado no começo da reportagem, foi presidente do São Paulo em meados dos anos 1980 e naquele período ajudou a criar o Clube dos 13, organização formada pelos maiores times do país e responsável pela criação da Copa União de 1987, equivalente ao Brasileiro da primeira divisão. O torneio foi vencido pelo Flamengo e depois não reconhecido pela CBF, em uma guerra de bastidores que depois respingou no futuro.
Isto porque, pelas regras estabelecidas na época, o primeiro clube a vencer cinco vezes o Campeonato Brasileiro teria direito a ganhar a Taça das Bolinhas original em definitivo. O Flamengo, campeão antes em 1980, 1982 e 1983, passou a pleitear a honraria quando conquistou o Brasileiro de 1992, uma vez que contava ter cinco ao somar também o título de 1987. Mas o troféu ficou com o São Paulo depois do quinto título nacional, em 2007. Aidar, como idealizador do polêmico torneio, admite que o dono deveria ser o time carioca.
“Teve um episódio curioso. Eu idealizei, fundei e presidi o Clube dos 13, criamos a Copa União, naquele campeonato quem venceu foi o Flamengo. Para nós do Clube dos 13, o campeão era o Flamengo. Aí veio aquela discussão da Taça das Bolinhas. Na minha cabeça, convicção interna, era o Flamengo“, admitiu.
“No íntimo, eu queria fazer isso [reconhecer o clube rubro-negro como dono da Taça das Bolinhas]. Reuni a diretoria, expliquei. E falaram para eu levar para o Conselho [Deliberativo]. Leco era o presidente do Conselho, ele não queria botar a mão nisso e devolveu para a diretoria, mas no íntimo eu queria reconhecer o Flamengo. A Copa União era o Campeonato Brasileiro da época“, detalhou.
Carlos Miguel Aidar concedeu entrevista exclusiva à ESPN
Com a experiência de ter presidido o São Paulo em dois momentos diferentes, Carlos Miguel Aidar conhece a fundo a política do clube e tem uma opinião de onde o mesmo perdeu a mão. Ele também tentou responder se é possível resolver o problema que tira a agremiação do protagonismo de outros tempos no futebol nacional.
“Salários absurdos, contratações descabidas, jogadores que não servem. Não é da noite para o dia, tem que haver um fechamento dos registros, das torneiras, todo mundo tem que entender que o São Paulo vai passar um período esquecendo título, mas fala isso para o torcedor. Quem vai ter coragem de falar ‘volta daqui 5 anos porque eu vou pagar conta’? Palmeiras fez, Flamengo fez. Tem que mudar, criar uma meritocracia. A gestão é por mérito, não por acertos políticos, isso não existe”, apontou e sugeriu, ao mesmo tempo.
É possível consertar? Aidar diz não ter uma resposta certa, mas lembra o processo que aconteceu sob sua gestão na década de 1980. Na época também afundado em dívidas, o São Paulo parou de investir em jogadores de nome e apostou suas fichas na base. De lá, tirou nomes como Silas, Pita, Müller e Sidney, que, ao lado de Careca e outros, formaram a geração conhecida como ‘Menudos do Morumbi’.
“Teria que ser feita uma gestão de choque, quase que uma intervenção, ou um grande pacto tricolor. Quando eu assumi em 1984, o São Paulo vinha endividado, vinha de dificuldades financeiras. Em dezembro de 1984, eu entrei no desespero porque não tinha dinheiro para pagar o 13º dos jogadores. Chamei algumas pessoas importantes do clube na minha casa, mostrei o quadro para eles e falei: ‘Vou fazer isso, ou vocês me dão suporte ou o São Paulo não tem solução‘. O que eu fiz? Investi loucamente na base, desisti de inúmeros jogadores. E fomos lá na base buscar os Menudos do Morumbi. Abril de 1988, quando entreguei o São Paulo, tinha dinheiro em caixa, não tinha um centavo de dívida. É isso que precisa ser feito agora.”
* Colaboraram Murilo Borges e Jean Santos

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