Ainda preso ao passado, governo Lula tem largada em marcha lenta – VEJA

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Responsável por coordenar as ações dos ministérios, Rui Costa (Casa Civil) arrumou uma agenda que parecia promissora: levar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira 20, a Feira de Santana, na Bahia, estado governado pelo PT há cinco mandatos consecutivos, onde agradeceria aos baianos pela maior votação proporcional na eleição presidencial, entregaria moradias populares e anunciaria a retomada do Minha Casa Minha Vida, uma das principais bandeiras petistas para o mandato que se inicia. Após visitar as casas, que começaram a ser construídas ainda na gestão Dilma Rousseff, Rui Costa ficou desolado: materiais haviam sido furtados — de vidraças a fiações — e havia muitos problemas de acabamento, o que poderia expor o presidente a um vexame que teria o efeito inverso ao pretendido. Disse que seriam necessários vinte a trinta dias para arrumar os imóveis e cancelou a visita de Lula. O episódio, mais do que uma trapalhada de começo de gestão, é revelador de um drama que aflige Lula e seu entorno: a necessidade urgente de criar uma agenda positiva e mostrar que o governo está enfim começando.
O desespero não é imotivado. Passadas três semanas do mandato, Lula ainda não conseguiu dar o pontapé inicial a nenhuma de suas principais promessas, apesar de constantemente anunciar nos canais oficiais o comprometimento que terá com programas sociais, saúde e educação. “Ganhamos as eleições para cuidar do povo brasileiro. Quando chegamos, encontramos uma casa bagunçada, mas estamos trabalhando para corrigir isso”, disse na terça-feira 17. Em seguida, passou a publicar qualquer coisa que pudesse passar a sensação de que algo está acontecendo. Anunciou o primeiro pagamento do benefício mensal de 600 reais, iniciativa garantida com a aprovação da PEC da Transição em 2022, mas cujo valor já era pago na gestão Jair Bolsonaro. Ou seja, nada de novo. Não pôde nem citar o nome do programa, que ainda se chama Auxílio Brasil, porque o governo não relançou o Bolsa Família, o que só deve ocorrer em fevereiro. Lula também listou o novo Piso Nacional do Magistério, assinado pelo ministro Camilo Santana (Educação), que já enfrenta críticas por criar despesas extras a estados e municípios. Ainda propagandeou a retomada das conversas com as centrais sindicais, interrompidas por Bolsonaro, nas quais prometeu reajuste do salário mínimo e direitos trabalhistas a algumas categorias. Como se vê, nada concreto, mas Lula não tem muito mais o que dizer.
Desde que tomou posse, o petista e sua equipe têm atuado com os olhos no retrovisor. Boa parte da energia até agora foi gasta para revogar medidas do mandato anterior — algumas revogações muito necessárias —, envolvendo temas como aborto, acesso a armas e proteção ambiental. Além disso, gastou um tempo interminável com posses de ministros e outros auxiliares, que se estenderam até o último dia 16, quando empossou a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros. Os eventos tiveram o efeito positivo de passar uma nova imagem de governo, com um perfil mais diverso, com indígenas, mulheres, negros, defensores de direitos humanos, ambientalistas e cientistas em postos-chave da nação. Alvissareiras como mensagem de marketing, as trocas de comando não trouxeram quase nada de concreto até agora. No meio do caminho, Lula ainda foi pego pelo turbilhão terrorista que varreu Brasília no dia 8 de janeiro, um episódio que até fortaleceu o presidente institucionalmente, mas manteve o bolsonarismo e seu legado como o motor da pauta nacional. E fez com que parte do governo passasse a direcionar todo o seu esforço para o necessário esclarecimento dos crimes, o que aprofundou a sensação de que o novo mandato não tem mais nada a dizer que não seja falar de Bolsonaro.
Rui Costa, que ganhou o apelido de “Rui Correria” quando era governador, por sua fama de tocador de obras, continua tentando criar algum fato positivo depois do fiasco na Bahia. O ministro tem feito uma peregrinação intensa pelos ministérios para colher uma lista de projetos e iniciativas que possam ser priorizados no início de governo e que passem a impressão de que as coisas estão em andamento. A expectativa é que visite os 36 gabinetes e receba contribuições para desenhar o plano dos 100 primeiros dias de gestão. Mas as metas já estão atrasadas, uma vez que a ideia era que Lula anunciasse as prioridades ainda em janeiro. O “gerente-geral” do governo já bateu na porta de ministros importantes como Wellington Dias (Desenvolvimento Social), Nísia Trindade (Saúde), Camilo Santana (Educação), Marina Silva (Meio Ambiente) e Renan Filho (Transportes) para saber o que eles têm para mostrar. Rui tem prometido resolver “ainda em janeiro” os pontos mais críticos da agenda governista, mas diz que, concluída a primeira etapa de encontros com ministros, haverá ainda uma segunda rodada de reuniões para definir o cronograma das ações. Um calendário, portanto, que parece enfrentar obstáculos para ser cumprido — e que padece de certo “assembleísmo” típico de organizações de esquerda, um problema enorme para um país que tem pressa.
O governo tem uma lista extensa de coisas para tirar do papel, mas nada no horizonte próximo. No caso do Bolsa Família, o ministro Wellington Dias já afirmou que o programa, reformulado, será retomado em março. Ou seja, a principal bandeira do novo governo só será desfraldada no terceiro mês de gestão. As mudanças exigem que a atualização do Cadastro Único, usado para identificar famílias de baixa renda, seja concluída em fevereiro. Dias afirma que um dos objetivos será fazer um pente-fino nos beneficiários — ele cita o cadastramento de 10 milhões de fichas com indícios de irregularidades — e uma busca ativa de famílias que são aptas, mas ainda não recebem o benefício. “Vamos garantir o pagamento em março com o acréscimo de 150 reais por criança, com a atualização do cadastro que começa em fevereiro e com a aprovação pela rede do Sistema Único da Assistência Social, para segurança nos dados”, detalha o ministro a VEJA.
Enquanto nada acontece de fato, Lula e seus ministros tentam distrair a plateia. Na semana que passou, o vice-­presidente Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, foi à Fiesp para espalhar otimismo com relação à aprovação da reforma tributária no primeiro ano de governo. Prometeu ainda a desburocratização da economia, a concessão de novos financiamentos e o fomento à competitividade. Mas o governo anda tão azarado que, pouco após Alckmin deixar o prédio da Fiesp, seu interlocutor, o empresário Josué Gomes da Silva, foi afastado da presidência em uma assembleia da entidade — ele contesta a decisão. O seu afastamento gerou mais espaço no noticiário do que as promessas do vice-­presidente. Resultado: o governo fracassou de novo na tentativa de criar uma agenda positiva. Em Davos, na Suíça, para o Fórum Econômico Mundial, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também tentou dar algum tom de otimismo. Assim como Alckmin, prometeu reforma tributária para este ano — sobre o consumo, no primeiro semestre; e depois sobre a renda, na segunda metade do ano. Ainda acenou com renegociação de dívidas da população inadimplente e reajuste do salário mínimo “pouco acima da inflação”. Ao seu lado, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, cobrou verba das nações ricas para a proteção ambiental — lembrou que o Acordo de Paris previa repasse de 100 bilhões de dólares a países em desenvolvimento a partir de 2020, o que não ocorreu. Aproveitou para pedir dinheiro a bilionários como o filantropo George Soros e o empresário Jeff Bezos (Amazon) — e até para o ator Leonardo DiCaprio.
Um risco adicional para o momento de aparente letargia vivido pelo governo é que ele se sinta tentado a substituir a inação pela verborragia. Na quarta 18, por exemplo, Lula, em evento com sindicalistas, prometeu reajustar o salário mínimo pelo crescimento do PIB e isentar de Imposto de Renda quem ganha até 5 000 mensais, duas medidas que têm impacto nas contas públicas — enquanto falava, o dólar e os juros subiam no mercado. À noite, em entrevista à GloboNews, achou de bom-tom — e não é — questionar a importância de um Banco Central independente. Embora o governo tenha sido de fato atropelado por questões graves fora da agenda, como a insanidade terrorista, e correções de rota do país fossem realmente necessárias, já é hora de parar de olhar para o passado. O Brasil tem pressa, e o governo, por ora, parece em marcha lenta.
Publicado em VEJA de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2825
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